Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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O lado escuro da roupa barata
DetalhesPublicado em Terça, 26 Junho 2012 20:14 Escrito por Paulo Brito ..Em outubro do ano passado a Polícia Federal fez uma descoberta escandalosa: no porto de Suape, em Pernambuco, vários containeres estavam carregados com o lixo hospitalar – montanhas de roupas de cama utilizada em hospitais dos EUA, ainda contaminadas, destinada à empresa Império do Forro de Bolso, de Caruaru (PE).

Todo esse material era transformado, em três fábricas da Império, em insumo para fábricas de roupas, tanto do País como do exterior. Lençóis, fronhas e outras peças, descartadas como inservíveis, compradas a preço de lixo, eram transformadas em forros para bolsos dianteiros de calças masculinas e femininas.

Agora, junte-se a isso o fato de que há uma multidão de bolivianos entrando ilegalmente no Brasil para trabalhar costurando peças de roupa das sete da manhã às dez da noite, como aqueles que a TV Globo encontrou numa casa em Bady Bassit, no interior paulista: uma boliviana ganha R$ 500 por mês costurando 200 peças mensalmente, isto é, a R$ 2,50 cada. Nada de registro, férias, 13º, plano de saúde. Ou como os ilegais que o Ministério do Trabalho flagrou em São Paulo e Americana, trabalhando em condições análogas à escravidão, produzindo roupas para ninguém menos do que as conhecidas lojas Zara.

Por que isso acontece? A resposta é simples: no mundo inteiro, redes de lojas de roupas querem comprar barato para vender com bom lucro. Toda a indústria mundial de confecções –Zara, Forever 21, Target, H&M e outras – estão atreladas a uma complexa estrutura de produção e comercialização que se espalha pelo planeta, e que nos últimos anos se especializaram em transformar as roupas que usamos em bens tão descartáveis quanto embalagens – o que elas são, de certo modo.
Nossos pais e avós compravam roupas que deviam durar anos, e além disso sabiam consertá-las (ou as levavam a quem soubesse) quando necessário. Atualmente, a simples falta de um botão muitas vezes condena uma peça de roupa à sucata.

A jornalista norte-americana Elizabeth Cline, que já trabalhou para publicações como a o AMCtv.com, New York Magazine e New Republic, resolveu investigar a estrutura e as estratégias da indústria, assim como o comportamento dos consumidores, e publicou suas conclusões no livro Overdressed: The Shockingly High Cost of Cheap Fashion (ou "Roupa Demais: o Chocante Custo da Moda Barata", editora Portfolio Hardcover, 256 páginas).

A própria autora se surpreendeu ao notar que ela própria estava comprando em média uma peça de roupa por semana, entupindo seus armários com itens superbaratos. Mas sua ficha só caiu quando ela levou para casa sete pares de sapatilhas de lona idênticas, compradas por US$ 7 cada par, só porque tinham virado pechincha – na semana anterior custavam US$ 15.

Elizabeth reconheceu que havia roupa demais em seus armários: 61 tops, 60 camisetas, 21 saias, 24 vestidos, 20 pares de sapatos, 20 suéteres, 18 cintos, 14 bermudas, 14 jaquetas, 13 jeans, 12 sutiãs. Um total de 354 peças de roupa.

No passado não era assim: em 1929, conta ela, um típico homem de classe média tinha seis roupas diferentes; uma mulher tinha nove. Seu levantamento mostra que toda a indústria de confecções trabalha para que a moda dure o menor tempo possível, de modo que homens e mulheres se sintam ciclicamente compelidos a comprar novas roupas – do contrário, se sentirão socialmente excluídos por estar no mínimo fora de moda, e quem sabe ridículos.

Para que isso aconteça e para que os volumes vendidos sejam monstruosos, só mesmo oferecendo preços baixíssimos como os que a indústria vem praticando. E para consegui-los, só adotando estratégias como utilizar mão de obra escrava (ou semi) e matéria prima como a do Império do Forro de Bolso.
Os escândalos, infelizmente, não acontecem apenas no Brasil; há confecções em muitos países operando nas mesmas condições e com os mesmos objetivos – em Bangladesh, na China e, por incrível que pareça, até em Los Angeles.

A situação ficou tão ruim e a qualidade das roupas caiu tanto que, segundo Elizabeth, nem mesmo os brechós têm muito o que vender. Nos EUA, o Exército da Salvação, por exemplo, tem grandes brechós onde é possível comprar mobília e roupas usadas – mas atualmente as roupas estão rareando, porque roupa descartável não é aceita nas lojas.

Amoda, diz Elizabeth, é uma indústria que movimenta anualmente trilhões de dólares no mundo inteiro. E se chegou a esse ponto, afirma, foi também por causa do nosso comportamento consumista – incluindo o dela própria, que admite ter passado dos limites na frequência de compras e descarte de roupas.

Atualmente, conta a autora, o americano gasta em média US$ 1.700 por ano em roupas que raramente duram mais do que dois meses (seja por falta de resistência ou porque o hábito de sempre comprar mais faz com que ele descarte peça após peça com facilidade).

O efeito disso na indústria é que de 1950 para cá o consumo de fibras subiu de 10 milhões para 82 milhões de toneladas anuais, com o ciclo de vendas de roupas, antes regulado pelas estações do ano, passando de três meses para cerca de duas semanas.
As coleções de outono ou de verão são anunciadas e desfiladas nas épocas certas, mas na verdade as lojas não param de fazer liquidações a cada quinzena para manter o fluxo de caixa acelerado e a lucratividade em alta. Com camisetas a US$ 3 e vestidos a US$ 20, quem não compra? Esse é o jogo.


Paulo Brito é jornalista, graduado em Economia e mestre em Comunicação e Semiótica

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Olá. Se pensarmos bem, não são só as roupas (bens não duráveis) que tiveram este destino, e os alimentos, automóveis...O mais preocupante é o que realmente vira lixo, sucata ou seja um problema de descarte, quando as vezes até bem próximo a nós seriam de grande uso e valia para outros seres humanos iguaizinhos a nós, só com necessidades diferentes? Quem sabe refletindo em grande grupo encontraremos as soluções.
Um abraço a todos.

Simone

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