Zara, Marisa, Pernambucanas, Sete Sete Cinco, Renner, M. Officer, Le Lis Blanc, Bo.Bô… Infelizmente, a lista de empresas da moda que usaram trabalho escravo nos últimos anos no Brasil poderia encher um artigo inteiro. Saber o que a maioria delas têm em comum, porém, pode nos ajudar a combater o problema com mais eficiência: sua clientela principal está entre as mulheres.
Ou seja: é justo dizer que, hoje, as mulheres são uma das mais fiéis patrocinadoras de trabalhos análogos à escravidão no Brasil e no mundo. Contudo, demonizá-las seria um erro. As mulheres são, por sua vez, vítimas de uma publicidade violenta e de revistas femininas que estimulam um consumismo desenfreado e irresponsável. Pouco se fala da linha de produção a não ser para consagrar designers ou enriquecer grifes anunciantes. As revistas femininas de hoje se comportam como se suas leitoras não tivessem consciência.
Estudos comprovaram, ainda por cima, que o consumidor brasileiro interiorizou essa imagem e aderiu a este padrão de comportamento. Pesquisadores da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia (MG) analisaram a repercussão do caso Zara, em 2011, quando foi revelado que a marca pagava R$ 2 por peça aos costureiros em São Paulo. A conclusão foi triste: consumidores não só acreditavam que este tipo de crime compensava financeiramente como não estavam dispostos a deixar de comprar produtos da marca em retaliação.
Em nossos ensaios de moda, marcas transgressoras estão fora. Vamos visitar fábricas nas periferias do mundo fashion, como China e Bangladesh, e investir em um jornalismo que não trate as leitoras com condescendência
Prova isso o crescimento do mercado da moda, que não se deixa arranhar por denúncias do Ministério Público. Nos últimos dez anos, seu faturamento quadruplicou, alcançando 140 bilhões de reais, segundo a consultoria Euromonitor. O Brasil pulou de 14o para oitavo do mundo no setor. Os lucros são inflados por salários baixíssimos e condições degradantes de empregados.
Nós, fundadoras da Revista AzMina – para mulheres de A a Zacreditamos que é possível fazer um jornalismo especializado para mulheres que quebre com esse ciclo destrutivo. Concebemos uma revista que, além de acreditar em todos os tipos de beleza, falará de ética toda vez que pensar em moda. Em nossos ensaios de moda, marcas transgressoras estão fora. Vamos visitar fábricas nas periferias do mundo fashion, como China e Bangladesh, e investir em um jornalismo investigativo que não trate as leitoras com condescendência e denuncie redes e lojas que façam uso de trabalho escravo. Nosso plano é colocar a consumidora cara a cara com a boliviana ou chinesa que passou noites em pouca luz costurando os botões daquela camisa em promoção. É fazê-la questionar fundo cada ato de consumo muito além das capacidades de sua conta bancária. É provocar uma mudança cultural e de coração.
Mas o que nos fará diferente das demais revistas é: como conseguiremos fazer isso? A resposta a esse questionamento não está apenas no jornalismo, mas na concepção de todo um modelo de negócios. As revistas femininas não questionam o mundo fashion pois ele é seu verdadeiro cliente. São grandes marcas que pagam a conta dessas publicações e garantem seus lucros, não as leitoras. Nós apostamos em uma inversão desse sistema. AzMina está nascendo a partir de financiamento coletivo e assim pretende pagar a maior parte de seus custos. Anunciantes são parte complementar do processo e, como não temos fins lucrativos, podemos dispensar um ou outro baseadas em critérios éticos.
Criamos o conceito de publicidade responsável ou women-friendly. Isso significa que só poderão anunciar conosco marcas que não estejam no radar recente da Repórter Brasil de uso de trabalho análogo à escravidão. Significa também que vamos editorializar nosso conteúdo publicitário com tanto carinho quanto pensarmos nossas reportagens. O intuito, mais do que angariar verbas, é estimular uma mudança profunda no jeito com que fazemos propaganda para mulheres no Brasil.
Criamos o conceito de publicidade responsável ou women-friendly. Isso significa que só poderão anunciar conosco marcas que não estejam no radar recente da Repórter Brasil de uso de trabalho análogo à escravidão.
É uma ideia ambiciosa, mas realista. Para existir, porém, precisamos da ajuda de quem acredita nesse ideal junto conosco. A vaquinha on-line que garantirá que a Revista AzMina saia do papel termina em pouco menos de um mês. O jornalismo independente, único capaz de quebrar padrões sociais destrutivos, é uma conta quer vale a pena pagar – e se nos recusarmos, as grandes marcas estarão sempre dispostas a assumir os custos. E, mais tarde, assumimos o prejuízo com algo muito mais valioso que dinheiro, a perda de nossos valores.
Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina, autora do livro “Presos que Menstruam”, colunista do Brasil Post e criadora do protesto Eu Não Mereço Ser Estuprada. Trabalhou nas revistas Época, Galileu, Criativa e Veja, além dos jornais Correio Brazilienze e Metro. É jornalista pela USP, especialista em Relações Internacionais pela UnB e está cursando o mestrado em Estudos de Gênero na George Washington University.
http://reporterbrasil.org.br/2015/06/nova-revista-feminina-quer-mud...