Em entrevista especial para o Fashion Bubbles, o escritor e pesquisador em filosofia, Brunno Almeida Maia, apresenta de forma didática, quatro grandes questões da Moda: Filosofia, Imagem e Narrativa, o arqueólogo e o cartográfico e como tudo isso interfere em sua realidade com muitos exemplos.
Reflexões profundas demonstram a importância de se desenvolver um “Pensamento da Moda” com base filosófica, tanto para compreensão desse fenômeno central da sociedade contemporânea, como para formação de um espírito crítico, em uma cultura que passa por grandes transformações, com discussões sobre a questão do corpo, dos gêneros, das identidades nômades, do empoderamento, do feminismo…
Bruno explica a importância de tentar entender a força de espírito do tempo (Zeitgeist) da Moda, uma vez que este fenômeno tão complexo, não diz mais respeito, apenas, às roupas, mas a todas as instâncias e espaços da vida humana em sociedade, desde a política, a economia, a privatividade e as relações sociais, incluindo aí, as amorosas.
No decorrer da entrevista, Brunno, também nos concede referências bibliográficas, resultantes de anos de pesquisa, que trazem grandes nomes do “Pensamento da Moda”, assim como referências suscitas, às suas teorias, servindo de base, para quem quiser iniciar uma base teórica de Moda, desenvolvendo lastro para seu conhecimento.
1 – Moda e Filosofia
Denise Pitta: Qual a relação entre Moda e Filosofia?
Brunno Almeida Maia: A pergunta pode ser respondida de duas maneiras. A primeira é a compreensão da filosofia como ciência da origem, portanto, a busca, neste caso, da relação etimológica existente entre as palavras texto e tecido no grego e no latim. Quem nos indica esta curiosa aproximação é o filósofo Roland Barthes n´ O Prazer do Texto.
Como alargamento da razão, as palavras texere (latim) e huphaínō (grego arcaico), abrem múltiplos sentidos, significando tanto o costumeiro tecer no ofício das costureiras, o sentido narrativo de “tecer comentários sobre alguém”, ou, como aparecem na Ilíada e na Odisseia de Homero, ambas escritas por volta do século VIII a.C: “os deuses teceram algo…”. Ou seja, a palavra possuindo uma constelação de significados nos indica que no ato de tecer algo é narrado, e no ato de narrar, por seu turno, algo é tecido.
As moiras (em grego: Μοῖραι), na mitologia grega, eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres lúgubres, responsáveis por fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Durante o trabalho, as moiras fazem uso da Roda da Fortuna, que é o tear utilizado para se tecer os fios. As voltas da roda posicionam o fio do indivíduo em sua parte mais privilegiada (o topo) ou em sua parte menos desejável (o fundo), explicando-se assim os períodos de boa ou má sorte de todos. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos – Moda e Filosofia
A minha avó materna, que fora costureira em sua pequena cidade natal de São João do Oriente, em Minas Gerais, conta que durante as visitas de suas clientes ao seu atelier, para as provas de roupas, histórias – nem sempre as mais felizes – eram contadas ao redor da velha máquina de costura Singer.
Temos aí, portanto, um indicativo de aproximação com a tradição oral, a tradição material e a tradição afetiva. Foi inevitável, ao longo destes anos de pesquisa, relacionar esta questão com o declínio da narração no ocidente, especificamente com o texto O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, do Walter Benjamin, no qual, resumidamente, ele mostra que enquanto os antigos narradores contavam as histórias, que eram verdadeiros provérbios, parábolas e conselhos práticos para a vida, teciam, gravando nos corações e nos espíritos de quem as ouviam, toda uma tradição do saber-viver e saber-fazer.
Portanto, estamos na nascença da Filosofia, como sabedoria prática, como modo de vida. Ora, isto era possível por conta de uma percepção temporal, antes daquilo que Max Weber chamou de “desencantamento do mundo”, no qual a “distração atenta” e a contemplação eram possíveis. Era uma época, contrária a do capitalismo moderno, na qual o Tempo não se “contava”, para usar uma bela expressão do poeta Paul Valèry.
Na antiga tecnologia do tear, a trama representava a rememoração, ao passo que a urdidura era o esquecimento. Bela analogia, uma vez que a maior descoberta da psicologia moderna foi a de entender que a consciência não suporta apenas o constante lembrar, ela deve se ocupar, também, da arte do esquecimento.
Nietzsche nas Considerações Extemporâneas chama a atenção para a compreensão do esquecimento para a História, para se combater, em linhas muito gerais, aquilo que ele chamou de uma cultura do “ressentimento”. Lembremos, então, do estratagema de Penélope na Odisseia de Homero. Enquanto costurava a mortalha do velho Laertes, “ganhava” tempo para não desposar os pretendentes do palácio, e aguardava, com este gesto, o retorno do amado Ulisses à Ítaca.
O término do trabalho de Penélope coincide com a chegada de Ulisses, como se a narração estivesse consoante com o acontecimento. Este trabalho paciente, memorioso, de retomada de fôlego, de uma Penélope fazendo e desfazendo as linhas no tear, portanto do inacabado, é a “mais autentica forma de pensamento”.
No sentido metafórico, não foi Heródoto, mas uma “costureira”, Penélope, a primeira historiadora. Como leitura do presente – tarefa que se destina a questão filosófica desde o século XIX – temos várias questões políticas na relação exposta acima, principalmente se pensarmos, no declínio da narrativa – tal como Benjamin a compreendeu – e no “desaparecimento” das costureiras – como contadoras de histórias – dos bairros, vilas e pequenas cidades.
Penélope na Odisseia de Homero: enquanto costurava a mortalha do velho Laertes, “ganhava” tempo para não desposar os pretendentes do palácio, e aguardava, com este gesto, o retorno do amado Ulisses à Ítaca – Moda e Filosofia
No que diz respeito ao segundo ponto, trata-se de compreender o “caráter epistemológico* da Moda”, e para tal tarefa me apoio no método – de desvio! – benjaminiano, e no uso da Alegoria. A Origem do Drama Barroco Alemão – sua tese de livre docência – falou do século XIX desviando-se pelo o século XVII, pois, por este anacronismo, Benjamin combatia o historicismo e o método positivista ou cientificista da inteligibilidade, das leis que regem as identidades, excluindo as diferenças, e das deduções onde nada escapa.
Trata-se na Alegoria, que significa, grosseiramente, (allo, outro/ agorein, dizer), “dizer de outro modo”, de buscar, na expressão da Prof. Olgária Matos, não um desejo de evidência – como no cartesianismo – mas um desejo de vidência. O sujeito torna-se leitor e autor dos sinais históricos, pois a Alegoria possui como sentido profundo a arbitrariedade.
Pensar a roupa como Alegoria significa extrair o que ela contém, no seu aspecto fenomênico e transitório, de filosófico e eterno. Trata-se de pensar a relação da consciência com as coisas materiais, da memória que uma peça de roupa é capaz de suscitar involuntariamente, da sua própria dimensão ontológica de finitude, ou seja, de Morte.
No trabalho das Passagens, Benjamin propõe a dialética da Moda, pensando-a como desejo (vida: a tendência ainda não consumada) e como cadáver (morte: a tendência consumada). Neste sentido, estamos no campo da Filosofia, da extração, a partir do mundo dos fenômenos, da Ideia. A Morte, a condição de finitude das coisas e da existência humana, a passagem e a experiência do Tempo e da consciência dizem respeito, como sabemos, à Filosofia.
- Epistemologia – reflexão geral em torno da natureza, etapas e limites do conhecimento humano, esp. nas relações que se estabelecem entre o sujeito indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades tradicionais do processo cognitivo; teoria do conhecimento.
Alegoria, que significa, grosseiramente, (allo, outro/ agorein, dizer), “dizer de outro modo”. Trata-se de pensar a relação da consciência com as coisas materiais, da memória que uma peça de roupa é capaz de suscitar involuntariamente – Moda e Filosofia
2 – Moda, Imagem e Narrativa
Denise Pitta: Qual a importância da narrativa na criação do novo na Moda? E sobre relações e diálogos para criação?
Brunno Almeida: Uma das mobilizações centrais da minha pesquisa é sobre a noção de narrativa no contemporâneo, a partir de um fenômeno que o Benjamin percebe na transição da vida em comunidade – até o século XIV -, e o surgimento da sociedade moderna, que se consolida com as revoluções Francesa e Industrial, e, sobretudo, com a Modernidade do século XIX. Segundo ele, a Modernidade se caracteriza, também, pelo declínio da narração.
O autor se refere ao modelo tradicional da narração oral, ligado à perpetuação dos laços afetivos, ao passado e ao sentimento de pertencimento religioso. A modernidade “rompe” com este modelo, por conta de algumas mudanças, como o modo de produção, que passa a ser o capitalismo moderno, a maneira como se encara o ato de morrer – não se morre mais em casa, mas nos hospitais –, o fortalecimento, no XIX, da informação jornalística, pontual, assertiva e que não permite interpretação pelo sujeito, e, o mais importante, penso eu, a ascensão do romance moderno burguês, maneira individualizada e solitária de narração.
No mesmo período, temos a consolidação da Moda, como fenômeno social, naquilo que o Gilles Lipovetsky no seu livro O Império do Efêmero – a moda e o seu destino nas sociedades modernas, caracteriza como a Moda de Cem Anos, ou seja, a Moda em seu sentido moderno, tal como a conhecemos, inaugurada pela Alta-Costura e por Charles Frederick Worth, e pelas identidades dadas por meio das classes sociais, das profissões e da divisão binária entre os gêneros.
Charles Frederick Worth criador da Alta-Costura
Tudo isto para afirmar que, consoante com o declínio da tradição oral, enquanto gênero narrativo, temos a ascensão da Moda, também ela uma nova forma narrativa no mundo moderno e contemporâneo. Se a tradição oral e o romance burguês se consolidam no uso da linguagem verbal, a Moda se utiliza, principalmente, da imagem, da linguagem não verbal.
Podemos deduzir que a Moda substituiu os laços de pertencimento no coletivo; Georg Simmel fala sobre isto em seu ensaio Filosofia da Moda, que antes, o pertencimento era privilégio da religião e da vida comunitária.
Temos com a Moda três maneiras “novas” na sociedade moderna para se pensar a questão da narrativa atualmente.
- A primeira, diz respeito à relação feita de tensões e interações do indivíduo com a sociedade, ou seja, a Moda impulsiona o desejo pela imitação (pertencimento e sociabilização), como pela distinção (não pertencimento e individualização). É a partir dessa dialética, enquanto pensamento da contradição, que a relação conflituosa entre individualidade, identidade e Moda deve ser pensada.
- O segundo ponto, está dado no próprio meio de expressão da Moda, as imagens. Na tradição racionalista filosófica, a imagem (o imago) sempre fora problemática, seja pela condenação dos moralistas cristãos do Cristianismo primitivo, como Tertuliano, seja por seu estatuto ontológico, ligado à aparência, ao sensível, portanto, ao mundo dos fenômenos múltiplos, diversos, díspares, à contradição.
A imagem, por definição, comporta uma concentração de energia, de intensidade, por isto, ao contrário do logos (discurso racional), ela, a imagem, permite múltiplas interpretações e sentidos, tal como a poesia. Pensar então, a partir daí, qual estrutura narrativa se tem com a imagem de Moda, seja de uma campanha, editorial, desfile, vitrine.
Costumo dizer que o trabalho de criação nesta área comporta duas correntes narrativas: a primeira nasce com o costureiro ou estilista, toda coleção é ficção, na medida em que lida com uma gramática própria, um cenário de ação, uma temporalidade – referência ao passado, culto do presente, ou predizer do futuro, como fez tão bem André Courrèges, e personagens de criação, como os de Alexandre Herchcovitch no início da sua carreira (A Morticia da Família Adams, a Pomba-Gira, a Caveira, a drag queen, etc).
O segundo momento narrativo, envolve o trabalho de concepção do stylist ou do vitrinista: o desfile, a campanha, o editorial e a vitrine recolocam a primeira narrativa numa segunda, mais próxima de uma relação de identificação com o público, é o chamado desejo, o Eros ou o sex appeal do inorgânico, como tão bem definiu Benjamin, no sentido que a roupa, a mercadoria, flerta com o consumidor.
Coleção Masculina do Inverno 2010 e camiseta com temática pomba-gira, ambos Alexandre Herchcovitch. Na primeira imagem, um situação conceitual da marca, na segunda o produto adaptado ao consumidor final – Moda e Filosofia
Ao comprar determinada peça de roupa, o indivíduo retira um elemento da sua totalidade narrativa, ou seja, retira-se a aura, enquanto encantamento e distanciamento daquela peça na relação com o olhar do voyeur – o consumidor. Cabe a ele, ao indivíduo, uma vez retirada a peça do seu contexto originário, devolvê-la, recriando-a num contexto narrativo pessoal e individual.
Problemática da questão: muitas vezes, devido a demanda do fast fashion e o aceleramento do tempo, ou de um empobrecimento psíquico do sujeito, reside uma incapacidade de se criar, num diálogo com o próprio corpo, uma nova narração. Penso que o consumismo deveria ser “repensado” por este caminho…
- O terceiro ponto é a temporalidade da Moda, e como toda estrutura narrativa – Paul Ricoeur nos mostrou muito bem – temos uma estrutura temporal. Qual é a estrutura temporal da Moda? Vivemos numa época em que a Moda não diz mais respeito, apenas, às roupas, mas a todas as instâncias e espaços da vida humana em sociedade, desde a política, a economia, a privatividade e as relações sociais, incluindo aí, as amorosas.
Mais ainda, com o fenômeno do fast fashion, uma mesma roupa que é vendida numa loja no Brasil, pode ser encontrada em quase todos os países de culturas diferentes, mas que possuem moda – no sentido ocidentalizado e moderno da palavra. Como avaliar as identidades e os processos de subjetivação, sendo que há uma mesma referência de imagem de moda (tendência) em todas as culturas?
A questão torna-se mais complexa: como decifrar, então, algo que perdura, mas que morre e reaparece com força intensa desde o século XIV, ou seja, algo que atravessa “o tempo”, e se mantém intacta como produtora de desejo? Tanto no primeiro, quanto no segundo caso, temos algo em comum filosoficamente. O que? O conceito de Tempo.
Parece-me que as discussões mais interessantes e profícuas vão neste sentido, de tentar entender o tempo inapreensível da Moda, portanto, que não é possível de se medir pelo cronômetro tradicional, que está em “todos os lugares”, logo, não está em lugar nenhum. Como se estivéssemos num tempo em que é possível se medir a própria temporalidade histórica perguntando à moda: “Que horas são?”. No entanto, há um impasse, ela nunca se fixa.
Daí, que Walter Benjamin vai compará-la, nas Passagens com a morte. Por quê? Justamente por ser, a Moda, o instante do indizível (ela é, já não sendo mais), como apreendê-la fenomenologicamente, e principalmente, teoricamente, sendo que ela é aquilo que nos “assalta de surpresa”, levando-nos a não reconhecer a sua face, a sua “essência”?
Neste sentido, não de maneira que feche – mas que abra a questão – ousaria responder que a Moda, a partir do ponto de vista da Filosofia, é um fenômeno que possibilita a percepção e o incessante perguntar por um enigma: como entender o Tempo em nossa época? É essa perspectiva – da relação da narrativa com o Tempo na Moda – que, a meu ver, está ausente dos estudos da Moda atualmente, e que redimensionaria o olhar para o processo criativo, e um entendimento da subjetividade contemporânea.
3- A Moda, o arqueólogo e o cartográfico
Denise Pitta: Você se vê como um arqueólogo da Moda? O que busca com este olhar?
Brunno Almeida: Os conceitos de arqueólogo e de cartógrafo encontram-se no livro de análise da obra e da contribuição filosófica de Michel Foucault, feita por Gilles Deleuze. Em minha pesquisa, realizei livremente e com a contribuição de um ensaio da pesquisadora Ludmila Brandão, a transposição dos dois conceitos para a esfera do processo de criação, especificamente em Moda, relacionando-os com a maneira como Benjamin concebe a história, nas famosas teses sobre o conceito de história.
Especificamente na tese de número XIV, o filósofo se utiliza da dialética da Moda, a repetição e a diferença, como alusão ao movimento da história. A tarefa revolucionária na história, segundo o autor, é citar o passado dos vencidos, para que esse passado, ao ser rememorado, não se repita, e se cumpram as promessas de felicidades dos nossos antepassados que não foram cumpridas.
Este voltar ao passado, ou citá-lo na ordem do dia, que Benjamin denomina “salto de tigre”, é próprio da Moda, ao citar como inspiração ou releitura uma época anterior. Na pesquisa, esse olhar ao passado, atualizando-o no presente, é aquilo que denomino, a partir de Deleuze, de “arqueologia” no processo de criação.
Trata-se de perguntar: quando temos uma citação ao passado, que não é o retorno da repetição (a novidade), mas a atualização do passado, a partir das urgências do presente, ou seja, o retorno como diferença, portanto, o surgimento do novo, como ruptura?
O cartógrafo, por seu turno, é aquele que sai às ruas, para ouvir os sinais do tempo histórico, aquilo que em Moda chamamos “tendências”, acontece que como o próprio nome indica, a tendência é uma possibilidade entre um número infinito de possíveis, pois, por definição, o futuro é o espaço da utopia, como algo indeterminado, algo a ser “inventado”, criado.
Os dois conceitos, o cartográfico e o arqueológico, não são tomados gratuitamente da filosofia foucaultiana-deleuziana sem a mínima responsabilidade histórica. O que quero dizer é que, ao longo da história recente da Moda, podemos identificar esse movimento nos processos criativos e nas coleções de grandes costureiros e estilistas.
Por exemplo, na coleção Modrian de 1966 de Yves Saint Laurent, temos um olhar retrospecto para o artista neoplástico, e a atualização do passado, escutando as urgências do futuro, e atualizando o presente. Sabemos que a coleção foi uma resposta de YSL à “tríplice aliança futurista”, Paco Rabanne, Pierre Cardin e André Courrèges. Ainda, que o vestido Mondrian foi um dos mais copiados do ocidente, e que, com ele, o costureiro francês colocou a sua Maison em consonância com o espírito da época: a Moda Aberta, que é caracterizada pela criação do estilo pelo indivíduo, a ascensão do prêt-à-porter, e, mais importante, a moda vinda das ruas.
Pasmem: o vestido não somente foi copiado exaustivamente, como fez com que o “príncipe da costura”, conquistasse, de vez, as ruas, e lançasse uma atenção para a recém-inaugurada boutique YSL Rive Gauche. Dois anos depois, os franceses, após um período de “ressaca”, retornaram às ruas em manifestações políticas, que ficaram conhecidas como o Maio de 1968.
Coleção Modrian de 1966 de Yves Saint Laurent
Composição II em Vermelho, Azul e Amarelo, pintura a óleo sobre tela realizada pelo artista holandês Piet Mondrian em 1930
No ano de 2007, pensando nos jovens árabes das periferias parisienses, Nicolas Ghesquière colocou nas passarelas da Balenciaga os famosos kufyias, lenços árabes. Pouco tempo depois, a questão da xenofobia europeia – que existe desde o século XIX – ficou latente, e a Primavera Árabe, um pouco mais adiante, 2011, explodiu com toda a força.
O que interessa neste caso é pensar duas relações: a da construção do imaginário e o processo de subjetivação, e tentar entender a força de espírito de tempo (Zeitgeist) da Moda, conforme Walter Benjamin aponta nas Passagens: “É consenso que a arte, muitas vezes, geralmente por meio de imagens, antecipa em anos a realidade perceptível. (…) E, entretanto, a moda está em contanto muito mais constante, muito mais preciso, com as coisas vindouras, graças ao faro incomparável que o coletivo feminino possui para o que nos reserva o futuro.
Cada estação da moda traz em suas mais novas criações alguns sinais secretos das coisas vindouras. Quem os soubesse ler, saberia antecipadamente não só quais seriam as novas tendências da arte, mas também a respeito de novas legislações, guerras e revoluções. – Aqui, sem dúvida, reside o maior encanto da moda, mas também a dificuldade de torná-lo frutífero”.
Se a Moda diz respeito a esse processo de criação mencionado acima, e se a Filosofia, desde Kant e do Iluminismo, tem por tarefa exercitar a “ontologia do presente”, ou seja, analisar a realidade social naquilo que chamamos atualidade, e se ambas, Moda e Filosofia, necessitam, aos seus modos, o olhar para o passado, para a tradição, então, posso arriscar dizer que estou inserido naquilo que Deleuze denominou como o “cartógrafo” e o “arqueólogo”.
A arte e a moda podem antecipar anos da realidade perceptível, como neste exemplo em 2007, quando pensando nos jovens árabes das periferias parisienses, Nicolas Ghesquière colocou nas passarelas da Balenciaga os famosos kufyias, lenços árabes. Pouco tempo depois, a questão da xenofobia europeia – que existe desde o século XIX – ficou latente, e a Primavera Árabe, um pouco mais adiante, 2011, explodiu com toda a força.
4 – Considerações Práticas
Denise Pitta: Quem deveria fazer o seu curso? Para quais profissionais o curso agregará diferenciais?
Brunno Almeida: Na nossa época é corrente a ideia de que o negócio de moda, o processo criativo e a reflexão crítico-criativa são incompatíveis. E não são! Carecemos, em certa medida, da formação do espírito crítico, principalmente no estágio atual da Moda, com discussões sobre a questão do corpo, dos gêneros, das identidades nômades, do empoderamento, do feminismo.
E fica constrangedor falar também de sustentabilidade sem passar por estes pontos. Eu ainda sonho com o dia em que as faculdades de Moda terão como disciplina obrigatória algo como “Pensamento de Moda”, que vai ser uma junção de filosofia, sociologia, história, antropologia, poesia, literatura, música, cinema, dramaturgia. Uma grande festa do pensamento!
Vejam, por exemplo, a grade curricular de formação em Moda da Escola da Antuérpia; os estudantes tem um ano inteiro de Filosofia de Moda e Literatura Mundial. Os educadores entenderam que a técnica, pensada como tecnologia, nasce obsoleta, o profissional precisa se atualizar constantemente, e que nenhum criador se torna autor sem a ampliação do repertório e do pensamento crítico!
É muito importante que a FAAP, por exemplo, aposta, desde os anos 90, em formações neste modelo. Nesse sentido, o curso é aberto a todos os estudantes, pesquisadores, profissionais da moda, da filosofia, da arte, que desejam ampliar o campo de percepção, redirecionar o olhar para as coisas do cotidiano. Não é a criação, seja ela na Moda, na arte, na literatura e na poesia, a mudança do olhar condicionado – cotidiano – que retira o véu do que está banalizado?
Saiba mais sobre o curso: Moda, Arte e Filosofia – Curso traz relações e diálogos para criação
Escritor e pesquisador em filosofia, Brunno Almeida Maia, realiza curso na FAAP, com base em metodologias arqueológicas e cartográficas. As inscrições estão abertas para curso que será realizado 21 de março a 4 de abril/2017
A Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) realiza o curso “Moda, Arte e Filosofia”, que propõe uma leitura do momento atual, a partir da relação entre Moda, Arte e Filosofia, apoiando-se nas metodologias arqueológicas e cartográficas. O curso será apresentado pelo pesquisador em filosofia, Brunno Almeida Maia, entre os dias 21 de março a 04 de abril.
“O arqueólogo é aquele que procura o que não somos mais, em termos de cultura, economia, política, arte e pensamento. O cartógrafo, por seu turno, é aquele que, ouvindo os sinais das ruas, percebe e antecipa o que está em vias de se produzir numa sociedade e numa determinada época”, argumenta Almeida Maia, que desenvolve pesquisa sobre o diálogo entre Literatura e Moda desde o ano de 2012.
Num trabalho de abertura do pensamento – por meio da filosofia, a história da arte, da fotografia, do cinema e da literatura – o principal objetivo do curso é transformar o olhar – muitas vezes intuitivo e sem apuro metodológico – para a relação entre a Moda e a História, entendendo o passado como uma potência para a prospecção – futuro – na criação. Neste sentido, cada aula terá um tema, como a Moda e a Arte, a Moda e o Corpo, a Moda e a História, a Moda e a Narrativa, a Moda e a Imagem e a Moda e a Memória, que pretende instigar nos estudantes a observação que o ato de vestir-se vai além de mera estética, e engloba questões mais profundas sobre o contemporâneo, o nosso tempo e a nossa cultura.
Olhar intuitivo
Autor dos livros “O Teatro de Brunno Almeida Maia” (Ed. Giostri, 2014), “Moda Vestimenta Corpo” (Ed. Estação das Letras e Cores, 2015), e “São Paulo em Palavras” (Ed. Aquarela Brasileira, 2017), o filósofo pretende destacar a nova fase do projeto de pesquisa, a partir da costura de diversos autores – entre os quais Walter Benjamin, Guy Debord, Gilles Lipovetsky, Roland Barthes, Friedrich Nietzsche, Charles Baudelaire, Giorgio Agamben, Hannah Arendt, Gilles Deleuze, Judith Butler, Simone de Beauvoir, Donna Haraway, Michel Foucault, Jacques Rancière, Richard Sennet, Virginia Woolf, Marcel Proust. Além disso, estuda os movimentos políticos, artísticos e culturais como o Surrealismo, o Maio de 1968, os estilistas belgas do The Antwerp Six (Escola da Antuérpia), os costureiros japoneses – Rei Kawakubo, Yohji Yamamoto, Issey Miyake – a Queda do Muro de Berlim, e a questão dos gêneros e sexualidades no contemporâneo.
Segundo Brunno Almeida Maia, desde 2012, sua pesquisa investiga a questão da narrativa, tanto presente nas obras de ficção, como numa criação de Moda. “A escolha de um possível diálogo entre Moda, Arte e Filosofia, por meio da história, consiste neste desejo em decifrar as constelações que conjugam uma atitude visionária, e a capacidade que temos em decifrar os sinais de mudanças históricos, pensando o processo de criação”.
Sobre a Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP
A FAAP, que em 2017 completa 70 anos, oferece educação de qualidade, formando cidadãos conscientes e profissionais empreendedores para ocupar posições de liderança em seus respectivos mercados de trabalho. No total são seis faculdades (Artes Plásticas, Comunicação e Marketing, Administração, Direito, Economia e Engenharia) com 18 cursos de graduação, além de colégio e pós-graduação. Há sete décadas, a FAAP conserva o espírito vanguardista, consolidando-se como um importante polo de educação global, que integra arte, cultura, excelência de ensino e tecnologia.
Na área de moda contemporânea, a FAAP é um polo de ensino e de difusão. A bem-sucedida história da instituição com esse setor, desde a criação do primeiro curso livre de modelagem nos anos 1980, resulta em cursos de graduação, pós-graduação, extensão e cursos livres. Palco de grandes desfiles e de eventos internacionais, a Fundação também criou um concurso exclusivo, o FAAP Moda, hoje em sua 13ª edição, que já faz parte do calendário fashion da cidade de São Paulo.
Sobre o pesquisador Brunno Almeida Maia
Desde 2012, ministra aulas sobre a relação entre a literatura e a moda, a partir do ponto de vista da Filosofia, ao lado do estilista brasileiro Walter Rodrigues nas Oficinas Culturais Oswald de Andrade, e, atualmente, ao lado do chapeleiro Eduardo Laurino (FASM – Faculdade Santa Marcelina), na Escola São Paulo, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, na Oficina Casa da Palavra Mário de Andrade, na Oficina Cultural Hilda Hilst, na cidade de Campinas, na Casa da Palavra Mário Quintana, em Santo André (SP), na Galeria AMDO, em Belo Horizonte (MG), no Sesc Consolação, no CPF – Centro de Pesquisa e Formação Sesc SP, no Projeto “Pano pra Manga”, do Sesc Pompéia, no projeto #ForadaModa, com co-curadoria de Fause Haten, no Sesc Ipiranga, nas Fábricas de Cultura e na Biblioteca Mário de Andrade.
“O Teatro de Brunno Almeida Maia” (Editora Giostri, 2014) é o seu primeiro livro publicado. Integra a equipe de pesquisadores do volume sobre “Moda Vestimenta Corpo” (2015) da coletânea “Moda Brasileira”, da Editora Estação Letras & Cores, assinando um capítulo de análise sobre a relação da literatura e a moda no romance “Lucíola” (1862) de José de Alencar. Participa, também, da coletânea “São Paulo em Palavras”, da Editora Aquarela Brasileira (2017).
SERVIÇO:
Moda, Arte e Filosofia da FAAP
Data: 21 de março a 4 de abril/2017
Horário: 19h às 22h (terças e quintas-feiras)
Local: FAAP
Endereço: Rua Alagoas, 903 – Higienópolis
Informações: (11) 3662-7449
Site: www.faap.br/pos
Veja também: Entenda a ideologia por trás da moda.
http://www.fashionbubbles.com/biblioteca/moda-e-filosofia-4-grandes...