Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Mulheres do Sul Global Constrói Narrativa de Empoderamento a Partir da Costura

Projeto carioca busca autonomia financeira e inserção social de mulheres refugiadas de países como Congo e Angola // Yara dos Santos

Quando lançamos um olhar sobre a vida das mulheres imigrantes e refugiadas no Brasil, nos deparamos com diversos cenários, porém e infelizmente, muitos deles marcados por desrespeito e exploração. Nas confecções de São Paulo, por exemplo, as mulheres ainda ocupam um lugar de invisibilidade dentro da cadeia produtiva de moda, como mostrou um especial do Modefica sobre as mulheres imigrantes na costura e tem sua experiência com as roupas marcadas por opressão e violência.

Muitas delas enxergam na imigração uma saída de muitos outros problemas além do trabalho, como a violência doméstica e relacionamentos abusivos. Ao chegar em seus destinos, depois de toda a dificuldade da travessia, essas mulheres enfrentam ainda o preconceito, a pobreza, a exclusão e a dificuldade de tocar a vida.

No caso das mulheres refugiadas existe ainda uma falta de entendimento dos cidadãos sobre o real significado carregado pelo termo ‘refugiado’: pessoas que, por não poderem retornar ao seu país de origem, demandam proteção, que deveria vir não somente do Estado, mas também do acolhimento da própria população local.

Usando a costura em sua melhor forma e indo contra à narrativa atual da história de mulheres imigrantes com costura, o Mulheres do Sul Global tem como objetivo inserir mulheres refugiadas no mercado de trabalho, garantindo a inclusão social e a chance de um futuro próspero e livre – por meio da costura. Por trás do projeto está Emanuela Farias, uma garota carioca de 32 anos que até então vivia uma carreira de assistente executiva em ascensão, mas decidiu romper com o presente para se jogar de cabeça no futuro.

A história do projeto começou a ser escrita na virada de 2014 para 2015, quando Emanuela resolveu tornar real um sonho pessoal antigo. Não mais ocupando o cargo de gerente corporativa na empresa onde estava por 5 anos quis investir, sem hesitar, toda sua reserva financeira para viver um ano sabático na Índia. Lá, ela iria atuar como coordenadora voluntária de projetos no monastério budista tibetano, dentro da The Light of Buddhadharma Foundation e do Sarnath International Nyingma Institute, instituições que seguem a linguagem Nyingma e têm uma sede no Rio de Janeiro, casa frequentada por ela desde 2009.

Refugiados: Pessoas que, por não poderem retornar ao seu país de origem, demandam proteção, que deveria vir não somente do Estado, mas também do acolhimento da própria população local.

Nascida na Zona Norte da capital carioca, em uma família de classe trabalhadora, e morando há 32 anos no mesmo apartamento em Inhaúma, Emanuela já tinha optado por escolhas que se encaixavam em seu padrão social e que poderiam garantir um futuro seguro e estável, como trocar a faculdade de Cinema pelo Secretariado Executivo Trilíngue. Mas nesse momento viu que uma ruptura era necessária e que a viagem poderia resgatar seus impulsos criativos.

 

365 dias de viagem (pra fora e pra dentro)

Ainda na Índia, Emanuela recebeu a missão de acompanhar a diretora de uma das fundações, o que a colocou em uma posição muito privilegiada para conhecer de perto os projetos que estavam sendo feitos no país. Em sua passagem por Bihar, foi avassalador ver uma verdadeira indústria têxtil a céu aberto, com mulheres costurando na beira das estradas de terra e tudo ao redor desaparecendo em meio à poeira e à precariedade absoluta.

Em outro vilarejo, ela vivenciou famílias que trabalhavam juntas em um mesmo tear; mães, pais e filhos, todos dominados por um único comandante local. A imagem da Índia como templo global da espiritualidade aos poucos foi cedendo espaço para a realidade crua da sociedade local, com mulheres e crianças em situação de profunda vulnerabilidade, muitas vezes envoltas em situações de violência generalizada e abuso.

O QUE ME MARCOU MUITO FOI A SUBMISSÃO DAS MULHERES AOS HOMENS NO ATELIÊ, SEM DIREITO A FALA E À MERCÊ DE ABUSOS VERBAIS E FÍSICOS.

Dentro do monastério do Sarnath Internacional, Emanuela coordenou as atividades administrativas do ateliê de costura, função responsável por aguçar uma vontade intensa de conseguir usar esse ofício como forma de empoderamento feminino. O que ela precisava descobrir era como construir pontes e tangibilizar suas ideias.

 

Transformar-se para transformar

Ao desembarcar em um Brasil virado de ponta cabeça, em 2016, Emanuela queria encontrar uma forma de expressar sua experiência enriquecedora para, de alguma forma ainda indefinida, fazer a diferença no país que chamava de seu.

A ideia de aproximação com os refugiados foi imediata pelo que tinha tido a chance de experimentar na Índia, convivendo com monges refugiados do Tibet e entendendo um pouco mais o real significado da busca por uma nova vida em outro lugar que não o seu de origem, além da mídia estar focando bastante nessa temática especificamente.

 

A experiência de Emanuela na Índia a aproximou rapidamente da costura // Cortesia Emanuela Farias

 

O primeiro passo foi procurar o Pares cariras-RJ (Programa de Atendimento de Refugiados e Solicitantes de Refúgio Cáritas do Rio de Janeiro), organização que promove o acolhimento aos refugiados para que possam ser respeitados, integrados socialmente e construam uma vida digna no Brasil. O objetivo dessa primeira aproximação era produzir um documentário sobre as mulheres que saem de seus países para pedirem abrigo à outra nação, o que levou Emanuela resgatar a vontade de fazer cinema, deixada de lado no início da vida universitária. 

Durante o processo inicial de pesquisa, Emanuela ficou a par de uma realidade antes desconhecida por ela: a presença de mulheres refugiadas no Rio estava crescendo muito, a maioria delas vindas do Congo, um país ainda campeão nos índices de violência contra mulheres, apesar da articulação e luta dessas mulheres do país.

A partir disso, Emanuela não teve dúvidas do caminho que queria trilhar: fazer um filme só com mulheres refugiadas, que mais tarde viria a receber o título de A Mulher em Travessia. “Quando eu ligava a câmera pra filmar as mulheres, percebi não ser raro as mulheres congolesas me pedirem máquinas de costura. Assim descobri que muitas delas aprendem costura na escola no Congo, e, já vindas com essa profissionalização, elas querem trabalhar com costura aqui no Brasil”, explicou ela. O sonho dessas mulheres, que tinham a costura como uma veia cultural era ter uma máquina de costura para que pudessem exercer a profissão e não terem que trabalhar como faxineiras, que era a função mais oferecida por aqui.

Ao conviver com essas mulheres, residindo em lugares de vulnerabilidade no Rio, ela pôde ver que o preconceito é ainda maior porque a condição de mulher negra africana em situação de refúgio, que chega na cidade sem recursos ou parentes próximos, se mistura com a realidade na qual é inserida, deixando-as à margem da sociedade. Conversar com todas as mulheres que tinham chegado ao Brasil para construir uma nova vida fez Emanuela enxergar as refugiadas sob um novo enfoque, mais amplo, mais profundo e que abria precedentes para um projeto muito maior.

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  Durante o processo inicial de pesquisa, Emanuela ficou a par de uma realidade antes desconhecida por ela: a presença de mulheres refugiadas no Rio estava crescendo muito, a maioria delas vindas do Congo, um país ainda campeão nos índices de violência contra mulheres, apesar da articulação e luta dessas mulheres.

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