Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Prostitutas da belle époque inspiram a moda do verão em pleno 2016


Muito além da bolsinha! Prostitutas da belle époque influenciaram as artes, a literatura e a revolução de costumes da virada do século passado. Só não contavam que também inspirariam a moda do verão 2016



Na imagem, os looks: Céline: o clima íntimo dos bordéis da belle époque inspirou as passarelas atuais e à direita Balenciaga: Alexander Wang trouxe lingeries com pegada grunge para a Balenciaga. E as obras: L’Attente (1880), de Jean Béraud e ao lado, amantes de peso: à direita, Rolla (1878), de Henri Gervex, retrata o personagem Jacques Rolla, que olha a prostituta antes de se suicidar porque ela o arruinou. (Foto: Max Tree e Divulgação)

Enquanto a turma da moda conferia na tenda deluxe montada no Louvre, no início de outubro, os shorts de chiffon brancos semitransparentes da Dior, usados de uma forma cândida sob uma nova versão do tailleur-bar assinado por Raf Simons, as filas davam voltas na porta do Musée d’Orsay, do outro lado do Sena. Eram turistas, parisienses e fashionistas ávidos para ver os 410 quadros, fotografias e objetos da exposição Splendeurs et Misères, a mais comentada da temporada parisiense, que fica emcartaz até 17 de janeiro. Um dos objetos que atraíam mais olhares (fotos são proibidas na exposição) é a cama em formato de concha da russa Esther Lachmann, mais conhecida como marquesa de Païva. Os lençóis brancos aparecem bagunçados, como se sua dona tivesse acabado de deixá-los após uma tórrida noite de amor. Uma das grandes “horizontais” da segunda metade do século 19, serial lover capaz de levar os ricos amantes ao suicídio quando ela os abandonava, La Païva integra o seleto time de poderosas cortesãs parisienses que inclui Belle Otero,a condessa de Castiglione, Apollonie Sabatier, Cora Pearl e Marie Duplessis, que inspirou A Dama das Camélias.

Mas a exposição vai muito além dessas versões glamorosas e bem-sucedidas de mulheres que sabiam arrancar verdadeiras fortunas de seus amantes.As grandes estrelas de Splendeurs et Misères são as prostitutas das ruas,dos bordéis e da nascente e vibrante indústria da pornografia da belle époque – elas influenciaram a literatura,as artes plásticas e as mudanças nos usos e costumes que descambariam, mais tarde,nos loucos anos 20. Toulouse-Lautrec,Van Gogh, Degas,Manet e até Picasso,com suas Demoiselles d’Avignon (1907), obra fundadora do cubismo, não conseguiram passar imunes à força das mulheres “venais”, alternando representações ora dotadas deumrealismo frio e cínico, ora de idealizações de ummundo que os fascinava.

Entre as obras de arte que se destacam na exposição, está a famosíssima Olympia (1863),de Manet,cortesã nua que cobre a genitália com a mão enquanto recebe da cunhã um buquê de flores enviado porumsuposto amante – o gato preto a seus pés seriaumarepresentação do sexo feminino. Outros destaques são Rolla (1878),de Henri Gervex, retrato do personagemJacques Rolla que olha porumaúltima vez a amante-prostituta antes de se suicidar porque ela o deixou arruinado; L’Absinthe (1876), de Degas; e filmes pornográficos da nascente indústria do cinema, cartões de contato das prostitutas e a cadeira ginecológica que o rei Eduardo VII, da Inglaterra, usava para suas estrepolias amorosas em Paris.

Na imagem, as obras L’Absinthe (1876), de Edgar Degas e ao lado, o clássico Olympia (1863), de Édouard Manet. A modelo imprime a sofisticação das intelectuais nas peças da Dior (Foto: Max Tree e Divulgação)

A reforma urbana do barão Haussmann, prefeito de Paris entre 1852 e 1870, desassombrou a capital francesa coma destruição de cortiços e ruelas medievais e a abertura dos grandes boulevards, parques e jardins.Mas,sobretudo,deu o pontapé inicial para que Paris se tornasse a Cidade Luz (ou “Nova Babilônia”,para os moralistas),comumeficiente sistema de iluminação pública. Avida noturna,então restrita aos teatros e às tavernas, ganhou os terraços dos cafés, das brasseries,os cabarés nascentes (como o Moulin Rouge e o Folies Bergère) e as calçadas,principal endereço das prostitutas da época, que começavama circular no fim da tarde,“a hora do absinto”.

A prostituição era legalizada, com direito a matrícula das mocinhas na prefeitura e obrigação de exames médicos regulares, desde que elas restringissem suas atividades ao horário noturno. Durante o dia, circulavam como qualquer dama recatada, mas no fim da tarde ocupavam as varandas das brasseries sozinhas ouem duplas à espera de clientes e, quando a noite caía, partiam para o trottoir. “Não sabemos mais se são as mulheres honestas que se vestem como raparigas ou se são as raparigas que se vestem como mulheres honestas”,escreveu Maxime du Camp no livro Paris,ses Organes, ses Fonctions et sa Vie, de 1869.

Mais tarde, quando surgiram as maisons-closes, como se chamavamos bordéis,a lingerie ganhou ainda mais destaque, sendo usada tambémdurante o dia,já que as prostitutas passavamas tardes largadas nos sofás jogando cartas, lendo a sorte alheia ou servindo de modelo para pintores interessadosemnus artísticos (e mundanos também) – por muito tempo os bordéis eram os únicos lugares onde podiam pintar mulheres à flor da pele.

Voltando ao aqui e agora, chamou atenção até de quem não estava em Paris a quantidade de grifes que usaram lingeries e transparências com clima de boudoir em seus desfiles. Não dá para dizer que foi por causa da exposição no Orsay, até porque ela só estreou em setembro, em cima da semana demoda. As lingeries dominaram as passarelas do verão 2016 porque os estilistas andam promovendo um descarado revival dos anos 90, a década que acaba de virar vintage. Há versões para todos os gostos: lingeries com pegada grunge na Balenciaga de Alexander Wang, líricas e sofisticadas na Dior de Raf Simons, intelectualizadas e quase minimal na Céline de Phoebe Philo.

Mas ainda que Splendeurs et Misère não seja a causa do boom do underwear nas passarelas atuais, é inegável que o clima íntimo dos bordéis da belle époque está na ordem do dia. É uma pequena vingança para as tão difamadas “grandes horizontais”, que, loucas por moda, teriam adorado essa homenagem póstuma.

Musée d’Orsay: 1 Rue de la Légion d’Honneur, Paris 7.
Até 17 de janeiro  



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É uma pequena vingança para as tão difamadas “grandes horizontais”, que, loucas por moda, teriam adorado essa homenagem póstuma.

  “Não sabemos mais se são as mulheres honestas que se vestem como raparigas ou se são as raparigas que se vestem como mulheres honestas”

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