E mais: os babados de Wes Gordon para Carolina Herrera, a homenagem de Michael Kors à noite de Manhattan, os básicos excepcionais de Peter Do, a vizinhança da Coach e o reality show da Collina Strada.
Já falamos aqui sobre Gilded Age, a série da HBO sobre a sociedade nova-iorquina do fim do século 19. Do mesmo criador de Downton Abbey, a produção é contextualizada num momento de grande crescimento financeiro nos EUA, muito puxado por uma retomada intensa da industrialização após a Guerra Civil. Foi quando nomes como os Rockefellers, os Vanderbilts e os Goulds conseguiram juntar fortunas suficientes para chacoalhar as estruturas sociais, antes dominadas por famílias tradicionais, como as dos Astors, dos Carters e dos Roosevelts. Resumidamente, é sobre a disputa entre o dinheiro novo e o dinheiro velho.
Desnecessário dizer que muita coisa mudou desde então. O próprio conceito de old e new money já perdeu sentido e escancarou todo um rol de preconceitos e discriminações. Ainda assim, a cidade segue apegada a dualidades, muitas delas pautadas pela geografia urbana e suas populações: uptown e downtown, east e west side, Manhattan e Brooklyn (ou qualquer outro bairro periférico). Dito isso, não seria forçado interpretar a semana de moda de Nova York como um microcosmo de dicotomias.
De um lado, temos uma nova geração de estilistas investindo em um estética mais crua, com roupas menos polidas, construções experimentais e aparência DIY, ainda que feitas primorosamente. De outro, temos nomes como o do estilista Wes Gordon, diretor de criação da Carolina Herrera, dando novo significado e o que vestir às novas ladies who lunch – Ariana DeBose, Alexandra Daddario, Sabrina Carpenter e Alisha Boe, todas sentadas na primeira fila.
Carolina Herrera, inverno 2022.Foto: Divulgação
Carolina Herrera, inverno 2022.Foto: Divulgação
Carolina Herrera, inverno 2022.Foto: Divulgação
Desde de 2018, quando assumiu o cargo até então ocupado por Herrera, Gordon deu início a uma evolução metódica e muito bem estudada da cliente da marca. Sem esquecer daquelas que sempre recorreram à grife em busca de peças elegantes e práticas ao mesmo tempo (a combinação de saia rodada e camisa da fundadora sendo o melhor exemplo), conseguiu atrair toda uma nova clientela.
O inverno 2022 é um dos melhores exemplos dessa transformação. A silhueta é controlada, mas nada demais. Tem espaço para alguns exageros muito bem-vindos, como as mangas infladas em peças de alfaiataria ou babados estruturados em vestidos cortados próximos ao corpo ou usados com sobreposições. A combinação de saia e camisa também é atualizada com proporção e desenhos levemente mais geométricos. Já os tailleurs clássicos, ganham frescor em tons adocicados, comprimentos míni e bordados correndo pelas extremidades.
Temos também Michael Kors, amante declarado dos clichês nova-iorquinos clássicos. Sua própria história de vida e carreira foram moldadas pelo estilo uptown de Nova York (ele começou sua carreira na tradicional loja de departamentos Bergdorf Goodman). Suas coleções são sempre alguma interpretação ou retrato dessa mulher que sempre admirou: jetsetter, sofisticada, independente, entusiasta da cena cultural e dona de um closet não muito complicado.
A coleção apresentada na noite de quarta-feira (15.02) é uma homenagem à vida noturna da cidade – dos espetáculos da Broadway, aos restaurantes, salões de festas e clubes. O interessante sobre o estilista é que, independentemente do tema, suas propostas são sempre pensadas como partes de um guarda-roupa completo, com de tudo um pouco.
Michael Kors, inverno 2022.Foto: Divulgação
Michael Kors, inverno 2022.Foto: Divulgação
Michael Kors, inverno 2022.Foto: Divulgação
Nesta temporada, Kors se junta ao grupo de criadores engrossando o coro do desejo por glamour após dois anos de pandemia. Em visuais monocromáticos ou tom sobre tom, as peças misturam elegância com conforto, característica essencial na moda dos últimos tempos, e desde sempre um dos pilares da etiqueta do designer. Os casacos, quase todos de alfaiataria, com formas amplas e bem estruturadas, merecem menção honrosa. Alguns são usados meio caídos, deixando os ombros à mostra. Outros, mais volumosos ou de peles falsas, são fechados com as mãos, naquela coisa meio abraçadinha – e sempre com uma bolsa.
Fazia tempo que cascos de alfaiataria não apareceriam com tanto destaque e apelo nas coleções da NYFW. Tem a ver com o declínio dos ateliês, alfaiates e oficinas de costura que se concentravam na Sétima Avenida, e também com as mudanças em nossas próprias vidas e a maneira casual que nos vestimos hoje.
Mas aí veio a covid-19 e bagunçou tudo, até nosso desejo sobre como queremos nos apresentar e cobrir o corpo. Já na temporada passada, a de verão 2022, vimos uma retomada da formalidade, das roupas bem construídas, com formas definidas, muita camisa, muito blazer. Agora, o movimento ganha ainda mais força. Peter Do, com seu segundo desfile na NYFW, foi um dos grandes expoentes da tendência.
Estáticas, as roupas de Do parecem ótimos básicos. Tem os casacões amarrados na cintura estilo robe, jaquetas, blazers e calças amplas, coletes compridos, couros, jeans, vestidos soltinhos, tricôs. Roupas para o dia, para a noite, para qualquer ocasião. Em um texto publicado no seu Instagram, o estilista afirma que essa é uma coleção de peças essenciais, com silhuetas revisitadas de suas primeiras criações. É aí que a coisa muda e toma relevância.
Peter Do, inverno 2022.Foto: Divulgação
Peter Do, inverno 2022.Foto: Divulgação
Peter Do, inverno 2022.Foto: Divulgação
É no conjunto do desfile que a roupa ganha vida. Em uma sala com instalação de luzes que remete ao trabalho do artista minimalista Dan Flavin, as modelos caminhavam calmamente, mexendo nas roupas, despindo-se e vestindo-se. Vivendo dentro delas. Em movimento, elas tomam outra proporção. Aqueles se revelam pouco comuns. Há sempre algo que parece fora do lugar, incomum: um rasgo quadrado nas calças jeans largas, alguns suéteres descosturados para serem usados sob camisa ampla ou segunda-pele sequinha, mangas sempre excessivamente compridas, costas de fora. Por conta de seu DNA minimalista, as silhuetas lânguidas e compridas seguem presentes – nos últimos quatro anos, no entanto, o estilista entendeu que é nos pequenos detalhes que sua moda surpreende, se diferencia e se destaca.
Mas nem tudo é tão preto no branco, na semana de moda de Nova York. Tem quem prefira ficar em cima do muro, agradar a todos. Na Coach, as roupas passeiam entre referências de várias décadas. Dos anos 1960, o estilista Stuart Vevers reproduz os vestidos curtinhos de renda em A do estilo mod, da década de 1970, ele traz calças amplas e os casacos oversized com detalhes de pelo nas golas e na barra e, de 1990, vêm as camisetas com estampas localizadas e bermudas de couro do grunge.
A mistura de épocas é arrematada por truques de styling como o boné, as chokers, os sapatinhos mary jane e as botas pesadas, que completam todos os looks. Nas entradas finais, grafites e estampas decoram os casacos longos de couro (um dos carros-chefes da etiqueta atualmente), acenando a mais uma referência cultural no moodboard da Coach para esta estação.
E tem sempre o outsider, né? Aquele que não se encaixa (ainda bem) em nenhuma caixinha pré-estabelecida. É o caso da Collina Strada. Parodiando os formatos clássicos de reality shows estadunidenses, a marca da estilista Hillary Taymour apresenta o seu inverno 2022 em um vídeo estrelado por Tommy Dorfman, atriz mais conhecida por seu papel em 13 Reasons Why, da Netflix.
No filme de quase 12 minutos, Dorfman interpreta uma estagiária recém-chegada à marca focada em práticas sustentáveis. No seu primeiro dia de trabalho, conhece suas colegas, entende um pouco do mundo da moda, que comer carne não é legal, usar copos descartáveis também não, participa do backstage do desfile, divide as dores e amores de estar onde sempre sonhou e não vai a Paris para reduzir sua pegada de carbono.
De longe, é uma das apresentações mais divertidas, bem pensadas e criativas desta NYFW. No casting, sempre um dos mais diversos da temporada, mulheres brancas, negras, magras, gordas, velhas, trans, cis e pessoas com deficiência. Ou simplesmente pessoas.
Na coleção, Taymour sintetiza algumas das maiores tendências do estilo Y2K que estão bombando no TikTok e fora dele: blusas de malha cortadas, jaquetas puffer, tule estampado, plumas (fakes), franjas e sobreposições, cintos de rebite, luvas sem dedo e cintura baixa. Tudo junto, misturado e combinado das formas mais esquisitas e inesperadas possíveis – outra marca registrada da label.
Tratando-se de uma etiqueta sustentável, é interessante ver como a Collina Strada consegue tratar o assunto de forma leve, sem se levar muito a sério, mas questionando e apontando alguns dos temas mais latentes da indústria, como a poluição, o desperdício de matéria prima e o uso de material animal. Tudo isso sem perder o humor, sempre inerente às suas coleções e apresentações.
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