Algo de errado se passa na indústria da moda. Colocando o cenário de uma mulher e um homem, com um percurso idêntico – que se licenciam no mesmo curso, com médias iguais – à medida que vão subindo nos postos de trabalho, eventualmente, a mulher tem uma maior probabilidade de estagnar, enquanto o homem continua a subir de posto, noticia a Quartz. Como consequência, apesar de haver muitas mulheres em cargos de gestão no mundo moda, apenas 12,5% de empresas de vestuário da Fortune 1000 têm mulheres como CEOs, segundo o relatório “Unraveling the fabric ceiling”, realizado pela PwC. O valor é menor do que na indústria aeroespacial e militar, cuja liderança é 20% feminina e nos serviços financeiros, onde 18% das empresas têm mulheres como diretoras executivas.
A discrepância existe apesar do facto de as mulheres serem o principal público e o género que mais gasta dinheiro em moda. «As mulheres representam cerca de 80% de todas as decisões de compra relacionadas com moda, sendo que tomam decisões não apenas para elas mesmas, mas para um círculo mais vasto, de amigos e família, especialmente maridos e filhos», aponta a PwC. No entanto, entre as 61 empresas de womenswear presentes no Fortune 1000, 75% tinham maioritariamente uma equipa de administração masculina.
Os problemas
O relatório documenta várias barreiras estruturais que impedem as mulheres de chegarem a posições de topo, apesar de dados governamentais e da indústria mostrarem que quase 80% dos estudantes de moda são mulheres. Contudo, os dados mostram que há boas razões para colocar mulheres em posições de liderança. A PwC afirma que «entre empresas de vestuário no Fortune 1000 (incluindo retalhistas de vestuário), o lucro das empresas lideradas por mulheres é quase o dobro do das empresas que são lideradas por homens».
De acordo com a análise, embora as empresas estejam a gastar milhões de dólares em formação e a promover a igualdade de género, habitualmente, os CEOs não estabelecem compromissos concretos e as empresas não definem métricas através das quais se pode medir o sucesso. Fazer declarações de compromisso para com a igualdade de género é simpático, mas não muda os resultados.
Aliás, segundo o relatório, a conduta das empresas não está a resultar: apenas 25% das CEOs mulheres chegaram à posição subindo de posto na própria empresa, comparado com 54% dos CEOs homens. Na indústria do vestuário, há um maior número de homens em programas de formação para executivos do que mulheres, indica a PwC.
As mulheres podem sofrer de preconceitos inconscientes dentro das empresas. Os homens podem não reconhecer que as mulheres estão sub-representadas em posições de liderança, por exemplo, e as empresas no seu todo podem ignorar a necessidade de mudanças internas. O modo como as próprias mulheres agem também é um fator importante. Normalmente, as mulheres só concorrem a posições nas quais cumprem com 100% dos requisitos, enquanto os homens candidatam-se se cumprirem 60%, criando uma espécie de falsa confiança. Além disso, as mulheres são prejudicadas quando têm filhos: o seu salário e a evolução na carreira são afetados.
A PwC baseou a sua análise em entrevistas a atuais e antigos CEOs, conhecimento de especialistas acerca de diversidade e inclusão e uma grande variedade de dados. A consultora não é a primeira a revelar o reduzido número de mulheres que ocupa posições de liderança no mundo da moda. No ano passado, um estudo conduzido pela revista Glamour, em parceria com o Council of Fashion Designers of America e a McKinsey & Company concluiu igualmente que, na moda, as mulheres estagnam a meio da carreira.
As soluções
Há algumas medidas que as empresas podem levar a cabo para resolver estes problemas. Em primeiro lugar, a liderança precisa de fazer jus ao seu próprio nome. «Não há nada que contribua mais para a mudança do que um CEO comprometido», assegura a PwC. Uma administração que tenha um bom equilíbrio entre géneros pode também ajudar a fazer com que a igualdade de género seja uma prioridade na empresa.
De acordo com o relatório, é obrigatório que as empresas meçam o progresso. Objetivos vagos não serão tão eficazes como metas concretas, em todos os níveis. O relatório recomenda que os trabalhadores sejam valorizados por cumprirem objetivos e não sugere nenhuma penalização no sentido inverso.
Além disso, a PwC defende que haja formação para as equipas acerca de tendências sexistas para que as equipas as detetem. Além disso, as empresas devem rever a forma como contratam e promovem trabalhadores, assim como investigar qualquer tipo de anomalia que apareça. Se as mulheres saem da empresa com maior frequência do que os homens, ou não são promovidas com a mesma frequência, a empresa deve questionar porquê. Ferramentas como inquéritos e entrevistas com trabalhadores, incluindo aos que saem, pode ajudar.
Para os trabalhadores que têm família, as empresas podem tomar medidas para incentivar uma melhor conjugação da vida familiar e profissional, através de acordos de flexibilidade e políticas de atenção para com as famílias – para homens e mulheres. Quando os homens beneficiam de medidas como trabalhar em casa para tomar conta de crianças contraria-se o estigma contra mulheres que fazem o mesmo.
Acrescente-se que os trabalhadores têm o seu próprio papel. Os homens podem disponibilizar-se para compreenderem os seus próprios preconceitos. As mulheres podem ajudar-se umas às outras e lutarem pelas coisas que precisam. Estas ações não são apenas para as empresas considerarem quando tiverem tempo. São necessárias agora, conclui a PwC. As medidas podem ajudar a atrair e a manter talentos, fazendo das empresas mais lucráveis e inovadoras. Atualmente, espera-se que as empresas defendam um conjunto de valores. Esses valores começam por dentro.
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