Fazia cinco anos que Paula Raia não apresentava uma coleção na passarela. A última vez foi durante uma São Paulo Fashion Week, em 2017. Desde então, a estilista explorou novas formas de introduzir as novidades, ora de maneira intimista, ora propondo experiências mais sensoriais. Há sempre uma história energética, espiritual ou esotérica por trás dos processos criativos e das roupas da marca.
Na temporada passada, por exemplo, a de verão 2022, Paula viajou com sua equipe para Lajedo de Pai Mateus, na Paraíba, para gravar um desfile a céu aberto. A coleção tentava explorar a relação do tempo sobre nós, a natureza e as roupas, numa vibe ritualística, quase holística. Agora, para o inverno 2022, o ponto de partida é aquele estado meio dormindo, meio acordado, em que os sonhos se misturam com a realidade, o material com o imaterial.
A cenografia e direção de arte (assinadas por Ana Arietti) entregavam bem o tema. O Vol. C da loja MiCasa, em São Paulo, foi transformado numa sala branca, coberta por tecidos da mesma cor e decorado com poltronas e sofás antigos de diferentes estilos. O espaço tinha algo de sonho, um ambiente que só existe na memória, meio empoeirado, meio difuso, carregado de lembranças e sensações.
Na coleção, a sensação de algo conhecido com algo novo ou ainda não 100% materializado aparece por meio de recortes e sobreposições assimétricas, mistura de tecidos e um trabalho de volumetria ora controlado, ora exagerado. É um babado que contorna apenas um lado de um top tipo bustiê, um cinto com maxilaço que vira uma quase saia, se funde ao vestido.
Algumas silhuetas são clássicas da marca: a cintura marcada com volume no quadril, tipo balaústres, os decotes profundos e caídos sobre os ombros, as partes de cima estruturadas ou encorpadas com saias transparentes. Outras, como a alfaiataria que vem ganhando mais espaço desde as últimas coleções, indicam um novo caminho. O mesmo vale para os acessórios de metal envelhecido, os tecidos pesados e as cores densas. São elementos que não estamos acostumados a ver no trabalho delicado e harmonioso de Paula – e que, muitas vezes, pesam na imagem final.
É mais um problema de styling do que das roupas em si. Analisadas separadamente, as peças – mesmo aquelas mais distantes do repertório já conhecido da estilista – não devem desagradar a clientela. O desequilíbrio vem de algumas combinações, como o conjunto de alfaiataria xadrez com cardigan de crochê ou nos vários looks com meias ou leggings combinados a sapatos e botas baixas, frutos de uma parceria com Alexandre Birman.
A ideia até faz sentido. Para este jornalista, a impressão era de uma mulher acordando de um sono embalado por peças confortáveis física e emocionalmente, não muito diferentes daquelas com que passamos os meses de isolamento. No momento de despertar, porém, rola uma confusão, o tal "estado flutuante da mente, o instante fronteiriço entre sonho e realidade". E aí, essa pessoa não sabe bem se quer voltar para o guarda-roupa antigo, se quer se arrumar como antes ou como na fantasia dos sonhos, com lembranças de tempos passados, da infância. É difícil mesmo, quem está 100% seguro das coisas? Talvez seja melhor largar tudo pela metade, nem lá, nem cá, e voltar a dormir. Acontece que, na prática e bem acordados, o meio do caminho é inconclusivo. Como que à espera do toque final da soneca do despertador.
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