Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Os últimos dias tem sido bem sartoriais, eu diria. Não só pela semana de moda de São Paulo - que já parece ter sido há meses, não? - mas, especialmente, por algumas falas que eu achei inspiradoras e desafiadoras pra área. Que área? A da moda.

A moda é um espaço, um segmento cheio de contradições e belezas que, como quase tudo na vida, desperta sensações também contraditórias. Um lado desse segmento que me deixa bem contente é quando o mercado assimila iniciativas sustentáveis. Durante a última São Paulo Fashion Week, Stella McCartney esteve em São Paulo pro lançamento da sua segunda coleção para a C&A Brasil. Eu já escrevi alguns textos sobre o trabalho de Stella, sobre como ela amarra de forma impecável a filosofia sob a qual cresceu ao seu jeito de criar suas peças, seu trabalho. Além de não usar nada de origem animal (leia-se couro e peles, por exemplo), Stella trabalha em parceria com empresas no desenvolvimento de novas tecnologias de reciclagem, que façam da matéria prima das suas obras cada vez mais sofisticada e sustentável. Isso é, por si só, fascinante! Porém, Stella atua no mercado 'de luxo', ou seja, ter acesso a suas peças não é tão viável assim pra grande maioria das pessoas.

Por outro lado, vemos ela assinar pela segunda vez uma coleção com a C&A, uma grande 'fast fashion', um conceito de produção que vai de encontro a tudo que sua marca pessoal carrega. Depois de ver algumas entrevistas da designer sobre sua coleção, de ler muito (MUITO) sobre a repercussão e de ver que a C&A só nesse final de semestre já lançou 3 parcerias com outros designers fiquei meio de queixo caído... Uma amiga, fotógrafa da área, me contou outro dia que o mercado está cada vez mais voraz, o que, no caso do Brasil, a gente pode explicar pelo fator econômico (sendo muito genérica, ok?) já que hoje se consegue consumir bem mais do que alguns anos atrás. A H&M, uma gigante sueca também 'fast fashion', faz coisas semelhantes, mas normalmente mantém uma parceria por ano, a ultima foi com Alexander Wang.

Porque falei disso tudo aí? Muito se fala sobre a sensação de 'descarte' que as peças de 'fast fashion' transmitem, muitas vezes literalmente. E isso você pode ver até em comentários deixados em blogs de moda e paginas na internet. Há sete anos, quando visitei a Primark (uma marca inglesa famosa pelos preços assustadoramente baixos) pela primeira vez eu comprei uma camiseta que, eu juro, até hoje está usável. Hoje já não dá pra dizer o mesmo. Um amigo alemão falou a mesma coisa sobre a H&M, as únicas camisas de lá que ele tem foram compradas há cinco anos. Ou seja, num espaço de tempo relativamente curto alguma coisa aconteceu. Quando vejo a Stella, ou a francesa Isabel Marant, que justificou assinar uma coleção pra H&M dizendo (entre outras coisas) que havia se cansado da 'pirataria' das suas peças e que achou ótima a ideia de produzir em larga escala (coisa que o mercado de luxo não faz) desenhando pra marcas de 'fast fashion' eu vejo uma enorme contradição. E fico meio confusa, especialmente com esse consumidor.

O mercado de luxo foi concebido como espaço reservado, tipo VIP mesmo, sabe? O que as 'fast fashion' fazem é trazer pro público de forma bem democrática (sejamos leves no conceito, ok?) o que ele normalmente não teria acesso - a sensação de alcançar a 'ideia' impressa na bolsa de luxo, mas por preços módicos. Sabemos muito bem que o produto final não é bem esse. Mas pra isso as 'fast fashion' demandam mão-de-obra subescrava (ou escrava) nos 'sweatshops' de Bangladesh, Vietnã ou na Etiópia. A roupa que desmancha com o passar do tempo, pra mim, é o retrato do valor que se dá às mãos que a produziram lá do outro lado do mundo. Digam o que quiserem, mas não justifiquem a escravização dessa mão-de-obra com a ideia de que sem isso essas pessoas não tem emprego. Uma jaqueta de trinta euros da H&M equivale ao salario mensal de um trabalhador de 'sweatshop' - esse termo, aliás, muito bem colocado.

Mas, então, o que a gente conclui disso tudo? Se por um lado a 'fast fashion' "democratiza" tendências, o que eu leio como "democratizar desejos", o preço barato que se paga de um lado custa muito caro do outro. Como equilibrar essas coisas todas numa balança mais justa? Talvez o texto tenha ficado superficial pra complexidade do assunto, mas vale jogar na mesa e ver no que dá.

http://www.brasilpost.com.br/gabriela-cavalheiro/moda-que-desmancha...

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