Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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O feio está na moda; por que as pessoas estão usando peças de beleza duvidosa?

Chinelos de grife, pochetes, vestido de camponesa, 'daddy shoes'... Entenda a tendência das peças 'esquisitas'




A Gucci lançou novos modelos de sliders em sua parceria com o alfaiate Dapper Dan

A Gucci lançou novos modelos de sliders em sua parceria com o alfaiate Dapper Dan Foto: Ari Marcopoulos / Gucci / Divulgação

"Você vai em seu closet e seleciona aquele suéter azul cheio de bolinhas, por exemplo, porque você está tentando dizer ao mundo que se leva muito a sério para ligar para o que veste... Mas aquele tom de azul representa milhões de dólares e incontáveis empregos, então é meio cômico que você ache que fez uma escolha que te exclui da indústria da moda quando, na verdade, você está usando o suéter que foi escolhido para você pelas pessoas desta sala. De uma pilha de 'coisas'" - Miranda Priestly no filme O Diabo Veste Prada

A moda está sacaneando o público. Claro que está. 

Nas temporadas recentes, contra as regras de bom-gosto contemporâneas, ela decidiu que peças antes abominadas, como pochetes, Crocs, vestidos de camponesa e sapatos ortopédicos grandões são desejáveis.

É uma provocação estética. Uma cutucada. O objetivo é confundir os observadores casuais e deixá-los coçando a cabeça. Mas não é exatamente uma piada. Os designers não estão fazendo essas roupas para o próprio entretenimento. Não totalmente. A meta é sempre vender. 

E é aí que está: essas roupas são desajustadas e indiscutivelmente feias? Sim, e as pessoas vão comprar - porque são confortáveis, familiares e, ocasionalmente, práticas. A estética pode ser prejudicada. Os olhos irão se ajustar à nova beleza, eles sempre o fazem. Leva tempo e paciência, mas agora os jeans rasgados parecem normais, assim como as silhuetas oversized. Um vestido de gola alta com babados, estilo Laura Ingalls Wilder? É só aguardar. 

O pioneiro dos feios - adjetivo usado aqui com carinho - foi a Birkenstock. Conhecida por sua sola deselegantemente moldada em um material que lembra muito granola prensada, a sandália alemã foi reimaginada de uma maneira superluxuosa, em 2013, pela designer Phoebe Philo. Para seu desfile da Céline, ela fez uma versão em mink. Ela a levou a outro patamar. E vendeu cada par por 900 dólares. 

"Uma única modelo entrou na passarela usando um par de Birkenstocks, e os fashionistas ficaram boquiabertos porque finalmente estavam vendo algo diferente", explica Susie Scheffman, stylist e consultora de moda. "É como um esnobismo reverso." 

Não muito tempo depois, Susie viu uma foto da atriz Milla Jovovich na capa da revista Edit. "Ela usava uma camiseta branca masculina, calças brancas e uma Birkenstock preta" lembra ela. "Isso me tocou num nível profundo: eu quero ser ela." 

E quem resistiria? Isso não foi muito antes de a marca, que originalmente vendia suas sandálias a 125 dólares, fazer uma parceria com a Barneys New York para criar uma versão limitada forrada com shearling azul de 270 dólares. Uma colaboração com Rick Owens surgiu em 2018, comercializando sandálias de pelúcia por 420 dólares. 

Com seguidores devotos e a aprovação de podólogos, o sapato virou desejo ardente da moda. O fascínio da versão original foi polido. E sua irmã chique é tão confortável e usável quanto a primogênita. 

O desejo pela Birkenstock é um exemplar da tendência anti-fashion, como comenta Sara Maggioni, diretora de compras e vendas do WGSN. Em 2012, a marca vendeu 10 milhões de pares; em 2017, foram 25 milhões. "Sim, eles são feios", diz Sara. "Mas têm uma silhueta familiar. Não são assustadores."

O mesmo não pode ser dito sobre tênis gigantescos, Crocs de salto ou longos e esvoaçantes vestidos de camponesa. Os tênis, que fizeram sucesso em marcas como Balenciaga (895 dólares) e Maison Margiela (1645 dólares), são um agrupado de camurça, couro e malha que lembram uma colagem desajeitada. As solas - plataformas grudadas sobre plataformas - parecem um merengue moldado em borracha.

Os vestidos de camponesa, que também enchem os olhos, foram interpretados em múltiplas variações por Raf Simons na coleção de outono 2018 da Calvin Klein. Uma versão tem o comprimento até a canela, com o colarinho bordado. Só o seu profundo decote em V o diferencia de uma vestimenta Amish. Custo: 3900 dólares. Na Calvin Klein, o visual faz parte de uma coleção que explora uma grande faixa americana, que também inclui jaquetas de bombeiros, camisetas de cadetes e mantas que parecem herdadas.

"Não é apenas roubar as roupas de sua avó", ensina Sara. "Eles têm que ser adaptados aos gostos atuais." 

A grife Batsheva está 100% comprometida com o estilo Laura Ashley misturado com Gunne Sax e toques grunge. Um vestido de algodão de 420 dólares tem ombros bufantes e colarinho Peter Pan. Alguns têm bolsos na altura do peito. Às vezes, são combinados com chapéus coordenados para o máximo efeito. A Vogue ama. A matchesfashion.com vende eles junto a peças Prada e Saint Laurent.

Usar essas roupas com segurança é como atingir o olimpo da moda: alto nível de dificuldade, risco significativo de falha e tremendo direito de se gabar se tudo der certo. 

Mas por quê? Por que Batsheva Hay - que cresceu no Queens e não num vilarejo afastado em Nebraska, que é advogada formada em Georgetown e não uma fazendeira - criou uma linha inteira dedicada a vestidos de pioneiros que parecem que vêm com sua própria vaca para ordenhar? 

"Eu sempre amei vintage", explica. "Mas quando comecei a trabalhar como advogada, dez anos atrás, não podia usar as roupas que considerava achados. Daí eu pedi demissão, tive filhos e pensei 'posso fazer o que eu quiser'." 

Ela se mudou para o Upper West Side, em Manhattan, e notou que muitas das pessoas mais velhas estavam andando pela vizinhança com vestidos estilo Laura Ashley, tênis e pochetes. Sua mãe era hippie nos anos 1960. Seu pai era israelense. Seu nome é uma homenagem a uma figura do velho testamento que pode ser ligada ao feminismo. Depois de ter uma filha, ficou obcecada por roupas iguais para mães e filhas. Esse tornado de influências a levou a criar uma coleção retrô, Velho Mundo, que se recusa a sexualizar o corpo das mulheres, mas ainda assim brinca com a feminilidade. 

O vestido camponesa é "um estilo que mistura todas estas culturas. As pessoas os usavam na Europa Oriental e no sul dos Estados Unidos. Amo essas cores e estampas", explica Batsheva. "Comecei fazendo por desejo das pessoas e necessidade, e usei montes deles." 

Ela lançou sua coleção há dois anos. Suas roupas são desejo entre os entendidos de moda. E, se você os olhar com atenção e deixar seus olhos se acostumarem, talvez possa imaginá-los usados com o cabelo bagunçado e um par de botas, ou então tênis bem chiques. 

A única coisa que você não combinaria com esses vestidos são saltos altos. "Apenas me parece errado", comenta. 

Mas quando tudo isso começou?

A moda já flertou com a estética feia em outras ocasiões no passado. A mais notável foi nos anos 1990, quando a Prada fez sucesso com suas estampas desagradáveis e cores tenebrosas. Mas é melhor falar do retorno lembrando do normcore, tendência anti-fashion que surgiu em 2013, colocando roupas banais em alta. Coloque aí um pouco do estilo de pai. Misture com a 'perfeição falsa' do Instagram. Uma pitada de ódio pela moda do grande público. E não esqueça de tirar o chapéu para marcas como Vetements, Balenciaga e Gucci, que começaram a falar sobre beleza não ortodoxa e fluidez de gênero.

"No passado, luxo significava feminilidade. Era sinônimo de uma bolsa linda ou de um belo suéter de cashmere", conta Susie. "A maioria dessas peças são o oposto de feminilidade. É uma revolta contra o luxo que conhecemos", continua a stylist e consultora. "No lugar de chamar atenção com luxo extraordinário, eles procuram o mundano."

O visual anti-moda também ganhou adeptos entre os fashionistas que estavam procurando peças mais autênticas. Esses produtos exalam despretensiosidade.

Tudo isso é um lembrete de que a indústria da moda parou de ditar tendências. Os grandes conglomerados cederam o controle às redes sociais. E isso é o que faz nossos vizinhos também estarem usando. "O consumidor está ditando a moda do dia a dia", explica Shelley E. Kohan, professora no Fashion Institute of Technology e especializada em vendas. As marcas estão "recebendo o feedback, adaptando a informação e a colocando novamente nas prateleiras".

Em outras palavras, os consumidores são responsáveis por essa onda feia. Nós estamos sacaneando nós mesmos. Mas isso não significa que as pessoas, de alguma forma, neutralizam o poder hipnótico da moda. "Os designers olham em volta e dizem: 'se as pessoas querem usar Birkenstocks, vou fazer uma com a minha marca'. Então, eles criam uma sandália de veludo ou com pedraria", continua Susie. 

A Givenchy fez chinelos de borracha de 295 dólares com seu logo estampado na faixa. A Gucci tem um modelo recém-lançado em sua parceria com Dapper Dan. A versão de mercado do slide não custa mais do que 10 dólares. Se a autenticidade é a chave disso tudo, "é mais legal ter a versão de grife ou a original?", pergunta Susie. "A original é melhor, assim como qualquer outra coisa. É a coisa honesta e íntegra a se fazer."

Mas é preciso certa confiança para andar por aí com um par de chinelos de 10 "contos" sem marca. A maior parte das pessoas não tem. Elas preferem comprar um modelo da Fenty Puma by Rihanna, que custa 90 dólares, porque já viraram notícia e têm um selo de aprovação imaginário. "Os estilistas dão risada, porque eles ainda têm o poder de deixar todo mundo fanático."

Eventualmente, o pêndulo da moda irá balançar. O visual sem caimento e meio esquisito irá parecer datado. Produções mais refinadas e polidas terão cara de novidade. Ou superfemino e supermasculino serão desejo. 

Até lá, não tenha medo das pochetes, que hoje são usadas cruzadas, mas mesmo assim ainda lembram o visual típico de turistas. "É uma grande ressurreição. Elas são mais relevantes hoje em dia do que eram nos anos 1990", comenta Shelley. "E é uma maneira prática de ter seu telefone com você e mesmo assim ficar com as mãos livres."

Além de tudo, a moda feia é prática. 

Veja 10 itens polêmicos de marcas de luxo que fizeram sucesso:

Divulgação/Maison Margiela
Camisa sem tecido - Maison Margiela

A Maison Margiela fez fama promovendo roupas desconstruídas e seu estilista, John Galliano, é conhecido por suas criações provocadoras e fora do comum. Seu último lançamento, entretanto, parece ter ido longe demais para alguns fashionistas: uma camisa sem tecido, apenas com as costuras, mangas e gola. O preço? Cerca de R$ 3,7 mil. O site da marca sugere usar sem nada por baixo ou por cima de uma t-shirt, por exemplo


Foto: Divulgação/Maison Margiela

Ver Galeria  10


Divulgação/Supreme
Tijolo Supreme

Se o outfit sai por algumas centas de dólares, quanto custa um tijolo grifado? Sim, a Supreme (a marca de streetwear sensação cujo fundador acaba de ganhar um prêmio do Conselho dos Designers dos Estados Unidos) lançou um tijolo de argila com o logo da sua marca. Esgotou no mundo todo, mas pode ser encontrado no Ebay pela bagatela de R$ 1.900.

Divulgação/Vetements
Camiseta DHL Vetements

Em 2015, a Vetements causou uma febre ao lançar uma camiseta da DHL, uma empresa de entregas expressas alemã. A peça tomou conta do Instagram, das semanas de moda e até dos camelôs, que investiram em réplicas da grife. Agora, eles voltaram com a parceria, lançando um outro modelo, que está à venda por 565 dólares, cerca de R$ 2 mil reais


Foto: Divulgação/Vetements
Divulgação/Nike
Tênis Off-White x Nike

A colaboração do estilista Virgil Abloh para a Nike poderia até ser comum, se não fosse o lacre laranja presente em todos os tênis da coleção. E aí de quem tentar tirar, já que a peça perde totalmente o valor (e o sentido) sem ele


Foto: Divulgação/Nike
Divulgação/Balenciaga
Crocs Plataforma Balenciaga

Durante anos, as Crocs foram demonizadas por fashionistas. Até que, em outubro de 2017, a Balenciaga colocou em sua passarela o famoso calçado, em uma versão com salto plataforma de 10 centímetros de altura e cravejado de pins, entre eles uma bandeirinha do Brasil. Foi hit instantâneo: a edição do calçado vendida por cerce de R$ 3 mil esgostou na pré-venda


Foto: Divulgação/Balenciaga
Divulgação/ RImowa
Mala transparente Rimowa

A tradicional marca de malas Rimowa se uniu ao estilista Virgil Abloh, da Off-White e da Louis Vuitton Hommes, para lançar uma mala de viagem diferentona. Fizeram uma em policarbonato transparente. Nunca será tão fácil encontrar sua mala na esteira de bagagens do aeroporto...


Foto: Divulgação/ RImowa
REUTERS/Brendan McDermid
Chinelo de salto Fenty

Um híbrido entre sandália de dedo e salto alto. Foi esta a proposta do último desfile da Fenty, marca da Rihanna com a Puma. Para completar, a tira do sapato lembra uma tornozeleira de pranchas de surf. Vai encarar?


Foto: REUTERS/Brendan McDermid
Divulgação/Celine
Sacola plástica Céline

Até uma sacola pode causar desejo fashion. Um exemplo disso é a "bolsa" de plástico lançada pela Céline em sua coleção de verão 2018, que foi vendida por 750 dólares, o equivalente a R$ 2,4 mil


Foto: Divulgação/Celine
Divulgação/Nike
Chinelo pochete Nike

Por falar em Nike, outro lançamento recente da empresa que deu o que falar foi o seu novo chinelo slider. No lugar da tira, o modelo tem uma pequena pochete, que a marca sugere que as pessoas usem para levar dinheiro ou as chaves


Foto: Divulgação/Nike
Balenciaga / Divulgação
Camiseta double Balenciaga

Num fundamento típico de compre 1 e leve 2, uma camisa costurada numa camiseta, proposta do estilista Demna Gvasalia, da Vetements, para a Balenciaga. A peça (ou as peças) ainda em pré-venda no site da grife, custa 1290 dólares - aproximadamente R$ 4,7 mil


Foto: Balenciaga / Divulgação

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  Num fundamento típico de compre 1 e leve 2, uma camisa costurada numa camiseta, proposta do estilista Demna Gvasalia, da Vetements, para a Balenciaga. A peça (ou as peças) ainda em pré-venda no site da grife, custa 1290 dólares - aproximadamente R$ 4,7 mil

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