Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Este conteúdo é parte da serie de entrevistas “O Estado da Moda, 6 Meses Depois” onde vamos conversar com os personagens da moda brasileira (diretores criativos, estilistas, criadores de imagem, empresários) para entender a visão de cada um sobre o momento atual e sobre o futuro da moda, seu passado recente e o que funciona e o que não funciona mais. Que essas conversas possam apontar caminhos.

 

Flavia Aranha, 36, está à frente de sua marca homônima criada em 2009, e que se tornou um exemplo de como inserir práticas sustentáveis e responsabilidade social em produtos que equilibram desejo e propósito. Comemorou 10 anos de marca no ano passado, mesmo ano em que estreou na SPFW com um desfile aclamadíssimo. Em conversa por email, ela nos conta o que se passou nos últimos seis meses desde que o mundo foi parado pela pandemia.

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Quando a pandemia começou, em março…

…a gente estava se preparando para ampliar nosso negócio. Estava negociando uma parceria para  abrir uma nova loja e investir em pesquisa de inovação têxtil. A gente entendeu que nosso negócio tem alguns braços, funciona como uma TEIA. Então, crescimento pra gente não é apenas vender mais roupas, mas expandir nossos valores e impacto por meio de múltiplos negócios que se retroalimentam. 

O que mudou nesses 6 meses 

A gente redesenhou e repensou nossa estratégia. Mas entendemos que o caminho que desenhamos ainda faz sentido, então no fim continuamos com o mesmo objetivo.  Abriremos uma nova loja em novembro, estamos cuidando com mais afinco do nosso e-commerce e retomando as pesquisas de inovação têxtil, que é o que mais me faz sentido atualmente. Tenho conversado com alguns grupos de artesãos,  pessoas ligadas a esse caminho da inovação e do impacto, e o que tenho ouvido são notícias boas. Projetos que conseguiram qualidade de tempo para sair do papel,  muitas artesãs com pedidos até o final do ano… Enfim, me parece que existe um caminho, que já parecia fazer sentido antes da pandemia, que ganha corpo e densidade agora. De algum jeito, apesar da loucura política do nosso País, existem movimentos positivos acontecendo. 

Por aqui desaceleramos, mas continuamos na mesma direção.

Sobre pensar em desistir ou mudar completamente tudo

Nas primeiras semanas confesso que me imaginei morando na floresta, tendo tempo pra viver entre plantas e mulheres artesãs, me aprofundando na arte, na espiritualidade e na pesquisa. Foram sonhos bonitos. Percebi que tenho mil desejos e vontades para além do meu projeto. E entender isso me deixou ainda mais viva, com força e vontade de criar.  Mas ao mesmo tempo, ainda me parece que tenho coisas importantes para realizar dentro da marca, e isso me motivou a persistir. Continuo achando lindo ver a tinta soltar da planta e dançar na água, atravessando moléculas até conectar com  a fibra. Ainda suspiro com trabalhos artesanais, e me emociono com cantigas das fiandeiras e o barulho da roca de fiar. Ainda fico fascinada com as inúmeras possibilidades que a floresta pode oferecer! Então, apesar das planilhas, do capitalismo e do Bolsonaro,  eu tenho decidido continuar! 

“MINHA ESPERANÇA ESTÁ NA POSSIBILIDADE DE MODELOS DE IMPACTO POSITIVO GANHAREM MAIS PROTAGONISMO E FORÇA, E É PROVAVELMENTE NESSA DIREÇÃO QUE TENHO COLOCADO MINHAS ENERGIAS ATUALMENTE “

Sobre os impactos das questões socioambientais e culturais mais urgentes 

Acho que esses temas já eram temas comuns no meu trabalho e nas reflexões que venho fazendo sobre a moda desde 2009, quando abri o ateliê. Alguns desses temas, como o impacto socioambiental,  foram  inclusive  ponto de partida para a criação da marca.  Acho importante e fundamental que esses temas ganhem mais espaço, que fomentem discussões e transformações fundamentais no mercado. São pautas transversais, que reverberam em toda a sociedade.

Sobre os planos de curto prazo

Esse mês a equipe toda voltou ao trabalho, menos quem é grupo de risco que permanece em casa.  Todos de máscara, com os protocolos de distanciamento.  Mas a vida ainda é bem estranha. Faltam muitas experiências. Sinto saudades de viajar para pesquisa de campo e trabalho com cooperativas. Fazer roupa requer proximidade, toque. É um trabalho muito sensorial. Então fica estranho, mas aos poucos a gente vai se adaptando né?  

Sobre as vendas, criamos rotinas de envio de malinhas para  as clientes. Tem funcionado super bem. Fizemos parceria com a VistoBio, do Renan Serrano, que garante proteção das roupas que ficam  em quarentena. Então financeiramente estamos conseguindo segurar as pontas. 

Meus planos de curto (médio) prazo: férias numa praia deserta sem internet, abertura de uma nova loja no final do ano, desenvolvimento de uma nova fibra têxtil. Dentro do possível, estou animada!

Como vejo o futuro da criação de moda…

Tendo a achar que não haverão mudanças tão drásticas num curto período. Já faz tempo que o modelo de produção excessiva  é falido e que em algum momento esse sistema entrará em colapso.  Porque a moda está à serviço do lucro e não ao contrário. Acredito que o lucro precisa estar à serviço da moda e da sociedade para termos uma indústria saudável e criativa. Então, acho que havendo um colapso  pode haver mais espaço para iniciativas que se propõem a uma outra dinâmica. Vejo um ecossistema mais orgânico e fluido se formando. Roupas de aluguel, recicladas sob medida, virtuais.  Tecnologia têxtil, serviços e costureiras de bairro. Acredito que a ancestralidade  conectada às tecnologias de inovação  poderão gerar novos negócios, menos centralizados. 

Ao mesmo tempo, claro que grupos se fortalecerão e criarão hegemonias dominantes. Enquanto houver desigualdade social, haverá o fast fashion, ou modelos similares de exploração. Minha esperança está na possibilidade de modelos de impacto positivo ganharem mais protagonismo e força, e é provavelmente nessa direção que tenho colocado minhas energias atualmente ;)

POR AUGUSTO MARIOTTI

https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/o-estado-da-moda-6-meses-depoi...

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Respostas a este tópico

Estranho conceito :  Se essa pessoa vende algo pelo valor superior aos custos q tem, não se encaixa em modelos similares de exploração? Ainda mais, se coloca na sua folha de custos , gastos de retornos pessoais superior a renda média do Brasil, ela contribui para a desigualdade social que critica, pois defende uma renda para si superior a média de seu país. Ou será que a crítica só serve para os outros que não defendem os mesmos conceitos? Mesmo tendo conceito diferente os impactos de seus negócios sobre uma sociedade de exploração e de desigualdade são os mesmos.

Lembro q a renda média no Brasil está perto dos $1,5 mil. Renda q não torna possível  férias numa ilha deserta.

Então, creio q ela defende que todos tenhamos uma vida igual a dela. Então creio que as cooperativas que trabalham para ela possuem a remuneração que torna possível o mesmo estilo de vida para todos. Isso acontece, ou as cooperativas recebem um valor compatível com o mercado ?

O q falta é coerência entre discurso e ações. Mesmo q ela pague melhor q os outros.. mas não compatível com seu estilo de vida... sinto... é tão exploradora quanto o sistema que critica

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