Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Em 1709, François Xavier Bon de Saint Hilaire presenteou o Rei-Sol Luís XIV com um par de meias de seda de aranha, produzidas a partir de centenas de sacos de ovos cuidadosamente colhidos. Volvidos mais de três séculos, a dificuldade da colheita foi superada e os comuns mortais terão, pela primeira vez, a oportunidade de comprar gravatas de seda de aranha sintética, graças ao trabalho da empresa de biotecnologia Bolt Threads.

Os gregos usavam os ovos para curar feridas e os pescadores da Nova Guiné utilizavam teias de aranha como redes para pescar peixes pequenos. No vestuário, porém, os fios do bicho-da-seda dominaram, até porque as aranhas sempre se mostraram resistentes à domesticação – quando sujeitos à domesticação, os aracnídeos acabam sempre por reagir da mesma forma: matam-se e comem-se. O que é lamentável, considerando a sua resistência – na mesma base por peso, a teia de aranha pode ser mais forte do que o aço e mais do resistente que a fibra de aramida usada nos coletes à prova de bala, por exemplo. Leve, elástica e incrivelmente resistente, a seda de aranha encerra um mundo de potencialidades. A AMSilk, produtora alemã da seda sintética Biosteel, estima que uma teia de fibra da seda de aranha «da espessura de um lápis pode apanhar um avião Boing 747 Jumbo carregado com o peso de 380 toneladas» (ver Aranha tece inovação na Adidas).

A seda de aranha é também é extremamente elástica e leve; alguns fios podem esticar até cinco vezes o seu comprimento antes de quebrarem. Os aracnídeos têm ainda propriedades antifúngicas reconhecidas.

Atraídos por estas promessas, alguns investigadores e empreendedores procuraram seguir os passos de Bon de Saint Hilaire ao longo dos anos, tendo-se deparado com o mesmo problema de escala. O cirurgião Burt Green Wilder, lembrado por ser pioneiro na utilização do termo “neurónio” em artigos científicos e por colecionar cérebros em conserva, relatou ter extraído 150 metros de fio de teia de aranha na Carolina do Sul. Wilder inventou ainda uma máquina de extração de seda que em nada se assemelhava às minúsculas homólogas medievais. A máquina de Wilder era um engenho inteligente, mas o cirurgião acabou por concluiu que tecer um vestido de seda de aranha exigiria o trabalho de cinco mil animais. Mais de um século depois, a ciência não tinha avançado muito. Em 1982, investigadores da universidade da Carolina do Norte ainda publicavam artigos que descreviam «um aparelho e técnica para a extração forçada de seda de aranha», uma versão atualizada do dispositivo de Wilder, capaz de acomodar dezenas de aranhas de cada vez.

Então, surgiu a revolução genética dos anos noventa e com ela a possibilidade de dotar espécies mais dóceis com o ADN para fazer seda de aranha. Bactérias de E. Colo geneticamente modificadas, levedura, planta de tabaco e até mesmo cabras poderiam fazer o trabalho dos aracnídeos.

O problema era que, mesmo com as aranhas removidas da equação, a dificuldade do processo permanecia, segundo Dan Widmaier, CEO e cofundador da Bolt Threads. A empresa optou, deste modo, por obter seda a partir de levedura fermentada em tanques de aço inoxidável com água e açúcar – uma configuração bastante simples. Mas as sequências de genes que codificam a produção de seda consistem praticamente em apenas duas das quatro moléculas que compõem o ADN, o que significa que são altamente repetitivas e fáceis de destruir. Explorar essas sequências para obter a levedura de forma a conseguir proteínas de seda, revela Widmaier à The New Yorker, foi um processo «doloroso», estimando-se que a Bolt Threads tenha passado por cerca de quatro mil formulações desde que foi fundada, em 2009. «Depois da fermentação e dos fungos produzirem a proteína, o próximo problema era como obter um filamento de alta qualidade para usar como matéria-prima para a fiação», explica.

A Bolt Threads não está sozinha na corrida à seda de aranha geneticamente modificada. No ano passado, a empresa japonesa Spiber usou E. coli para conceber uma parka para a The North Face e a Adidas estabeleceu uma parceria com a AMSilk para fabricar sapatilhas de seda-aranha sintética. Contudo, a Bolt Threads ganhou a corrida ao produto comercial – apesar dos números serem tão pequenos que a empresa está a escolher os seus compradores por sorteio. De momento, as gravatas não são mais fortes do que o aço, à prova de bala, à prova de água nem super elásticas – Widmaier recomenda manuseá-las com cuidado, mas adianta que a empresa está a trabalhar com a Patagonia em vários produtos mais ambiciosos.

A Bolt Threads está também preocupada com o impacto ambiental. A indústria têxtil produz as águas residuais altamente poluentes, em grande parte devido ao recurso a corantes sintéticos, de modo que a empresa está a explorar a extração da cor da levedura, a par da seda. Além disso, como normalmente é feita a obtida a partir de matérias-primas naturais, a fibra é completamente biodegradável e uma alternativa sustentável aos sintéticos derivados do petróleo, como o poliéster e a poliamida. «No final, estamos a fazer fibras baseadas em proteínas que têm cortes e texturas e propriedades que se assemelham à lã, poliamida ou a algo totalmente novo», afirma Widmaier. No futuro, a seda de aranha pode resultar em produtos tão diversos como equipamentos militares e embalagens farmacêuticas, mas o CEO da Bolt Threads ressalva que o seu sonho é bem mais simples: ter uma camisola melhor, mais durável e mais confortável.


FONTETHE NEW YORKER
http://www.portugaltextil.com/o-planeta-das-aranhas/
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Muito  ilustrativo o texto, a informação é fundamental. Graças a estes pesquisadores persistentes Grata

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