A moda é uma indústria de desperdícios. Mesmo com processos de modelagem inteligentes, no geral, cerca de 20% a 30% de tecido é descartado no processo de corte de uma peça. Uma volta no Bom Retiro, bairro paulista com uma das maiores concentrações de confecções do país, é capaz de abrir os olhos de qualquer um sobre o quanto de matéria-prima é descartada diariamente pela indústria de confecção.
Mesmo os 70% a 80% dos tecidos que de fato se transformam em roupas não estão livres de serem jogados no lixo sem nunca terem sido usados. A produção excessiva faz com que roupas fiquem paradas em estoques ajudando na proliferação de mofo, ocupando espaço e há ainda indícios de que, para abrir lugar para o novo e dar um fim a esse ‘peso morto’, marcas descartam ou incineram pilhas de roupas produzidas e não vendidas.
Adicione a isso o fato de que a moda está longe de ser circular, ou seja, tudo que foi produzido cedo ou tarde irá para o lixo, e nós acabamos com o equivalente a um caminhão de lixo de têxteis sendo jogados em aterros sanitários ou queimados a cada segundo no mundo. Essa informação é (ou deveria ser) mais que suficiente para qualquer um, inclusive quem está no comando dessa máquina, colocar o funcionamento da moda em perspectiva e agir para mudar esse cenário.
A informação, que vem em forma de ultimato alarmante para os players do setor, é do novo relatório A Economia Têxtil: Redesenhando o Futuro da Moda, lançado na semana passada pela Ellen Macarthur Foundation, organização inglesa estabelecida em 2010 com a missão de acelerar a transição rumo a uma economia circular. O relatório, parte da iniciativa Circular Fibers Initiative, explora a importância da indústria da moda em adotar esta nova visão e criar colaborações entre empresas para alcançá-la.
Não é uma missão fácil. Como a própria Ellen Macarthur falou no evento de lançamento do relatório, no V&A Museum em Londres, a indústria têxtil de hoje é baseada num modelo linear desatualizado de extrair-produzir-descartar. Modelo extremamente poluente e que gera desperdícios absurdos não só de matérias-primas e recursos naturais, como também de lucros financeiros. Cerca de 500 bilhões de dólares é perdido todos os anos devido a roupas que mal são usadas e raramente recicladas. Afinal, desperdiçar recursos naturais é também desperdiçar recursos monetários.
O relatório vai além e igualmente chama atenção para a poluição causada pela produção e uso dos têxteis mais comuns na moda, como os estimados meio milhão de toneladas de microplásticos – o equivalente a mais de 50 bilhões de garrafas plásticas – jogados nos oceanos anualmente por conta do tratamento e lavagem das nossas roupas de poliéster. Notícia duplamente preocupante porque o poliéster é hoje a fibra mais usada na indústria da moda e a que está mais perto de se tornar passível de reciclagem.
Nesse ritmo, até 2050, a indústria da moda usará cerca de um quarto do orçamento de carbono do mundo
Mas como nós limpamos essa bagunça e fazemos tudo funcionar de uma maneira diferente? Para a Ellen Macarthur Foundation, em uma nova economia têxtil, a roupa seria projetada para durar mais tempo, ser usada mais vezes e ser facilmente alugada ou revendida e reciclada, e não liberaria toxinas ou poluição. Explorar novos materiais, modelos empresariais pioneiros, aproveitar o poder do design e encontrar formas de escalar melhores tecnologias e soluções são ações cruciais para uma moda mais circular e mais limpa.
Como já dito, isso só será possível com colaboração. Para uma indústria que sempre guardou segredo, chegar num entendimento de que a única saída é trabalhar juntos e coletivamente é outro desafio da nova economia têxtil. Compartilhamento de problemas, desafios e soluções, pesquisas e análises acessíveis para todos, inovação open source e articulação para criação de indicadores de melhores práticas deverão ser os novos paradigmas da indústria.
Líderes da indústria, incluindo os parceiros centrais H&M, Lenzing e a NIKE Inc., e a Fundação C&A e a Walmart Foundation, como financiadores filantrópicos, e mais de 40 marcas de moda influentes, empresas líderes, ONGs, órgãos públicos e especialistas contribuíram para a construção do relatório. As pesquisas e análises foram contribuições da McKinsey & Company e a estilista Stella McCartney aparece como uma rosto famoso parceiro do projeto.
Para saber mais, acesso o site da Ellen Macarthur Foundation no Brasil e baixe o relatório A Economia Têxtil: Redesenhando o Futuro da Moda (em inglês) por aqui.
Fundadora do Modefica interessada em movimentos sociais, é formada em Design de Moda, mas sempre teve um caso sério com o jornalismo. Escreve desde matérias e textos mais sérios, normalmente sobre sustentabilidade na moda, sua área de pesquisa, até artigos descontraídos. Às vezes compartilha suas receitas preferidas também. Você pode segui-la no Instagram e Facebook.
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