Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Nike ainda busca equilíbrio entre segurança nas fábricas e custos baixos

Tomohiro Ohsumi/Bloomberg

Hannah Jones, diretora de práticas sustentáveis da Nike Inc., já alertava os colegas há anos sobre os perigos da manufatura em Bangladesh. É verdade que o país tem algumas das fábricas mais baratas do mundo, argumentava ela, mas a gigante dos artigos esportivos não poderia suportar outro castigo público por causa das suas práticas trabalhistas.

Os chefes da divisão de produção, encarregados de reduzir custos, responderam que todos eles deveriam ir juntos visitar o local e depois decidir. Assim, num dia do ano passado, cinco deles subiram uma escada suja até o alto de um prédio de oito andares em Dhaka, a capital do país asiático, onde ficava um dos fornecedores da Nike, a Lyric Industries.

Havia rolos de tecido espalhados pelo chão e algumas janelas estavam trancadas, recorda Jones - um perigo evidente em caso de incêndio. O edifício abrigava muitas outras firmas e não havia como dizer se elas eram seguras ou não. Depois de passar a manhã conversando com gerentes da Lyric, trabalhadores e pessoas no bairro, os executivos voltaram para os Estados Unidos e decidiram cortar os laços da Nike com a empresa.

A decisão foi tomada pouco antes do desabamento de outro centro de fabricação de vestuário em Dhaka, o Rana Plaza, onde 1.100 trabalhadores morreram, no pior desastre industrial da história de Bangladesh. A tragédia, que completa um ano este mês, obrigou fabricantes de roupas de países ocidentais a repensar sua estratégia de buscar mão de obra barata ao redor do mundo, que ajudou a transformar Bangladesh num país que exporta US$ 20 bilhões por ano em artigos de vestuário.

"Nossos concorrentes estavam entrando rapidamente em Bangladesh e a pressão estava cada vez maior", diz o diretor de operações da Nike, Eric Sprunk. "Precisávamos de uma perspectiva sólida para dizer: 'Vamos aumentar nossa base de produção ali ou não?'"

O conflito interno da Nike em relação à Bangladesh mostra que seu esforço para melhorar suas práticas trabalhistas no mundo em desenvolvimento, iniciado há cerca de 20 anos, ainda não está concluído. Enquanto a indústria de vestuário dos EUA transfere cada vez mais sua produção para países de baixo custo, a experiência da Nike oferece uma lição sobre a dificuldade de administrar duas prioridades: controlar custos e manter condições de trabalho aceitáveis.

Um grupo dentro da Nike, encabeçado por Sprunk e outros executivos de produção, argumentava que a empresa poderia instalar os controles de segurança necessários para fabricar em Bangladesh e obter mais vantagens de custos e margens de lucro na concorrência com rivais. Mas uma equipe liderada por Jones, a diretora de sustentabilidade, insistia que a empresa não poderia garantir que as condições de trabalho no país seriam seguras.

A decisão de cortar vínculos com a Lyric Industries, com a qual a Nike trabalhava há mais de dez anos, e também com outra empresa terceirizada, reduziu a presença da Nike em Bangladesh a quatro fábricas. De fato, a empresa reconheceu que os problemas da terceirização da produção naquele país não podiam ser corrigidos facilmente.

Ao longo dos anos, o uso de fabricantes em outros países manchou a imagem da Nike várias vezes e sua campanha para eliminar esses problemas não tem sido fácil. A empresa já fez investimentos para ajudar as fábricas e sacrificou suas vendas em momentos importantes, quando as normas de segurança foram violadas. Ela conseguiu praticamente eliminar situações como a morte de operários e o uso de alguns produtos químicos perigosos.

Mas os problemas persistem. O Consórcio de Direitos dos Trabalhadores, grupo sem fins lucrativos financiado parcialmente por universidades que monitora fábricas de material para esportes, já publicou relatórios de 16 fornecedores da Nike desde 2006, apontando supostas violações do regime de horas extras e abuso dos operários.

A Nike foi fundada em 1964, em parte baseada na premissa de que poderia produzir calçados esportivos de qualidade a custos mais baixos, usando mão de obra barata em fábricas no exterior - uma ideia que seu fundador, Phil Knight, teve na faculdade. Na época, apenas 4% dos calçados vendidos nos EUA eram importados. Hoje, essa fatia saltou para 98%.

A Nike cresceu rapidamente, produzindo calçados esportivos a custos mais baixos e usando nomes de peso na promoção de sua marca.

Na década de 90, as condições nas fábricas estrangeiras que produziam os artigos da Nike passaram a ser um problema, tornando a empresa um alvo de protestos contra a globalização. De início, Knight e outros altos executivos assumiram uma posição que defendia que, como as fábricas não pertenciam à Nike, ela não era responsável por problemas de segurança nem condições de trabalho, segundo executivos antigos e atuais.

Uma porta-voz da Nike não quis disponibilizar Knight para uma entrevista, mas o diretor-presidente, Mark Parker, reconheceu que a reação inicial da Nike às críticas contra suas fornecedoras foi insatisfatória.

A empresa acabou refazendo seu código de conduta para as fábricas e contratou auditorias para realizar inspeções. Na época, a Nike geralmente deixava as melhorias a cargo das próprias fábricas, enquanto alternava suas encomendas entre centenas de empresas manufatureiras, colocando-as umas contra as outras, sempre em busca dos preços mais baixos.

A questão veio à tona em 1996, quando a revista "Life" publicou uma matéria com a foto de um menino costurando bolas de futebol da Nike. Knight reclamou privadamente que a foto era encenada, pois as bolas são costuradas e transportadas ainda vazias, e as que apareciam na foto estavam cheias, dizem ex-executivos da Nike.

Dois anos depois, o diretor-presidente prometeu, num discurso em Washington, erradicar o trabalho infantil. "Os produtos Nike se tornaram sinônimo de salários de escravos, horas extras obrigatórias e abusos", disse.

Para ser mais transparente, a Nike divulgou o nome e a localização das suas fábricas terceirizadas, sendo a primeira grande varejista a fazer isso. Melhorou a qualidade do ar para os operários ao adotar cola à base de água. Enviou dezenas de pessoas para cargos permanentes nos países onde produzia seus artigos e passou a trabalhar mais de perto com as fábricas.

Em 2005, a Nike tinha começado a ganhar elogios dos mesmos ativistas que antes a criticavam.

Mas semanas antes da data em que as bolas de futebol da Nike deviam chegar às lojas para a Copa do Mundo de 2006, fiscais da Adidas AG apresentaram à Nike fotos mostrando crianças paquistanesas costurando bolas de futebol da Nike, segundo um ex-executivo da própria Nike.

A Nike vinha trabalhando há anos com sua principal fornecedora de bolas de futebol, a Saga Sports, para acabar com a produção em residências, uma prática ligada ao trabalho infantil. Mas o dono da fábrica tinha morrido e os novos proprietários, sobrecarregados com pedidos para a Copa, mandaram as bolas para serem costuradas em residências, segundo a Nike. Representantes da Saga Sports não puderam ser contatados para comentar.

Em consequência, a Nike suspendeu por 18 meses a fabricação de bolas de futebol, o que representava US$ 100 milhões em vendas.

Após a recessão de 2008, o aumento dos preços do algodão, do petróleo e da mão de obra pressionou os lucros da Nike. A solução parecia ser Bangladesh.

Enquanto a equipe de produção considerava o país como resposta à pressão sobre as margens, a equipe de segurança de Jones caminhava na direção oposta.

"Bangladesh representa uma encruzilhada para o setor", disse Jones. Uma direção leva para os custos mais baixos, disse ela, e a outra para fábricas mais seguras.

(Colaboraram Patrick Barta e Ben Otto.)

Por Shelly Banjo | The Wall Street Journal, de Dhaka, Bangladesh

http://www.valor.com.br/impresso/wall-street-journal-americas/nike-...

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