Da capacidade de resiliência do rapper Kanye West, que desde as desventuras da marca de vestuário Pastelle tem vindo a digladiar-se para ser aceite pela indústria da moda como designer, aos irmãos Demna e Guram Gvasalia, que gerem o coletivo disruptivo Vetements, convidado para a semana de alta-costura de Paris, passando pelo mercado emergente de Doha, Qatar, epicentro de moda da região, a Fast Company selecionou os intervenientes que estão a transformar não apenas as roupas, mas também quando e como estas são consumidas.
O resiliente – Kanye West, CEO da Yeezy
O rapper lutou, praticamente durante uma década, para ser reconhecido como designer de vestuário, entre a promessa da marca Pastelle, que nunca se chegou a materializar, e as duras críticas quando apresentou a coleção feminina DW Kanye West, em 2011 (ver Amoda de um rapper).
Só em 2013 e com o acordo com a Adidas (que terá rondado os 10 milhões de dólares [aproximadamente 8,90 milhões de euros]) o homem que muitas vezes se compara a Deus conseguiu finalmente multiplicar seguidores e encontrar a terra prometida da moda, através da marca Yeezy.
A colaboração rendeu enorme sucesso às sapatilhas Yeezy Boost, lançadas em 2015 e esgotadas sempre que voltam a ficar disponíveis.
Apesar de terem recebido críticas pouco simpáticas, as duas primeiras linhas de pronto-a-vestir da Yeezy vangloriaram-se com vendas estrondosas no Barneys e noutros retalhistas premium. Não obstante, a verdadeira criatividade de West é ser capaz de abalar o sistema.
Em fevereiro passado, West revelou a terceira temporada da Yeezy no Madison Square Garden, que contou com a apresentação, em estreia mundial, do seu mais recente álbum, “The Life of Pablo”. Foi transmitida ao vivo em 700 salas de cinema em todo o mundo e, mais tarde, vista por 20 milhões de pessoas na plataforma Tidal do também rapper Jay Z. Houve bancadas e bancas de merchandising e, pela primeira vez na história da Semana de Moda de Nova Iorque, o público pôde comprar bilhetes para um desfile. Anna Wintour, editora da Vogue americana, deu o seu selo de aprovação ao desfile ao sentar-se não ao lado dos seus pares, mas da mulher de West, a socialite Kim Kardashian.
A trendsetter – Alexa Chung, diretora criativa da Alexachung
A modelo e apresentadora britânica Alexa Chung é uma trendsetter global há mais de uma década, conhecida pelo seu estilo de vibração Peter Pan, no qual sobressaem bailarinas e jardineiras ou abordagens femininas ao menswear (ver Dinastia Chung).
O estilo de Chung atraiu 2,4 milhões de seguidores à sua conta no Instagram e, por isso, quando a fashionista anunciou em julho que estava a começar a marca própria de pronto-a-vestir (ver A marca de Chung), apoiada por uma entidade britânica anónima, a indústria recebeu a notícia com uma nota de inveja.
Afinal, as empresas de moda têm equipas destacadas para cultivar o tipo de seguidores apaixonados que Chung construiu organicamente e que pode mobilizar de forma instantânea.
A bolsa que a Mulberry criou, em 2009, inspirada pela fashionista, por exemplo, foi tão procurada que a empresa noticiou um aumento de receitas na ordem dos 79%. No ano seguinte, a colaboração com a Madewell, spin-off da J.Crew, esgotou em poucos dias. As duas aventuras no campo do denim com a AG Jeans foram também bem-sucedidas, como foi depois a linha vintage para a Marks & Spencer.
O visionário – Tom Ford, presidente e CEO da Tom Ford
Mesmo para Tom Ford, o passo foi ousado. Em fevereiro, menos de duas semanas antes do seu nome ser desvendado no calendário da Semana de Moda de Nova Iorque, o designer cancelou a presença no evento.
O designer e CEO de um império de luxo de capital fechado, com mil milhões de dólares em vendas anuais, anunciou que, para ele, era o fim do calendário tradicional, que inclui mostrar as novas linhas cinco meses antes das peças chegarem às lojas. Em vez disso, Ford passaria a adotar o modelo “ver agora, comprar agora” e apresentar as coleções de outono em setembro, quando as peças são postas à venda.
A notícia chegou depois do comunicado da Burberry que dava conta de planos semelhantes e, depois destas duas, marcas como a Vetements anunciavam um calendário de moda alternativo.
Com a abordagem “o cliente em primeiro lugar”, Ford sintoniza-se com a era das redes sociais, na qual os consumidores influentes podem colocar no Snapchat os seus novos sapatos Tom Ford e impulsionar diretamente as vendas.
Este é o mais recente movimento de uma carreira de futuro: nos anos 90, Ford transformou uma Gucci quase falida numa marca vital, agora avaliada em 12 mil milhões de dólares e, no ano passado, deu a conhecer a nova coleção não com um desfile, mas num videoclipe estrelado por Lady Gaga. «Posso fazer o que quiser», disse recentemente o designer e, segundo a Fast Company, isso inclui testar os limites da indústria.
Os alquimistas – Demna e Guram Gvasalia, designer principal e CEO, respetivamente, da Vetements
Em janeiro, o projeto coletivo Vetements, com sede em Paris, conhecido pelo seu streetwear de luxo, fez de uma t-shirt amarela (à venda por 330 dólares) estampada com o logotipo da transportadora DHL (ver O efeito Vetements) um objeto de cobiça. Inspiração de Andy Warhol? Um comentário antimoda? Mesmo os críticos não tinham a certeza do que se tratava. O certo foi que os irmãos georgianos Demna (também diretor criativo da Balenciaga) e Guram Gvasalia se tornaram opinion makers.
Convidada da Chambre Syndicale de la Haute Couture, em junho passado a Vetements estreou a sua coleção primavera-verão 2017 na semana de alta-costura.
O desfile da marca contou com a colaboração audaciosa de 18 marcas, da Carhartt à Comme des Garçons, que redefiniu a noção de diferença entre luxo e retalho (ver O clube da Vetements).
Em termos de estratégia de negócio, os irmãos juntaram-se recentemente ao movimento que pretende disponibilizar as coleções imediatamente após o desfile, na esperança não apenas de alcançarem mais clientes, mas também de colocarem um travão às imitações da moda rápida.
O mercado emergente – Doha, Qatar
As mulheres dos países ricos em petróleo do Golfo Pérsico compram mais alta-costura do que qualquer outra no mundo, uma realidade à qual a indústria da moda está atenta, de forma a garantir a sua próxima fase de crescimento, sobretudo agora que abundam notícias sobre a desaceleração do mercado do luxo na China.
Em janeiro passado, a Dolce & Gabbana estreou uma linha de hijabs e abayas (ver Moda em liberdade) e a Vogue Arábia arranca este outono.
Doha, capital do Qatar, o país mais rico do mundo per capita, emergiu como epicentro de moda da região.
É o lar de empresas como a Mayhoola for Investments, que comprou a casa Valentino em 2012 e a Balmain em junho passado. A Mayhoola está ligada à família real do Qatar, cuja matriarca Mozah bint Nasser al-Missned preside ao Qatar Luxury Group, dedicado à promoção de designers locais que possam vir a ser o próximo Christian Dior. Enquanto isso, as trendsetters locais já estão a deixar a sua marca: as contas de Instagram de Anum Bashir e Husnaa Malik transformaram-nas em referências de estilo em todo o mundo.
A experimental – Iris van Herpen, designer
Desde os seus dias de estudante, a designer holandesa Iris van Herpen adotou a tecnologia de ponta para inventar novos materiais que desafiam as noções de “tecido” (ver As interseções de Iris van Herpen).
A designer foi pioneira no uso da impressão 3D na moda e, em 2015, empregou a tecnologia numa coleção de pronto-a-vestir feita a partir de materiais como pó de metal, borracha e ímanes. No seu desfile em Paris, em julho passado, van Herpen estreou um vestido feito de milhares de bolas de vidro soprado.
Inspirando-se na arte, na filosofia e na ciência – a linha de 2015 foi influenciada pelo acelerador de partículas do CERN, na Suíça –, as coleções da designer mantêm a indústria encantada.
Entre os clientes estão os nomes de Lady Gaga, Tilda Swinton e Björk, para quem van Herpen desenvolveu um “vestido cobra” feito a partir de tubos de acrílico.
Se o mundo da moda vai tentando descobrir o futuro, van Herpen já lá está e mal pode esperar para deitar as mãos ao material que está a ser desenvolvido pelos militares norte-americanos que utiliza espelhos para simular a invisibilidade.