Em quatro décadas, a agricultura brasileira passou por uma revolução. No início dos anos 1970, antes do primeiro choque do petróleo, os brasileiros gastavam 40% de seu salário com a compra de alimentos. O arroz na mesa das famílias, de Norte a Sul, vinha das Filipinas, o trigo era comprado da Argentina, embarques de carne bovina chegavam da Austrália todos os meses. Com investimentos em alta tecnologia, principalmente na Embrapa, a abertura da fronteira agrícola no Cerrado e financiamentos, o setor realizou uma virada histórica. Nas últimas duas décadas, cresceu perto de 7% ao ano, prescindiu de subsídios do governo, ampliou a escala e a produtividade com inovações. Responsável por cerca de 30% do PIB brasileiro e 37% dos empregos gerados no País, tornou-se mais competitivo, abastece plenamente o mercado interno, ganha espaço nas gôndolas de supermercados de todo o mundo e tornou-se a principal contribuição positiva da balança comercial nos últimos anos.
Caminho oposto seguiu a indústria de transformação, com peso superior a 30% no PIB no início da década perdida de 1980. Trinta anos depois, sua participação caiu para menos da metade, pressionada pela crise da dívida externa da década de 1980, câmbio valorizado, custos elevados e problemas de infraestrutura e logística. O Brasil continua hoje entre o seleto grupo dos 20 países concentradores de 80% da produção industrial no mundo, mas a fragilidade das suas empresas é cada vez maior, assim como a sua inserção nas cadeias globais de valor. No início da década de 1980, quando o Brasil registrava 1,3% de participação no comércio mundial, sua melhor marca histórica, as exportações alcançavam 25 bilhões de dólares, o mesmo patamar da China naquele ano. Com fatia superior a 10% do comércio mundial, as vendas externas desse país superam 2 trilhões de dólares e impulsionam a economia mundial.
Para o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Julio Gomes de Almeida, o Brasil vive um processo de desindustrialização há algum tempo. Nos últimos seis anos, houve uma perda de 5 pontos porcentuais da participação do setor no PIB, para 12%. Em algumas cadeias, o tombo foi maior: em eletroeletrônicos atingiu 25% e nos têxteis, chegou a 30%. “A indústria está em trajetória de encolhimento. Ou se mexe a fundo nisso, ou teremos uma indústria de baixo dinamismo para sempre. Sem reformas, não haverá avanços”, destaca Almeida. Se o Brasil quiser pular de patamar na renda per capita, dos atuais 12 mil dólares para 20 mil dólares em 15 a 20 anos, será preciso melhorar a infraestrutura, reconstruir a manufatura e fortalecer os setores de serviços e de agronegócios.
O setor industrial é afetado pela baixa produtividade. Hoje o parque industrial tem 16 anos em média, acima dos dez anos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “As grandes empresas estão atualizadas em capital fixo, mas as pequenas e médias poderiam contar com um programa de renovação das máquinas e maior apoio à automação. Isso teria impacto na inovação desse segmento”, avalia Almeida.
A participação declinante da indústria brasileira coincidiu com a ascensão da China, principal responsável pelo dinamismo das exportações agrícolas. “Há um movimento geral de fragmentação da manufatura no mundo. As densidades das cadeias são orientadas por alguns fatores, tais como a distância geográfica entre a oferta e a demanda, políticas comercial e industrial, custos de transação e infraestrutura eficiente”, explica o conselheiro sênior sobre BRICS do Banco Mundial, Otaviano Canuto. “O custo de oportunidade para integração local aumentou nos últimos anos. Seria possível apostar em cadeias baseadas em recursos naturais e com foco em barateamento de insumos e produtos como petroquímica, agronegócio, mineração e fazer essa interação com o setor de bens de capital”, observa.
Nos últimos 20 ou 30 anos, o Brasil ficou fora da evolução da indústria global, principalmente de setores de transformação tecnológica mais intensa, como o eletroeletrônico. Em paralelo, o câmbio e os custos fizeram estragos em elos importantes. A participação dos produtos químicos de uso industrial importados alcançou, em julho, a marca de 35%, maior nível desde o início dos anos 1990, segundo a Associação Brasileira da Indústria Química. Essa perda de competitividade resultante de câmbio valorizado, juros elevados e energia em alta coincidiu com a ascensão e a diversificação da indústria da China. O Japão tinha 80% das exportações globais de televisores. Com o aumento da participação de produtos chineses, hoje responde por apenas 30%.
Durante esse movimento, o País perdeu densidade em várias cadeias industriais e passou a exportar mais produtos primários. Para a China, além do minério de ferro, são embarcados milhões de toneladas de soja, uma das principais commodities importadas pelo país asiático. O desafio é aumentar o valor agregado a bens agrícolas e fortalecer a indústria nacional.
Indústria e agronegócio podem se reforçar reciprocamente. Os produtores brasileiros são líderes mundiais em soja, carnes, açúcar, álcool e café. Essa posição pode se reforçar nos próximos anos: de cada quatro hectares disponíveis no mundo para serem convertidos em campos agrícolas, um encontra-se no Brasil. Na outra ponta, a demanda será crescente. A demanda por alimentos no mundo deverá dobrar até 2050, aponta um relatório da FAO. Para dar conta desse potencial, mais de 25 bilhões de reais em investimentos em diversas áreas deverão ser realizados nos próximos três anos nas áreas de alimentos, fertilizantes e biocombustíveis. Para o diretor do Instituto de Economia da Unicamp, Fernando Sarti, “a economia brasileira passa por um momento positivo, com projetos estruturantes em vários setores, capazes de criar inovação, mas o grau de desenvolvimento tecnológico dependerá de uma política industrial proporcionadora de desdobramentos no País e de uma demanda firme em setores como energia, mineração e agroenergia”.
Indústria e agronegócio terão presença crescente na China e isso representa risco e oportunidade. O País já está entre os principais interessados em investir nas concessões de ferrovias e portos a serem realizadas pelo governo federal. Esse movimento aumentará as vendas de produtos primários para processamento no país asiático. Para a indústria, o risco é maior. Grandes estatais já investem com força em alguns segmentos no País. A State Grid já é uma das maiores no segmento de transmissão de energia elétrica. Outra estatal, a Three Gorges, adquiriu participação na portuguesa EDP, com presença nas áreas de distribuição e geração no Brasil. Uma parte do capital da CPFL Energia, em poder de fundos de pensão, também estaria na mira chinesa.
As estatais CNPC e CNOOC, vencedoras, com a Petrobras, a Shell e a francesa Total, da licitação do megacampo de Libra ano passado, devem reforçar sua presença em território brasileiro nos próximos anos. Essa presença é vista com receios por empresários. “Com capital abundante e custos muito baixos de produção, parte das peças e equipamentos poderá vir direto da China. Isso cria dupla preocupação: vamos apenas montar aqui ou trazer kits prontos?”, diz o presidente de uma associação de infraestrutura.
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Em algumas cadeias, o tombo foi maior: em eletroeletrônicos atingiu 25% e nos têxteis, chegou a 30%. “A indústria está em trajetória de encolhimento. Ou se mexe a fundo nisso, ou teremos uma indústria de baixo dinamismo para sempre.
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