O custo humano da guerra é, sem dúvida, o mais preocupante, depois de Vladimir Putin ter tomado a iniciativa de invadir a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro. A somar a mortos e feridos, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) aponta para que a 28 de fevereiro tenham abandonado o país quase 500 mil pessoas, aos quais se somam mais de 100 mil deslocados internos.
Portugal, onde houve várias manifestações de apoio, já se mostrou disponível para receber refugiados ucranianos e proporcionar-lhes não só abrigo, mas também emprego, nomeadamente nas indústrias têxtil, vestuário e calçado.
Mário Jorge Machado
Em declarações à Visão, Mário Jorge Machado, presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, afirmou que «num sector que emprega cerca de 140 mil trabalhadores, contratar 4 ou 5 mil não tem nada de extraordinário», acrescentando que «haverá muita disponibilidade numa situação destas, pois o sector está a precisar de mão de obra».
Também a APICCAPS anunciou em comunicado que a indústria portuguesa de calçado está disponível para acolher refugiados ucranianos. «O sector de calçado, que tantas vezes é apontado com um exemplo de competitividade, deve voltar a assumir uma posição de relevo, de grande responsabilidade», considera Luís Onofre.
«Por esse motivo, tomamos a liberdade de, nas últimas horas, abordar o Governo, manifestando a disponibilidade para acolher, nas nossas empresas, refugiados ucranianos», revela o presidente da APICCAPS.
Volumes ainda pequenos
César Araújo
Em termos de negócio, para além da Fapomed – que tem uma unidade produtiva na Ucrânia com cerca de 300 trabalhadores, e que, inclusivamente, foi apontada pela Embaixada Portuguesa na Ucrânia como um ponto de concentração, em caso de necessidade, para a evacuação de cidadãos portugueses – existem «meia dúzia» de empresas da ITV, «produtoras de vários tipos de artigos, desde malhas até vestuário exterior», que têm pequenas operações industriais no país, segundo indica César Araújo, presidente da ANIVEC – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção, ao Eco.
O comércio da ITV com a Ucrânia, embora ainda muito reduzido, tem crescido nos últimos anos. Em 2021, Portugal importou 1,8 milhões de euros de matérias têxteis e suas obras da Ucrânia (+36,3% em comparação com 2020 e mais 84,7% face a 2019), essencialmente vestuário e seus acessórios, exceto de malha (1,77 milhões de euros, equivalente a um crescimento de 37,5% em comparação com o ano anterior e superior a 100% face a 2019) – um crescimento que deverá ser essencialmente devido à Fapomed, já que estas exportações dizem respeito na quase totalidade à subcategoria “vestuário confecionado com feltros ou falsos tecidos, mesmo impregnados, revestidos, recobertos ou estratificados, assim como, vestuário confecionado com tecidos (exceto de malha), com borracha ou impregnados, revestidos ou recobertos com plástico ou com outras matérias (exceto vestuário para bebés, assim como, acessórios de vestuário)”.
Do lado das exportações, em 2021 a indústria têxtil e vestuário portuguesa vendeu 1,2 milhões de euros à Ucrânia (+51% do que em 2020 e +39% do que em 2019), nomeadamente tecidos impregnados, revestidos, recobertos ou estratificados (559 mil euros) e outros artefactos têxteis confecionados, onde se incluem grande parte dos têxteis-lar (285,8 mil euros).
Custos devem subir
Para além do impacto direto para os negócios ativamente presentes no país, a indústria têxtil e vestuário deverá, no geral, sentir um aumento de custos. É pelo menos isso que a confederação europeia de têxteis e vestuário projeta. Em declarações ao Just Style, Dirk Vantyghem, diretor-geral da Euratex, salienta que a indústria estava já a ser afetada pelo aumento dos custos energéticos e poderá não ser capaz de enfrentar um novo aumento dos custos. Além disso, «a Rússia é o quinto maior cliente das empresas europeias de têxteis e vestuário (exportações à volta de 3 mil milhões de euros) e uma vez que os produtos mais vendidos pelas nossas empresas são têxteis técnicos e de defesa, esperamos que estas empresas sejam afetadas pelas sanções», aponta.
Também a ITV americana está a preparar-se para o impacto desta guerra no negócio. «Estamos a trabalhar de perto com os nossos membros para seguir o evoluir da situação, incluindo os efeitos que isto terá nas cadeias de aprovisionamento, outros fatores económicos globais e a imposição de sanções. A nossa indústria faz muitas diligências para assegurar que as operações cumprem completamente todas as atuais e futuras sanções», afirma Steve Lamar, presidente e CEO da American Apparel & Footwear Association, ao Just Style.
Para Sheng Lu, professor associado de estudos de vestuário e moda na Universidade do Delaware, «é trágico ver a invasão russa da Ucrânia. Vai haver amplos impactos geopolíticos e económicos».
Em termos da ITV, «embora a Rússia e a Ucrânia tenham um papel minoritário na produção e comércio de vestuário, isso não significa que a indústria de vestuário seja imune aos efeitos de onda do conflito militar. Por exemplo, como resultado imediato da escalada de tensão, o preço mundial do petróleo subiu substancialmente. Isto significa que as fibras têxteis derivadas de petróleo, como o poliéster, podem enfrentar tremendas pressões de preço. À medida que as fibras sintéticas se tornam mais caras, a procura por fibras naturais pode igualmente aumentar, alargando eventualmente a inflação dos preços às fibras naturais», exemplifica Sheng Lu.
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