Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

No lugar de tecido, linha e agulha, Paco Rabanne usou metal, arame alicate em construções além do tempo.

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Foto: Getty Images e Paco Rabanne / O estilista Paco Rabanne prova uma de suas criações na modelo, em seu ateliê em Paris, em 2006

A Espanha sempre nos deixou um significativo legado nas áreas artísticas. Na literatura, de Miguel de Cervantes (1547- 1616) a Maria Dueñas (nascida em 1964); no cinema, de Luis Buñuel (1900-1983) a Pedro Almodóvar (nascido em 1949); na arquitetura, de Antoni Gaudí (1852-1926) a Santiago Calatrava (nascido em 1951); nas artes visuais de Diego Velásquez (1599-1660) e Francisco de Goya (1746-1828) a Pablo Picasso (1881-1973) e Salvador Dalí (1904-1989). Na área da moda não foi diferente: a Espanha renascentista, ao tempo das circunavegações, nos deu o uso do preto; o vestido vertugado e a gola rufo, grandes referências da moda de então, antes mesmo de ela ser ditada pela França.

Nas criações de um passado mais próximo, no princípio do século 20, tivemos o talento de Mariano Fortuny (1871-1949) com seus drapeados e o famoso “Vestido Delphos”; em meados desta mesma centúria fomos agraciados com o incomparável trabalho do maior nome da alta-costura de todos os tempos, Cristóbal Balenciaga (1895-1972); e, nos revolucionários anos 1960, a moda transgressora e inovadora do “metalúrgico” Paco Rabanne (1934-2023), assim apelidado por Coco Chanel (1883-1971).

Paco Rabanne nasceu Francisco Rabaneda Cuervo, a 18 de fevereiro de 1934, em San Sebastián, na região basca da Espanha. O seu pai, oficial do exército republicano, foi morto durante a Guerra Civil Espanhola. Sua mãe era costu- reira chefe de Cristóbal Balenciaga, em San Sebastián. Com a morte do pai, a família mudou-se para a França, em 1939, e se instalou em Morlaix, região da Bretanha.

Francisco Rabaneda estudou arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Paris, entre os anos de 1952 e 1963, onde desenvolveu significativo interesse (e talento, obviamente) pela busca de novos materiais e, consequentemente, também pela busca de novos volumes e espaços tridimensionais. Ganhou prêmio na Bienal de Paris, em 1963, pela criação de uma “escultura habitável”.

Foto: Getty Images / Vestido da coleção pre-fall 2023

Para seu sustento financeiro durante os anos escolares, realizou maquetes e desenhos, o que lhe favoreceu entrar no mundo da moda; especialmente criando sapatos para Charles Jourdan, para quem fornecia uma trintena de desenhos por mês, isto durante seis anos; além de ter desenhado bolsas, durante oito anos, para Roger Model. Em 1959, o Women’s Wear Daily, publicou uma série de seus desenhos de silhuetas para a alta-costura, agora já assinados como Franck Rabanne, o que é considerada a sua primeira manifestação pública usando um nome artístico. O nome Paco Rabanne, finalmente, passou a ser usado a partir de 1965, com sua primeira coleção.

Com a ajuda familiar, já que sua mãe tinha trabalhado com a moda, começou a desenvolver bordados e botões, estes com materiais inusitados, especialmente o Rhodoïd (tipo de plástico com grande semelhança ao celuloide). Inserido no universo da moda, passou a fornecer para as casas de costura de Nina Ricci (1883-1970), Cristóbal Balenciaga, Hubert de Givenchy (1927-2018), Pierre Cardin (1922-2020), André Cour- règes (1923-2016), Maggy Rouff (1896-1971), entre outras.

Neste processo de incursão à moda, saiu do universo de fornecedor para apresentar suas próprias criações. Em 1965, compõe sua primeira coleção de moda com 12 vestidos usando “materiais contemporâneos”, apresentados em 1o de fevereiro de 1966, numa sala do emblemático Hôtel George V, em Paris. Substituiu as tradicionais apresentações dos desfiles de alta-costura por uma verdadeira performance de modelos dançando com pés descalços e roupas feitas em alumínio e Rhodoïd, aproximando-se muito mais a uma criação das artes do que de peças usáveis. Eis que, mesmo causando grande impacto e questionamentos, o reconhecimento de seu talento inovador tinha acabado de chegar.

Estabelecido entre os grandes nomes da moda de então, Paco Rabanne continuou com sua pesquisa de novos materiais para serem utilizados nas suas criações, mantendo-se fiel, em todo o seu percurso, aos tidos como inusáveis para as roupas. A genuinidade e a originalidade foram-lhe características marcantes e inconfundíveis; além do brilho metálico prateado, o que nos passa a ideia de tempos vindouros e elucidações de uma nova era.

Pastilhas de Rhodoïd em cores vibrantes e fosforescente; placas de metal unidas por aros (também em metal); pedaços de couro revestidos e depois unidos em tricotagem; plástico; papel mesclado de náilon; matérias vinílicas; rendas plastificadas; penas de avestruz, entre outras possibilidades. Chegou até mesmo a fazer um vestido, em parceria com o joalheiro Arnaud Clerc, com 1000 placas de ouro, tendo, inclusive, incrustações de 300 quilates de diamantes na altura do colo, que foi usada pela cantora Françoise Hardy (nascida em 1944) na Exposição Internacional de Diamantes, em Paris, no ano de 1968. Foi dito à época, que para sair às ruas com uma roupa dessas era preciso no mínimo de três guarda-costas. Para o cinema, além de vestir outras atrizes, também fez figurino para Audrey Hepburn (1929-1993) e Jane Fonda (nascida em 1937), sendo este um enorme sucesso no filme Barbarella (1967, com direção de Roger Vadim [1928-2000])

"A genuinidade E A originalidade FORAM-LHE características MARCANTE E inconfundíveis; ALÉM DO BRILHO metálico PRATEADO, o QUE NOS PASSA A IDEIA DE  tempos vindouros E ELUCIDAÇÕES DE UMA nova ERA."

Foto: Getty Images / Look do resort 2023. Tudo com a assinatura do atual diretor criativo da Paco Rabanne, Julien Dossena.
Foto: Getty Images / Vestido feito com triângulos de couro, em 1967

Em 1969, enveredou-se pelo prêt-à-porter e também lançou bolsas e sapatos com as mesmas características inovadoras; isso tudo, além das roupas, em conformidade com o ar dos tempos associado à conquista espacial. Parecia que o futuro tinha realmente chegado. Era o Zeitgeist do momento.

Também no ano de 1969 lançou o perfume Calandre, tornando-se umas das fragrâncias mais usadas nos anos 1970. Calandre (“Calandra”, em língua portuguesa) é o nome de uma máquina composta de cilindros para alisar, lustrar, acetinar e dar brilho ao tecido ou ao papel. O frasco, de formas simples e geométricas, que é uma associação do vidro com o plástico, foi inspirado no prédio da Sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, o que reforça o conceito urbano e arquitetônico purista com o uso do metal e do vidro. Tratou-se de um floral feminino com pitadas de acordes “metálicos”, que evocava “o vento, a velocidade, a liberdade e a independência”. Desenvolveu também Métal, em 1979 e Ultraviolet, em 1999, entre outras. Em 1983, lançou o prêt-à -porter masculino e, em 1986, a sua casa de costura passou a ter o controle da família Puig, com a qual já havia elaborado os perfumes.

Depois destas breves referências biográficas, vale uma pequena reflexão do seu processo criativo, um verdadeiro laboratório de criação. Paco Rabanne, com muita propriedade, teve a capacidade de unir passado-presente-futuro. Seu senso estético de futuro, com referências do passado, foi favorecido e aplicado pelas tecnologias de então. Quando nos anos 1960 lançou suas coleções associadas a tempos vindouros, ele não  deixava de viver intensamente um presente e, também, estar vinculado ao passado, pois suas roupas com placas e aros de metal foram verdadeiras associações visuais e técnicas às armaduras e cotas de malha medievais, todavia, com a atualização ao momento da Era Espacial e à perspectiva do advir. Associação muito perspicaz unindo épocas distintas e leituras diferenciadas. O futuro de Uma odisseia no espaço não chegou da maneira idealizada por Rabanne; mas no que tange à sua continuidade criativa, pode-se dizer que ele também foi arauto em outros tempos com novas idealizações de roupas com materiais até então inusitados. Em 1992, criou roupas femininas usando fragmentos plásticos de garrafas pet, o que pode-se refletir em também anunciar uma nova era vinculada ao upcycling, tão importante e em voga nos dias atuais, já em pleno século 21. Paco Rabanne abriu espaço para toda uma geração de novos profissionais da moda que passaram a utilizar materiais não usuais para a criação de roupas.

Com toda a sua contribuição ao mundo da moda associada à ideia de futuro, Paco Rabanne também era um tanto quanto esotérico. Em julho de 1999, anunciou sua retirada da moda. Rabanne vendeu sua marca ficando só com o setor da perfumaria, acreditando num apocalipse de fim de década, fim de século e fim de milênio, simultaneamente. Publicou alguns livros, entre eles um, em 1999, intitulado Le feu du ciel (“O fogo do céu”) mesclando otimismos e pessimismos num texto alarmante de acordo com sua visão de mundo.

Se o jornal francês Le figaro noticiou suas criações, nos anos 1960, com a frase “Ele quer plastificar o mundo”; se Chanel disse que “Ele não é um alfaiate, mas um metalúrgico”; Salvador Dalí foi bem mais pragmático ao dizer: “Ele é o segundo gênio da Espanha, depois de mim.”

Foto: Getty Images / Atualização da estética criada por Paco Rabanne para o resort 2023 da marca que ele criou

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