Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Como uma loja popular pôde agitar uma cidade.

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Nos anos 1960 um furacão varreu Belo Horizonte: a chegada do Abdalla


Na metade do século passado, os clientes eram bem fiéis. Tão fiéis que eu, menino na época, lembro-me até hoje das lojas onde os meus pais faziam suas compras. Do Mundo Colegial, onde compravam os uniformes do Colégio Marista e do Colégio Sion, da Bemoreira, onde compravam os móveis pra nossa casa.

Hoje, fico aqui pensando como é que, mais de meio século depois, lembro-me perfeitamente das lojas de Belo Horizonte, uma cidade que, segundo o cronista Humberto Werneck, “não acontece nada, mas a gente lembra de tudo”.

Minha mãe comprava sapatos pra ela e pras minhas irmãs, na Elmo. O meu pai, na Clark. Camisas, ele não abria mão, era só na Casas José Silva. Eu me lembro perfeitamente das Estâncias Califórnia, onde vendiam produtos importados da América do Norte e a gente atazanava meu pai pra comprar aquelas caixinhas vermelhas de uva passa, caríssimas na época.

O meu pai era um consumidor tão fiel que só mandava revelar fotos no Zatz, só comprava pão na Padaria Savassi, só enchia o tanque no Posto Fraternia, só comprava discos nas Lojas Gomes, frutas no Mercado Central e achocolatado, era só o Ovomaltine.

Belo Horizonte tinha a Guanabara, uma loja de departamentos no coração da Avenida Afonso Pena, tinha a Livraria Amadeu, a Gruta Metrópole, a Copiadora Brasileira, a lanchonete Ted’s, a Cantina do Ângelo e o Cine Pathé, onde assistíamos todas as chanchadas com Renata Fronzi, Anilza Leone, Grande Otelo, Zé Trindade, Costinha, Ronald Golias, Jô Soares e Otelo Zeloni.

Mas foi nos anos 1960 que um furacão varreu Belo Horizonte, com a chegada do Abdalla, uma loja de roupas a preço de banana, numa época que bananas eram vendidas a preço de banana. Ninguém sabia quem era o dono, se era turco, sírio ou libanês que, naquela época, eram todos iguais. A diferença era que turco era pobre, sírio, o que melhorou de vida, e libanês era o rico.

O Abdala chegou arrasando com a concorrência. De minuto em minuto entrava um anuncio na TV Itacolomi, canal 4, com uma musiquinha que em poucos dias virou hit na cidade: O Abdalla é fogo na roupa/Com ele ninguém pode/ Veja a fama que ele tem.

Sei que a cidade inteira correu pro Abdala pra comprar calças, camisas, meias, calcinhas, sutiãs, boleros, saias pregueadas, tudo. Em poucos dias, a cidade estava toda vestida pra missa, bem no estilo Abdalla.

Apesar de um sotaque libanês, uma roupa de sírio e um bigode de turco, Abdalla caiu no gosto de um Brasil popular, que gostava de uma camisa nos trinques, fosse ela de algodão, pele de ovo, opaca ou fustão.

Na porta das lojas Abdalla, havia uns stands com promoções arrasadoras. Eu passava de ônibus pela Avenida Afonso Pena e sempre via uma multidão  de mulheres afoitas revirando aquela montanha de  calcinhas de todas as cores, escolhendo uma que lhe servisse.

Os homens, ali mesmo na avenida, escolhiam e experimentavam suas camisas coloridas, algumas já faltando botão de tanto manuseio.

As lojas Abdalla sacudiram Belo Horizonte naqueles anos 1960, deixando a concorrência de calças nas mãos. O slogan é fogo na roupa é porque o Abdalla era mesmo fogo na roupa. Seus preços eram imbatíveis. Uma dúzia de meias custava o preço de uma passagem de ônibus, ida e volta.

Um dia, fui-me embora de Belo Horizonte e deixei pra trás a euforia da moda Abdalla na cidade onde nasci. Muitos anos depois, voltei e perguntei que fim levou o Abdalla. Me responderam que as Lojas Abdalla não haviam mais. Como não havia mais a Guanabara, a Bemoreira, as Estancias Califórnia, as Lojas Gomes, nem mesmo um monumento conhecido como pirulito, que ficava na Praça 7, havia mais.  

https://www.cartacapital.com.br/cultura/o-abdalla-e-fogo-na-roupa

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