O custo alto e as condições restritivas para a concessão de crédito, ao lado da retração da renda real e do avanço desemprego, continuam puxando para baixo os números do varejo no país.
Em agosto, as vendas em volume do comércio restrito, que exclui veículos e material de construção, recuaram 0,6% sobre julho, quando a retração foi de 0,6%, na série que expurga efeitos sazonais. No conceito ampliado, que engloba os dois segmentos, o tombo foi maior (2%), o dobro da queda no mês anterior.
O cenário reforça as avaliações de que o consumo ainda não atingiu o fundo do poço nessa recessão e que ainda há espaço para piora. Economistas avaliam que as projeções preliminares de mais uma queda nas vendas -captada pela Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) em setembro – reiteram a expectativa que o consumo dê nova contribuição negativa para o Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre.
Para o ano, a expectativa é que a retração seja a mais intensa da série da PMC, que começa em 2001. O atual recorde negativo é de 2015, recuo de 4,4%.
Como nos últimos meses, os ramos com dinâmica mais dependente do crédito – móveis e eletrodomésticos, vestuário e calçados – têm registrado desempenho pior do que aqueles que reagem mais às oscilações dos salários – supermercados e artigos de uso pessoal -, ressalta o economista da LCA Consultores Paulo Robilloti. Ele calcula que os ramos mais sensíveis ao crédito recuaram 2,7% em relação a julho, na série com ajuste sazonal, enquanto a retração dos mais sensíveis à renda foi de 0,35%.
Os economistas Jankiel Santos e Flávio Serrano, do banco Haitong, também chamam atenção para a diferença de desempenho entre os dois grupos e avaliam que, enquanto os segmentos ligados à renda estão aparentemente mais próximos da estabilização, a trajetória daqueles mais dependentes do crédito ainda é de queda.
“As perspectivas de continuidade do ajuste no mercado de trabalho impedem qualquer otimismo exacerbado com uma reversão célere e significativa do primeiro segmento”, afirmam em relatório a clientes.
O mercado de trabalho continuará sendo uma influência negativa pelo menos até o primeiro semestre de 2017, diz estrategista-chefe do banco Mizuho, Luciano Rostagno, quando o desemprego deve finalmente parar de subir.
Ele ressalta que o desempenho bastante negativo em julho e agosto do varejo ampliado, que inclui veículos e material de construção, já representa um carregamento negativo de 2,6% no desempenho do conceito no terceiro trimestre, na comparação com o segundo trimestre. “O consumo vai continuar sendo um vetor negativo para o PIB”, avalia.
As vendas em volume encolheram em seis dos oito segmentos do restrito entre julho e agosto, com destaque negativo para as categorias de móveis e eletrodomésticos, com queda de 2,1% no intervalo, e o de tecidos, vestuário e calçados, que ficou estável após recuar 5,7% em julho.
“As atividades que estão ampliando a queda são aquelas com itens cujo consumo não é essencial e pode ser adiado”, afirma Isabella Nunes, gerente da coordenação de serviços e comércio do IBGE.
“Junto com supermercados, esses dois segmentos representam o ‘core’ do varejo, aqueles que refletem melhor as condições da atividade”, acrescenta Robilloti, da LCA. Foi, aliás, a alta de 0,8% nas vendas em volume dos supermercados, que respondem por quase 50% do varejo restrito, que evitou uma retração maior da PMC em agosto. “Ainda assim, a alta praticamente zera a queda do mês de julho [-0,7%]. O varejo continua bastante deprimido”.
Isabella, do IBGE, lembra que a melhora recente dos indicadores de confiança do consumidor “ainda não se converteu em vendas de fato”. Nesse sentido, a MCM Consultores destaca o comportamento do item artigos farmacêuticos, de perfumaria e cosméticos como surpresa negativa. Por ser composto por bens geralmente de menor valor agregado, foi um dos últimos a sentir os efeitos da crise, pondera a equipe em relatório, mas segue em tendência de retração. A queda de 2,8% em agosto sobre julho foi a quinta consecutiva.
Após o resultado de ontem, que contou com revisões para baixo dos dados de julho da PMC – de -0,3% para -0,6% para o restrito e de -0,5% para -1% para o ampliado -, a LCA Consultores alterou a projeção para retração do varejo no ano de 5,3% para 5,7%. O banco Mizuho manteve a estimativa de queda em 5,5%.
Fonte: Valor Econômico