Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Noites sem resposta : Se toda tendência acaba em excesso, como faz quando ela já nasce excessiva

Como o excesso de conteúdo, pseudonovidades e velocidade do mundo digital impactam a moda e a maneira como nos vestimos.

Tenho dificuldade para dormir. Acho que desde os 27 anos, a primeira vez que senti o tal peso da vida adulta (será que foi um retorno de Saturno adiantado? Ansiedade astrológica?) É a cabeça encostar no travesseiro e pronto: abalo sísmico nos pensamentos, tsunami de ideias. Geralmente as ondas vinham debaixo do chuveiro – e continuam, com intensidade reduzida, mas continuam. Uma marolinha inofensiva.

Há um tempo levo um caderno para a mesa de cabeceira. Cansei de acordar sem lembrar o que atrasou meu sono e virou outra coisa dentro da minha cabeça. Só lá, naquele exato momento e beijo tchau. Decifrar o que escrevi no escuro, sem óculos, com um olho aberto e outro fechado (míopes entenderão) é bem mais tranquilo. E também gosto de acreditar que vou voltar àquelas anotações. Risos. Nunca aconteceu.

Até agora.

Será? Vamos pensar que sim. Talvez se for um dever (mais) uma obrigaçãozinha autoimposta? Para um bom procrastinador, nada melhor do que um prazo. Então tá. A partir de hoje, vem aí uma coluna meio maluca, meio disléxica e bem prolífica sobre qualquer assunto, principal mas não somente relacionado à moda.

A ideia não é definir. Conclusões ou respostas definitivas, já aviso, não têm. Se as tivesse, não estaria aqui desafiando o aplicativo que me avisa a hora de desacelerar (ou parar de pensar).

A intenção é questionar, pensar, analisar e provocar (minha lua é em Áries). E aqui é importante não confundir provocação com problematização, ainda mais se for daquelas baratas que vive aparecendo nos nossos feeds, sabe? Geralmente, uma discussão adolescente querendo ser discussão filosófica. Não é por aí.

Se as pessoas estão perdendo a capacidade de definir a própria identidade e preferências, por que a moda deveria acompanhar? Moda não é o reflexo de uma sociedade em determinado período e recorte da história?

Aliás, foram justamente as redes sociais o gatilho para esta coluna piloto. É que antes delas, a gente aprendia que toda tendência acaba em excesso. Tá em livros de moda, comunicação e também nas salas de aulas dos cursos de estilismo, publicidade, marketing, jornalismo. 

De acordo com essa teoria, um comportamento, uma peça, uma gíria, um estilo musical, pode escolher, surge tímido, entre rodinhas bem seletas e seletivas. Se pega, entra para o vocabulário daquelas pessoas e acaba vazando para além dos limites de origem. Você pode substituir vocabulário por guarda-roupa, comportamento e estilo. Voltando… Se for algo realmente interessante ou divertido, cai na boca, no corpo e no gosto do povo. E aí, irrita, cansa. Até aparecer algum substituto e tudo de novo, de novo, de novo.

No aqui e agora da vida figital (aglutinação terrível), em velocidade máxima, sempre live, tudo nasce demasiado. Já amanheci cansada, sabe aquele meme? Mas se toda tendência termina em excesso, como que faz quando elas já surgem excessivas?

Exemplos não faltam. Tem a expressão “CARAH”, pronunciada com o primeiro a meio fechado, anasalado, e o segundo aberto e alongado, usada no fim de frases enfáticas, como chacota do sotaque paulistano – o que deixa tudo um tanto ridículo quando adotado por alguém nascido na capital paulista ou que mora há tanto tempo aqui a ponto de ser considerada local.

Tem também a sigla POV, abreviação de point of view (ponto de vista em inglês), o “do nada” em fotos e vídeos de situações previsíveis, rotineiras ou programadas, o coraçãozinho feito com os dedos polegar e indicador, a pose com uma perna para frente e torso inclinado para trás, a selfie com linguinha para fora e olhar de sofrência ou dor de barriga (difícil distinguir).

Melhor parar, falei na análise que tentaria ser menos chato e implicante. Só queria mostrar como algumas tendências se repetem tanto e tão rapidamente que nem dá tempo de dizer que eram insider ou underground antes de se tornarem via de regra. Porque sim, às vezes parece que é lei assumir esses cacoetes.

E isso vale também para moda.

Não é algo novo ou limitado às novas gerações. Porém, a maneira como a roda gira, como somos girados (feito peões?) é diferente. O que desejamos e compramos não fica incólume. Na real, será que desejamos mesmo? Ou é só o que tem? O que escolhem para gente? Pensa nos não sei quantos cores que apareceram nos últimos tempos. Teve até a fake news do Brazilcore. E tanta gente comprou que quase virou news real.

Será que o excesso inerente aos tempos atuais resultou na escassez (de muitas coisas) na moda? O menos é mais do inverno 2023 é uma resposta prática e comercial às demandas da hora ou uma provocação ou reação estética? Alguém se importa?

Fato é que não dá para reproduzir a aceleração digital no mundo real. No plano terreno, onde leva 24 horas para completar uma volta completa no próprio eixo, a coisa é bem diferente. Pode parecer que não, o descarte e a substituição de hashtags umas atrás das outras têm complicado bastante a vida de quem não pode viver de likes, comentários e compartilhamentos. 

Falando do mercado de moda especificamente, se já era complicado para uns milhares de trabalhadores costurar o maior número de roupas no menor tempo possível, imagina agora. Ou vocês acham que os donos das redes de varejo e fast fashion não querem lucrar com o core no topo dos trending topics?

E, acredito eu, o baque vai até o alto escalão, até a alta moda. Para esse grupinho, entrar na corrida maluca do vença quem se importar menos como o planeta e com as pessoas não vale muito a pena. Bate de frente com as cláusulas pétreas da constituição do luxo. Tem qualidade, para começo de conversa. A pressa é inimiga da perfeição, já dizia o ditado. Tem também o acabamento manual, o tecido excepcional, a exclusividade e, sobretudo, a criatividade, a visão.

Outro ponto bem importante é a reputação – caríssima. Se algo dá errado, nem todo pedido de desculpas dá conta de reparar o estrago. Em termos ambientais e sociais, União Europeia e EUA estão em vias de aprovar e aplicar uma série de novas legislações para regular, responsabilizar (em casos de desrespeito ou más práticas) e tornar transparente a cadeia produtiva e origem de materiais de empresas de moda com operações naqueles países e região.

Mas não é só isso. Esteticamente é impossível acompanhar os desejos despertados por sabe-se o que no TikTok, no Instagram e no Twitter. O tempo e dinheiro para produzir uma nova coleção ou linha especial é incompatível com a vida útil de qualquer tendência ou hit de audiência nas redes sociais. Sem contar que está cada vez mais difícil identificar o gosto do freguês. Talvez nem o próprio freguês seja capaz.

Se as pessoas estão perdendo a capacidade de definir a própria identidade e preferências, por que a moda deveria acompanhar? Moda não é o reflexo de uma sociedade em determinado período e recorte da história?

Nos últimos meses, relatórios e pesquisas de mercado indicam que o que mais vende entre as marcas de luxo são peças clássicas, um pouco mais discretas e atemporais. Aquelas que não se queimam depois da primeira selfie, primeiro vídeo de arrume-se comigo ou qualquer registro na porta de um desfile ou na frente de backdrop em algum evento.

Na temporada masculina de inverno 2023, não faltaram metáforas para descrever coleções de peças fáceis de usar e com alto potencial de intercâmbio. Em alguns casos faltava identidade mesmo, em outros só um exercício de redução ao essencial – ou essencialmente vendável. O problema da mentalidade reducionista é que tudo acaba meio parecido, com uma aparência genérica. Mais fácil de se encaixar no estilo, cotidiano e guarda-roupa de um maior número de consumidores.

Será que o excesso inerente aos tempos atuais resultou na escassez (de muitas coisas) na moda? O menos é mais do inverno 2023 é uma resposta prática e comercial às demandas da hora ou uma provocação ou reação estética? Alguém se importa?

Nem vem , já disse que não vou responder nada.

POR LUIGI TORRE

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