Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Em 1956 o artista desfila nas ruas de São Paulo um figurino para o homem dos trópicos

Por Raquel Medeiros

A diferença pauta a sua personalidade. A maneira de travar oposição às regras e convenções não decorre da teimosia e argumentações vazias, sem propósitos. É fruto de um olhar diverso, questionador e inquieto para uma época de mudanças conceituais sobre arte, cultura, atitudes e comportamentos sociais. É no princípio do século 20 que Flávio de Rezende Carvalho (1899-1973) encontra o habitat natural para seu espírito livre e ideias visionárias concretizadas em pinceladas, formas, estruturas e teorias. O artista plástico, engenheiro, arquiteto, desenhista, cenógrafo e representante "modernista" pela própria natureza também utiliza sua sensibilidade e racionalidade para opinar sobre a moda enquanto fenômeno antropológico. Insaciado pelas análises, em 1956 é contagiado pela prática: desenha um traje masculino que considera adequado ao clima tropical brasileiro e choca o público nas ruas de São Paulo desfilando saia de pregas, blusa de mangas bufantes, meia arrastão, chapéu de nylon e sandália de couro.

Polêmico, controverso, performático e anedótico. O fluminense de família aristocrática nascido em Amparo de Barra Mansa expõe o figurino do "homem dos trópicos" como experiência contemporânea do "New Look" acentuadamente feminino de Christian Dior. A proposta recebida como zombaria traz em si uma leitura da sua concepção de moda à frente do seu tempo e da história. À época, Flávio assina a coluna intitulada "A Moda e o Novo Homem" no Diário de São Paulo e questiona a indumentária brasileira herdada dos colonizadores e pouco afeita ao clima, como o terno e gravata. Antevê um modo próprio de vestir e estabelece discussões mais profundas sobre a roupa e suas conexões com a sociedade contemporânea. Em uma de suas publicações contextualiza a pluralidade da moda como "os costumes, os hábitos, os trajes, a forma do mobiliário e da casa". Tal filosofia apregoa que "é a moda do traje que mais forte influência tem sobre o homem, porque é aquilo que está mais perto do seu corpo e o seu corpo continua sempre sendo a parte do mundo que mais interessa ao homem".

Caminhando contra a corrente

 

O desfile do "New Look" masculino consta na biografia do artista como aExperiência Nº 3. Antes desse registro ele já figura no rol dos "debochados" pela Experiência de Nº 2, datada de junho de 1931 e marcada pelo antagonismo de ideias e ações que lhe é peculiar. Na Rua Direita - centro da capital paulista - durante procissão de Corpus Christi, Flávio faz o caminho inverso ao dos fiéis. De boné na cabeça contraria as normas religiosas e o sentido da marcha coletiva revestida de simbolismos. A manifestação tomada como blasfêmia resulta em prisão depois de escapar do linchamento proclamado pelos religiosos. Do experimento fez um livro que aborda o comportamento das massas embasado em estudos da psicanálise e da antropologia.

Incompreendido por seu tempo, Flávio de Carvalho está entre as referências modernistas mais contundentes das primeiras décadas do século passado, ainda que não goze do mesmo reconhecimento na história que confere méritos aos barulhentos  Oswald de Andrade, Graça Aranha, Manuel Bandeira, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade. Confortável na atmosfera experimental que capta na Europa do início do século XX, inova nas criações livres permeadas de informações cubistas, expressionistas e surreais que apontam as novas tendências da arte. A linguagem múltipla e incontida fala aos quatro cantos e ignora convenções. Os quadros de nus femininos, os projetos de arquitetura, os cenários para teatro e os ensaios sobre moda exibem uma porção do homem que se despe de preconceitos na "Paulicéia desvairada". A saia acima dos joelhos dá pistas para o futuro, antes de estilistas do porte de Jean Paul Gaultier, Yohji Yamamoto e João Pimenta apresentarem uma moda irreverente, como extensão do corpo e desvinculada de gênero.

 

Para saber mais: 

Livro: A Moda e o Novo Homem - Flávio de Carvalho (Editora Azougue)

Fonte: http://www.nasentrelinhas.com.br/noticias/costurando-ideias/349/o-n...

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