Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Moda: linguagens não verbais nas roupas e complementos reais

Um brevíssimo relato da moda de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II do Reino Unido, que deixou um legado incomparável na historiografia britânica.

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Foto: GETTYIMAGES/MAX MUMBY/INDGO

As mulheres no trono britânico costumam ter reinados bem mais longos do que os dos monarcas masculinos. A Rainha Elizabeth I da Inglaterra e Irlanda (1533-1603) reinou por quase 45 anos (de 1558 a 1603); a Rainha Victoria do Reino Unido e Irlanda e Imperatriz da Índia (1819-1901) sustentou a coroa por quase 64 anos (de 1837 a 1901). Porém o mais longo de todos os reinados britânicos coube à Rainha Elizabeth II do Reino Unido (1926-2022), ultrapassando os 70 anos de cetro e coroa (de 6 de fevereiro de 1952 a 8 de setembro de 2022).

Mesmo tendo um trono septuagenário, não se fala de uma “Segunda Era Elizabetana”, como se falou “Era Elizabetana” para o período de Elizabeth I; e “Era Vitoriana” para o intervalo de tempo de Alexandrina Victoria Regina Saxe-Coburgo-Gota, tendo esta deixado também o “Estilo Vitoriano”, a “Decoração Vitoriana” e a “Moda Vitoriana”. Todavia, Elizabeth II deixou marcas indeléveis em diversos momentos e setores, sobretudo em comportamento, observância dos costumes, manutenção das tradições, postura e, também, na moda.

Sua Majestade a Rainha Elizabeth II subiu ao trono em 6 de fevereiro de 1952, mas sua coroação só se deu em 2 de junho de 1953, um pouco mais de um ano após seu entronamento. Por ser um grande festejo de nacionalismo, é costume decorrer um tempo para a coroação do novo monarca pela ainda guarda do luto devido ao falecimento do monarca anterior, no caso, seu pai, o Rei George VI do Reino Unido (1895-1952). Tradição, regras protocolares, elegância e beleza são características indispensáveis aos eventos que envolvem a monarquia britânica. É uma maneira de se projetar e se impor ao mundo; ganhar visibilidade e despertar curiosidade; valorizar o nacionalismo para os nativos e divulgar os valores nacionais para os outros povos, dando-nos a ideia de continuidade de um passado glorioso, justificando, assim, a permanência das práticas rituais.

No que tange à indumentária e moda, sabemos que a maneira como as pessoas se vestem é uma forma de linguagem não verbal de comunicação. E quando se trata especialmente da realeza, inúmeros códigos nos são transmitidos por intermédio das roupas e seus complementos. A “coroa” é um ornamento em formato circular, para ser colocada sobre a cabeça, dando maior visibilidade, prestígio e dignidade a quem a usa. É um objeto que representa soberania e nobreza, além de ser um distintivo de vitória. O “cetro” é um bastão de comando simbolizando as forças divinas e atributo dos deuses, portanto, é próprio de uma autoridade real. O “orbi” (globo, esfera) é insígnia do exercício real e, consequentemente, é próprio do soberano. Com relação ao manto, este é uma capa que pode ser símbolo de proteção, como normalmente o é associado à religiosidade, ou mesmo proteção contra as intempéries, mas também é indício de dignidade superior estabelecendo uma nítida separação entre a pessoa que o usa e o mundo exterior. Nas casas reais europeias, é tradição de longa data (desde a Baixa Idade Média) usar o manto de arminho (ou hermínia, ou doninha). Trata-se de um pequeno animal carnívoro de pelo bege ou acinzentado e que no inverno fica todo branco com a pontinha do rabo preta. Portanto, o “arminho régio” é símbolo de pureza, inocência e incorruptibilidade. É usado em mantos reais como indício de alto grau de dignidade monárquica. Ao falar das luvas, muito usadas por Sua Majestade, estas são a vestimenta para as mãos. Além de protegê-las, trazem em si a simbologia de pureza e da dignidade e também do direito e da soberania, neste caso caracterizada como sinal de posição social. O ato de tirar as luvas das mãos diante de uma determinada pessoa significa reconhecer-lhe grau de superioridade. Portanto toda pessoa que estivesse usando luvas e que fosse cumprimentar a Rainha Elizabeth II tinha que descalçar as luvas para cumprimentá-la, de acordo com as tradições e regras protocolares. A Rainha mantinha-se com as mãos calçadas.

As joias da coroa inglesa são um caso à parte de indiscutível beleza e emblema de poder e luxo. Coroas, tiaras, colares, pulseiras, anéis, brincos, todas monumentais em seus designs e de valores altíssimos devido à nobreza dos materiais. Todavia, a joia preferida da Rainha era o broche. Sempre usava um deles à altura do colo no lado esquerdo. Com relação às pedras preciosas, vê-se no cetro e na coroa britânica os diamantes Cullinan I e Cullinan II. O diamante Cullinan foi descoberto em 26 de janeiro de 1905, na África do Sul. Foi assim denominado em homenagem ao dono da mina, Thomas Cullinan. É o maior dia- mante encontrado até hoje, pesando 3.106 quilates, ou seja, mais de 600 gramas. A pedra foi adquirida pelo governo do Transvaal (região a nordeste da África do Sul) em 1907, e doada de presente ao então monarca britânico, o Rei Eduardo VII (1841-1910), filho mais velho e sucessor da Rainha Victoria. A lapidação deste magnífico diamante foi feita em Amsterdam (Holanda), sendo então dividido em 9 grandes gemas (Cullinan I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX) e 96 gemas menores. Das 9 grandes gemas lapidadas, todas pertencentes à Coroa Britânica, a maior delas é o Cullinan I (ou Grande Estrela da África) com 530,2 quilates (106,04 gramas) e se encontra no cetro da realeza britânica; e a segunda maior gema, o Cullinan II (ou Pequena Estrela da África) possui 317,4 quilates (63,48 gramas) e foi colocado na coroa dos mesmos monarcas. Ambas as gemas, em seus respectivos atributos reais, ficam expostos na Torre de Londres, fazendo parte da grande coleção de joias da Coroa Britânica.

No que tange às questões mais relacionadas à moda, começo citando o nome de Norman Hartnell (1901-1979), que foi nomeado como costureiro oficial da família real britânica em 1938, ainda ao tempo do Rei George VI (1895-1952), pai da Rainha Elizabeth II. Com relação à monarca recém-falecida, foi ele quem desenhou o seu vestido de casamento em 1947 (ainda princesa) com o Príncipe Philip, Duque de Edimburgo (1921- 2021); assim como o seu traje de coroação, no ano de 1953. Ambos brancos, passando-nos ideia de pureza, iluminação, castidade, paz e outras premissas assim expressas pela sensação desta cor. Hartnell era conhecido por seu talento em vestidos bem aprimorados e de complexa elaboração. Um costureiro clássico que soube se adaptar ao gosto dos tempos supracitados, sem se deixar influenciar por maiores modismos.

Ao longo de sua vida pública, a Rainha Elizabeth II sempre se vestiu de maneira muito clássica, apropriada para uma monarca, adaptando-se ao gosto específico de cada Zeitgeist. Foi de um passado relativamente próximo para cá, já quando de idade mais avançada, que Sua Majestade passou a usar roupas coloridas e monocromáticas em tons significativamente fortes e vibrantes, no intuito de ficar mais facilmente visível para os seguranças reais e para que fosse, também, mais e melhor vista por todos nas suas aparições públicas. Mesmo com esta realidade mais contemporânea, os seus trajes de gala sempre foram, igualmente, mais vistosos. Apesar de suas roupas muito coloridas, que lhe favoreceu a carinhosa alcunha de “The Rainbow Queen” (“A Rainha Arco-íris”), sabe-se que o azul sempre foi a cor preferida da monarquia britânica, pois nos são passadas as simbologias e mensagens de espiritualidade, fé, discrição, harmonia, tranquilidade, paz, calma, neutralidade, serenidade, produtividade, sucesso, segurança, confiança, sabedoria, inteligência, poder e outras premissas de caráter positivo assim associadas e transmitidas visualmente pela sensação cromática do azul.

Seus chapéus, sempre combinando com suas respectivas roupas, também foram uma marca registrada da monarca. Sendo uma peça de indumentária e moda nos traz mensagens associadas ao pudor, pois esconde os cabelos; à proteção, pois resguarda a cabeça contra as intempéries; e, também, aos aspectos de adorno, pois enfeita e complementa como sendo ornamento da própria roupa – sempre esteve presente nas toilettes de Sua Majestade. Neste acessório vemos uma referência muito curiosa, ou seja, muito comum nos chapéus femininos da realeza britânica, especialmente os das rainhas: o uso de plumas, penugens ou penas de aspecto leve e suave, dando-nos a impressão de halos de luz emanados pela cabeça, favorecendo a aparência de uma auréola à usuária; lembrando que a(o) monarca britânica(o) também é a(o) líder espiritual da Igreja Anglicana e, portanto, como linguagem subliminar, faz lembrar as imagens de santas e santos aureoladas(os). No que diz respeito às bolsas, peças associadas à feminilidade, também sempre estiveram presentes no visual da Rainha. Consta que Sua Majestade tinha mais de 200 bolsas da marca Launer London sendo o seu modelo preferido a “Traviata Bag” de cor preta, de alça relativamente curta, segurada na mão ou apoiada sobre o braço. Os seus sapatos mais usados, especialmente depois da idade avançada, eram de modelo clássico, pretos e de saltos mais baixos e grossos. Muito é comentado que uma funcionária real, calçando o mesmo número de Sua Majestade, usava-os antes para amaciá-los, para somente depois passar para os pés da Rainha. Essa prática de um serviçal usar algo antes do proprietário definitivo é uma referência especialmente de tradição inglesa, vinda do princípio do século 19, quando Robinson, mordomo de George Bryan Brummell (mesmo não sendo da nobreza e quem fundamentou o conceito do dandismo), usava as novas roupas do seu patrão para tirar-lhes o viço do novo e parecer que a pessoa já tivesse roupas de boa qualidade há longa data. Tornou-se uma referência, mesmo a Rainha não precisando demonstrar tal fato. Entende-se, então, a razão pela qual roupas “second hand” fazem sucesso na Inglaterra.

por João Braga

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