Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Depois que grande empresas passaram a compartilhar sua lista de fornecedores, exploramos qual é o próximo passo da indústria para uma produção mais justa.

Empresas de moda grandes e pequenas, locais ou globais, muitas vezes dependem de fornecedores para criarem seus produtos, mas é comum comprarmos uma peça pronta sem pensar na cadeia produtiva por trás dela. O design acontece em uma parte do mundo, a produção do algodão em outra, a do tecido em em um país distante e a montagem final da peça é realizada em um lugar completamente diferente. Isso se chama ramificação da cadeia de moda — e o que geralmente define as localizações é o preço da produção, que para ser barateado acaba colocando às custas a vida e as condições de trabalho de milhões de pessoas ao redor do globo.

A queda do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, em 2013, e a consequente morte de diversos funcionários que trabalhavam em condições precárias na fábrica de roupas escancarou para a moda a necessidade de repensar esse sistema que para muita gente ocorria de forma invisível. Com o advento da internet, os consumidores logo descobriram que empresas como Benetton, Mango, Primark e Walmart compravam desse fornecedor, e sugeriram desde boicotes a pedidos de mais transparência por parte das empresas.

Desde então, o mercado evoluiu nesse sentido. Mas no lugar de transparência, a palavra para o futuro da moda (no momento) é rastreabilidade — já que a liberação da lista de fornecedores não é garantia de que a empresa saiba de tudo que acontece lá dentro. “A cadeia de fornecimento da moda é bastante complexa e ramificada e por isso difícil de ser rastreada do começo ao fim. Então, as empresas que não investem em sistemas de rastreabilidade eficientes acabam não dando muito espaço ou a devida importância para esse assunto”, conta Eloisa Artuso. Ela é a coordenadora da área de educação do Fashion Revolution, órgão que pede por mudanças na moda e que surgiu depois da queda do Rana Plaza.

Fornecedores x Empresas: onde estamos agora?

Neste mês, a C&A realizou um marco para a moda varejista brasileira e tornou pública sua lista mundial de fornecedores. Foi a primeira empresa do ramo em território nacional a realizar o feito.

Ciente de que divulgar apenas o nome social dos fornecedores não garante a total transparência de seu processo produtivo, o endereço, o número de trabalhadores e a categoria de atuação de cada fornecedor também aparecem na lista, o que facilita a rastreabilidade. Paulo Correa, presidente da C&A no Brasil conta exclusivamente para o site da ELLE quais foram as demandas para essa decisão: “os consumidores querem se relacionar com marcas que expressem propósitos comuns e que estejam comprometidas com um negócio que respeite as pessoas e o planeta. Achamos importante que nossos clientes saibam onde os nossos produtos são feitos.”

De acordo com relatórios da empresa, já faz 20 anos que ela estabeleceu um código de conduta para seus fornecedores e há 10 anos monitora seus parceiros no Brasil. “No Brasil, temos um grupo de auditores, que visitam toda a rede de fornecimento (tanto diretos quanto seus subcontratados), visando garantir que o código de conduta esteja sendo cumprido em todas as etapas da confecção de uma peça”, conta o presidente da marca.

“As auditorias verificam uma lista com mais de 110 itens relativos à saúde e à segurança dos trabalhadores, pagamento de salários e jornada de trabalho de acordo com a legislação trabalhista ou convenção coletiva, bem como a não-existência de trabalho infantil ou análogo ao escravo, liberdade de associação, não discriminação e não existência de situações de abuso ou assédio no local de trabalho”, afirma Paulo. As iniciativas da marca estão organizadas em uma plataforma global de sustentabilidade, com desafios e metas a serem atingidos até 2020.

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Colapso do Rana Plaza em 2013, em Bangladesh (Wikimedia Commons/Reprodução)

Em abril deste ano, o Fashion Revolution lançou o estudo Fashion Transparency Index, que analisa 100 marcas mundiais de acordo com sua transparência e rastreabilidade em relação às suas práticas e impactos sociais e ambientais. Foram 250 pontos analisados, e a média de pontuação positiva das empresas é de apenas 49. A Adidas e a Reebok atingiram os maiores níveis, com 121.5 pontos. Três marcas marcaram zero pontos, o que significa que elas não exibem nenhuma parte de seu processo produtivo: Dior, Heilan Home e s.Oliver.

Em comparação a 2016, no entanto, o estudo exibe que houve crescimento na transparência das marcas. Não é a toa que um estudo recente mostra que a Zara e a H&M têm perdido publico devido à busca dos consumidores por produtos que tenham mais consciência ética e ambiental.

“Existiam muitas situações em que nossos pesquisadores percorriam mais de 300 páginas de reports anuais para encontrar apenas algumas frases que falavam de transparência. Há mais espaço para os valores das marcas do que suas ações e resultados. Não é à toa que os consumidores mais conscientes ficam confusos. A informação que você busca normalmente está a muitos cliques além dos sites oficiais”, descreve o report de 2017.

Neste ano, de acordo com a análise, 32 marcas liberaram sua lista de fornecedores, 14 exibem os lugares que montam suas peças, mas nenhuma rastreia quem são os fornecedores de suas matérias-primas. Ou seja, por enquanto, a condição dos trabalhadores que produzem algodão, couro e outras fibras ainda é uma incógnita.

Além disso, apenas 20 das marcas listadas exibem quais são os direitos que oferecem para mulheres grávidas e com filhos, e, por fim, apenas 40 falam sobre trabalho infantil, uma das maiores problemáticas da cadeia de moda, muito antes da era da internet.

Por que ainda estamos assim?

“A principal dificuldade ainda é a própria conscientização das empresas”, conta Carlos Barros, um dos desenvolvedores do app Moda Livre, que colabora com o monitoramento da cadeia de moda. “Muitos negócios ainda acham que esses dados são segredos industriais, diferencial de negócio, e não um compromisso ético com a sociedade e clientes“.

O aplicativo surgiu em 2013 com dados extraídos de relatórios do ministério público brasileiro do trabalho, e traduz essas informações para os consumidores com dados de cada marca. De acordo com Carlos, o trabalho é de fato investigativo: é preciso avaliar o histórico das empresas para descobrir se elas não estavam envolvidas anteriormente com nenhum tipo de trabalho análogo ao escravo, já que muitas vezes esses processos passavam despercebidos pela mídia. “Existem empresas muito resistentes que inclusive ameaçam processar porque acham que estamos comunicando dados de foro íntimo”, descreve ele.

Quando a busca é sobre informações de fornecedores, os resultados são ainda mais difíceis: “São raríssimas as empresas que disponibilizam esses dados de terceiros. Se isso fosse uma realidade mais consistente, se existissem mais empresas que fizessem isso, o aplicativo iria mais a fundo.” A cada seis meses o app é atualizado, e pode ser baixado gratuitamente através das lojas de aplicativo.

O que podemos fazer?

O Moda Livre e o Fashion Transparency Index fazem parte das iniciativas que tentam facilitar o acesso dos consumidores a essas informações essenciais e também, direta e indiretamente, pressionar todo o mercado para a busca de mudanças concretas. “O intuito do Fashion Transparency Index é analisar não só a conduta das marcas, mas o quanto dessas informações está disponível online para seus consumidores”, destaca Eloisa. “Afinal, mais importante do que liberar essas informações é garantir que seus consumidores saibam de onde estão comprando”.

Todos os entrevistados da reportagem citaram, separadamente, a importância do trabalho em conjunto para a situação atual mude. “Nenhum aplicativo ou serviço dá conta de exibir todas as informações de todas as empresas”, aponta Carlos. As empresas e os consumidores também não conseguem investigar sozinhos: é preciso um esforço conjunto entre as esferas com inclusão do poder público.

Por parte das empresas, elas devem aproximar suas relações não apenas com os fornecedores, mas com os governos dos países nos quais estão esses terceiros, como Índia e Bangladesh. Isso permite o fortalecimento de sindicatos que pressionam as empresas internamente por melhorias. Em casos de descobertas de problemas, é preciso “cortar os fornecedores, reparar os danos e honrar as verbas trabalhistas. A empresa tem que ter a consciência de que é responsável sim pela cadeia produtiva, então se o fornecedor comete irregularidade, tem que se responsabilizar por ela”, afirma Carlos Barros.

“Os consumidores, por sua vez, são responsáveis por suas escolhas de compra, por procurar saber mais sobre as marcas que consomem e questionar a origem de seus produtos. Isso faz parte de um processo de compra consciente”, destaca Eloisa Artuso. “Comprar local e de quem faz, por exemplo, já pode ser um começo. Como consumidores, precisamos começar a cobrar um diálogo mais aberto e procurar estreitar nossas relações com as marcas que consumimos.”

E para onde vamos?

Os resultados podem ser melhores do que imaginamos, não apenas para toda a cadeia da moda, mas para o mundo e o meio ambiente: “Quando o consumidor fica sabendo quem fez sua roupa, ele se conecta mais com o produto, criando laços afetivos que fazem com que ele cuide mais da peça, e assim ela dura mais, evitando o descarte prematuro e exagerado“, afirma Marina de Luca, coordenadora de comunicação do Fashion Revolution e idealizadora da lista de fornecedores Moda Limpa, que visa criar conexões entre fornecedores com boas práticas e o mercado.

Por lá, as marcas podem compartilhar seus fornecedores confiáveis de maneira direta. “Uma das cadastrados do site é uma cooperativa de costura baseada em economia solidária, a Pano Pra Manga, que foi inserida pela marca Jouer Couture. Após o cadastro no site, elas receberam um número considerável de contatos de novos clientes, e já fecharam alguns pedidos novos. Ou seja, estamos dando força para pequenos e, ao mesmo tempo, distribuindo melhor produções e valores”, afirma Marina.

De acordo com ela, a resistência das marcas em compartilhar a origiem seus insumos pode acabar: “Entendemos que isso é herança da cultura em que aprendemos a trabalhar, da competição e individualidade. Mas acreditamos muito que a existência do Moda Limpa pode ajudar a mudar esse pensamento e unir mais a cadeia produtiva da moda.”

Por fim, por que não aproximar literalmente produtores, empresas e consumidores? “É mais legal quando as empresas, além de passar o telefone e endereço, disponibilizam fotos, nomes, e a história das pessoas. Por exemplo a marca Euzaria, de Salvador, que vende mochilas. Nas tags, há a foto e o nome de quem costurou. Ou a marca Catarina Mina, que divide a responsabilidade de desenvolvimento, produção e venda com toda a equipe (costura e crocheteiras, marketing e os vendedores), e, assim, toda a equipe abraça o projeto e se sente parte de um time só. Isso é muito importante na relação com fornecedores.”

Reconhecer os fornecedores é reconhecer a humanidade na moda: “isso tudo nos ajuda a lembrar que a roupa não nasceu da prateleira, e sim passou por várias mãos humanas até chegar à loja”, finaliza Marina.

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