A menos de dois meses da próxima Conferência do Clima, especialistas da indústria fazem o retrato do progresso que a indústria da moda está a fazer para atingir os seus compromissos climáticos.
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC COP29) acontecerá em Baku, no Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro, e todos os olhos estarão voltados para o sector da moda para demonstrar o progresso feito no combate às mudanças climáticas desde a última conferência e o quão perto está de atingir a meta de zero emissões líquidas até 2050.
Sob a Carta da Indústria da Moda para a Ação Climática das Nações Unidas, criada em 2018 para fornecer um caminho para que a indústria alcance emissões líquidas zero até 2050, em linha com os esforços globais para limitar o aquecimento a 1,5 °C, a indústria mundial da moda comprometeu-se a obter 100% de eletricidade de fontes renováveis até 2030, a adquirir matérias-primas mais ecológicas e eliminar o carvão da cadeia de aprovisionamento até 2030.
Mas mesmo antes do evento do ano passado, o secretário executivo da Convenção das Alterações Climáticas das Nações Unidas, Simon Steill, manifestou dúvidas de que a indústria consiga atingir as suas ambiciosas metas. «É bom, mas não é bom o suficiente», afirmou na altura. «Depois de cinco anos, a indústria da moda simplesmente não está no ponto em que podemos dizer que está realmente a mudar e que a implementação está realmente a acontecer. Menos da metade dos signatários ativos estão em conformidade com a definição de metas climáticas necessárias para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius. No geral, as suas extensas cadeias de aprovisionamento também não estão alinhadas com as metas da Carta. Esta é a realidade», sublinhou.
Segundo este responsável das Nações Unidas, as emissões do sector da moda continuam «assombrosas», emitindo anualmente a mesma quantidade de gases de efeito estufa que as economias da França, Alemanha e Reino Unido juntas.
«Este sector precisa de se mover mais e mais rápido», apontou Simon Stiell. «É preciso acelerar o ritmo de implementação desta Carta e alargar o seu alcance. As emissões têm de cair o mais rápido possível», observou, acrescentando que para chegar lá seria necessário um grau radical de colaboração, sustentado pela responsabilização para garantir que as empresas cumprem as promessas que fizeram.
Avançando para os dias de hoje, o cenário mantém-se, com novos dados da organização sem fins lucrativos Cascale a darem conta que 1.500 unidades de produção em nove países são responsáveis por 80% das emissões de carbono de toda a indústria. Além disso, entre os seus membros, 33% das marcas e 54% dos produtores não definiram metas baseadas na ciência.
«Apesar de algum progresso positivo nos últimos 12 meses, a realidade é que a indústria de bens de consumo – da qual o sector da moda constitui uma parte significativa – ainda não está a fazer o suficiente para combater a crise climática e é hora de uma mudança disruptiva. Precisamos agir de forma mais ousada e urgente para abordar a crise climática como um coletivo», afirma, ao Just Style, Andrew Martin vice-presidente executivo da Cascale
Desde então, a organização passou a tornar a filiação dependente da adesão ao seu Programa de Descarbonização e da definição de metas baseadas na ciência ou alinhadas com a ciência. A Cascale definiu uma meta de redução de emissões de 45% para a indústria têxtil, de vestuário e calçado até 2030, em linha com o Acordo de Paris.
Ainda muito por fazer
«A necessidade de mudança nunca foi tão clara. Durante os primeiros seis meses de 2024, metade dos países do G20 experienciaram eventos climáticos extremos. Junho foi o 13.º mês consecutivo de temperaturas globais com média de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Estamos a avançar em direção a um ponto de não retorno e a COP29 é um fórum crítico para gerar ação e acordo de países de todo mundo», acrescenta Andrew Martin. «Considerando a enorme influência que a indústria da moda tem – assim como a influência que muitas empresas e marcas individuais têm – cabe-nos a nós estar na vanguarda da mudança», acredita.
Nicole Rycroft, fundadora e diretora executiva da organização sem fins lucrativos Canopy, considera que a indústria não está a fazer os avanços necessários. «Como um todo, não houve suficientes avanços climáticos substanciais. Algumas empresas individuais tomaram medidas encorajadoras no ano passado – adotaram produtos circulares pioneiros que estão no mercado, inclinaram-se para ajudar a escalar a produção de nova geração, investiram em inovação, trabalharam com a sua cadeia de valor para fazer a transição de sistemas convencionais de produção e energia, mas não houve a onda de marcas necessária para realmente mudar a cadeia de valor», destaca ao Just Style.
A responsável da Canopy acrescenta que mais de 80% do impacto de carbono das marcas são atribuíveis às suas emissões de Âmbito 3, com uma divisão igual entre matérias-primas e energia usada na fabricação. «A transição para renováveis será crítica, mas por si só será insuficiente. As marcas também devem acelerar a transição dos seus materiais de uma produção “retirar, fazer, descartar” dependente de florestas ricas em carbono e outras fontes de baixo impacto para alternativas circulares de baixo impacto», refere.
Lewis Perkins, CEO e presidente do Apparel Impact Institute, explica ainda que há um «obstáculo significativo» nas emissões do Âmbito 3, que são responsáveis por 96% da pegada de carbono da indústria. «Embora esforços como o Clean by Design tenham reduzido o uso de energia em 17% em mais de 200 unidades, as emissões gerais aumentaram ligeiramente em 2023, para 0,897 gigatoneladas, indicando que, embora algumas marcas estejam a reduzir as emissões, a indústria como um todo ainda está fora do ritmo».
Além disso, aponta, apenas 6% das grandes marcas divulgam investimentos em descarbonização da cadeia de aprovisionamento e muitas não têm metas de energia renovável, deixando o sector atrás das metas da COP28. «Tendo em conta a urgência de cumprir as metas climáticas, manter as emissões estáveis não é suficiente e os aumentos modestos nas emissões não podem continuar», indica.
Segundo Andrew Martin, «para criar uma mudança duradoura, temos de garantir que a circularidade é integrada como uma decisão de negócios de cada iteração do processo de design, produção e manufatura. Tem de ser a norma».
Já Nicole Rycroft argumenta que a criação de mudanças duradouras começa na causa raiz. «A ciência é clara: não há caminho para limitar o aquecimento global abaixo dos níveis críticos ou prevenir a extinção em massa que não inclua uma conservação florestal significativa. Globalmente, o desmatamento e a degradação geram mais de um décimo das emissões anuais de gases com efeito de estufa e a indústria madeireira deve contribuir com 3,5 mil milhões a 4,2 mil milhões de toneladas de CO2e para a atmosfera anualmente nas próximas décadas. Ainda assim, a cada ano, mais de 300 milhões de árvores são cortadas para serem transformadas em tecidos celulósicos como viscose e rayon e mais de 3 mil milhões de árvores são derrubadas para embalagens de papel», enumera.
Como tal, o sector da moda tem uma grande oportunidade de ser um líder climático, bem como um precursor de outros sectores intensivos em carbono.
«Mudar do risco climático para o baixo carbono requer que a moda transforme cadeias de aprovisionamento insustentáveis (…) em alternativas circulares de baixo carbono, como as soluções de nova geração. Estas alternativas, feitas de matérias-primas de baixo impacto que normalmente consideramos como “resíduos”, como restos de tecido ou mesmo restos de alimentos e resíduos agrícolas deixados após as colheitas, usam 70% menos energia e causam cinco vezes menos impacto à biodiversidade», salienta a responsável da Canopy.
«Acelerar a expansão dessas soluções revolucionárias é fundamental numa altura em que o sector procura mitigar os riscos de aprovisionamento, garantir um fornecimento estável de materiais para o futuro e avançar nas suas metas climáticas», acrescenta.
Conseguirá a indústria da moda atingir as suas metas climáticas?
É improvável que o sector esteja em destaque na COP deste ano, antecipa o Just Style, no entanto, há a expectativa de que as empresas que assinaram compromissos expliquem o progresso e as medidas que estão a tomar para atingir as metas globais de 2030 e 2050.
«Embora as metas climáticas internacionais sejam uma parte fundamental do caminho da indústria da moda para lidar com o seu impacto climático, acreditamos que a COP30, em particular, levará as empresas a ações mais ambiciosas que abordem as suas pegadas de carbono e impactos na biodiversidade. Isso ocorre porque as contribuições determinadas a nível nacional de 2025 apresentarão um plano nacional com um horizonte de tempo de 2035 na COP30 e acreditamos que a indústria da moda terá um papel importante nesses planos nacionais», justifica Nicole Rycroft.
Mas isso não significa que o sector se pode dar ao luxo de tirar o pé do acelerador, principalmente porque várias leis estão a ser aprovadas globalmente, exigindo que as empresas relatem o seu impacto ambiental e social, como a Diretiva de Diligência Devida de Sustentabilidade Corporativa da UE.
«Por exemplo, o Regulamento Europeu de Desflorestação, previsto para entrar em vigor no final deste ano, proibirá a importação de quaisquer produtos ligados à degradação do solo ou desmatamento. Para serem competitivas no mercado global, as empresas têm agora de ter um nível básico de responsabilidade e sustentabilidade», sublinha Nicole Rycroft.
À medida que a COP29 se aproxima, a indústria da moda enfrenta uma «oportunidade empolgante, mas crítica» de se mobilizar e liderar a carga na resposta às mudanças climáticas, acredita Lewis Perkins.
«A cada ano na COP, os signatários da Carta da Indústria da Moda para Ação Climática da UNFCCC partilham atualizações e os fornecedores apelam para que haja coinvestimento na descarbonização do Âmbito 3. Embora tenhamos visto alguns investimentos ousados de alguns líderes, agora é a hora de mais marcas se juntarem a eles e transformarem compromissos em ações significativas. Com a última contagem regressiva de cinco anos para 2030 a chegar, os próximos 12 a 18 meses são cruciais. A oportunidade está aqui para as marcas acelerarem os seus esforços de descarbonização e estarem na vanguarda das soluções que a nossa indústria precisa urgentemente», aponta. «Há espaço para mais marcas se envolverem – e fazerem uma grande diferença – ao escalar rapidamente essas soluções em unidades produtivas e atingir as metas de 2030», conclui.
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