Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Tudo junto! A nova moda brasileira não se contenta ativista, mas ativa —  coletiva, para além do discurso vazio.

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Day Molina abrindo caminhos originários. (Fotos: Marcelo Soubhia/@AgFotoSite)

Quando Day Molina encerrou seu desfile na última Casa de Criadores, em julho, punho para o alto segurando uma bandeira pedindo o fim do genocídio indígena, houve ali um ponto de virada para uma nova cronologia. Não isolado nem especialmente inesperado, mas fruto de um movimento que vem se desenhando na jovem produção de moda brasileira há tempos e agora — no retorno do “pós” Covid — se consolida a ponto de não deixar mais a história voltar atrás.

Simbólica, a estilista da Nalimo mostrou que a passarela pertence também aos povos nativos desta terra — que, como ela bem reafirma, sempre tiveram sua estética e sua cultura vampirizadas por criadores brancos, mas nunca foram trazidos para junto. Essa é a palavra que bem define a movimentação. Day não veio sozinha: da produção de backstage ao casting, juntou guajajaras, guaranis, krenaks, huni kuins, pankararus e tantos outros nomes que a moda sempre ignorou.

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Da Silva Santos Neves e Guma Joana (Fotos: Marcelo Soubhia/@AgFotoSite)

Mais do que fazer justiça reparadora, é uma nova maneira coletiva de garantir espaços necessários. Para além dos discursos identitários que já vinham acontecendo, o esforço não é apenas para trazer atenção a problemáticas estruturais, como o racismo latente. Unindo esforços, dá voz por meio de uma reunião de pares a fim de desbaratinar o inevitável esvaziamento de discursos pela mão do mercado.

Como todo agente cultural, a moda reflete a realidade em que está inserida e é moldada por ela. Se há alguma coisa que os últimos quatro anos nos ensinaram é que, se não houver união, a coisa toda vai para o vinagre. Ao mesmo tempo, essa mesma moda pode ser exaustivamente cruel no sistema de concorrência que sempre a pautou. Essa nova geração começa a mudar um certo personalismo que sempre foi característico nosso e travou muito do potencial da cena nacional nos últimos vinte anos. Ela está disposta a dividir o pirão, que sabe ser tão pouco quanto a farinha.

Naturalmente, Day não está só. Os povos nativos não são os únicos que a sociedade tem sistematicamente esfarrapado. Noutras passarelas, Guma Joana e Pedra representaram a coletividade trans e travesti, aproveitando caminhos abertos antes por Vicenta Perrota — todas elas se dão as mãos para garantir uma existência própria dentro de um mundo pautado pela cisgeneridade branca. As pautas também se cruzam — como bem mostrou a baiana Monica Anjos, que deu o mesmo peso ao racismo contra povos pretos e originários. Ou Da Silva Santos Neves, guri da Paraíba que trouxe na bagagem uma resistente cena ballroom fora do viciado radar do Sudeste. Fator em comum: a presença dos corpos dissidentes – seja pela cor da pele, pela idade, gênero ou orientação sexual.

São todos esforços e reforços que, na soma de iguais, garantem, através da roupa como política, uma barreira assertiva contra a caretice contemporânea e atrás de uma construção. Como bem disse Isaac Silva na entrevista desta edição, todos esses núcleos que historicamente sempre foram reprimidos querem tão somente a possibilidade de existir e exercitar suas estéticas sem que precisemos discutir conflitos, apontar dedos ou encaixar em velhos formatos. O caminho dialógico está dado, mas ainda não chegamos lá.

A nova moda é preta, é trans, é indígena, é tudo. Não só, mas também. Mais do que qualquer coisa, é genuína. E representa um Brasil que sobrevive para além de qualquer manha fashionista. Preste atenção.

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