Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Serafim Martins tinha um apartamento de luxo na Foz e era vizinho de Cristiano Ronaldo no Gerês. Detido durante uma peregrinação a Fátima, é agora acusado de uma das maiores fraudes fiscais de sempre. A ex-mulher participou nas acusações

Era o quarto dia de peregrinação a Fátima. Todas as manhãs, Serafim Martins entrava no seu Porsche Panamera e era conduzido por um funcionário da Feira dos Tecidos até ao ponto em que abandonara a caminhada no dia anterior. Mais 30 km, e a mesma dose no dia seguinte. Até que, a 6 de Maio, a Polícia Judiciária interceptou-o às 7h na Mealhada com um mandado de captura: Serafim Martins, de 55 anos, dono da Feira dos Tecidos, empresa de venda de tecidos a retalho, era acusado de branqueamento de capitais, associação criminosa e fraude fiscal. "É um católico devoto e todos os anos fazia esta peregrinação", diz Pedro Marinho Falcão, advogado do empresário. "Não sabia que estava a ser investigado e foi apanhado de surpresa pela polícia." 

A acusação afirma que Serafim liderava um esquema de incumprimento de IVA, conhecido como "esquema em carrossel", que lesou o Estado em mais de 20 milhões de euros. Outros oito colaboradores foram constituídos arguidos. Além de Serafim, dois deles estão em prisão preventiva.

Um desfecho difícil de prever quando, há 30 anos, o então jovem empreendedor decidiu seguir os passos da mãe, Rosa Marques, que tinha uma loja no Porto chamada Mundo dos Tecidos. "Era um grande empreendedor, muito activo e atento ao mercado. Tinha com ele um relacionamento afável, mas era um difícil negociador, muito agarrado ao dinheiro", diz o gerente do balcão de Matosinhos do Banco Nacional Ultramarino durante a segunda metade dos anos 80, que então lidou de perto com as contas de Serafim. "Ainda fui à inauguração da loja de Aveiro, que até teve direito a fanfarra. Sei que depois cresceu muito e se meteu em negócios imobiliários, algo que já não acompanhei", afirma, sem querer identificar-se.



A Feira dos Tecidos dava-se então a conhecer ao País patrocinando as camisolas do Sporting de Braga. Pouco depois, Serafim Martins, já com uma rede de lojas no Norte, investia num apartamento de luxo num dos melhores condomínios da Foz: um T8, hoje avaliado em dois milhões de euros, com ginásio e piscina. "Era de poucas falas e andava sempre escondido. Via muitas vezes a mulher na piscina do condomínio, mas a ele não", diz uma das vizinhas na Foz, ouvida pela SÁBADO, que não quis revelar a identidade. "Os nossos filhos andavam juntos no CLIP – Escola Internacional do Porto – e ele ia por vezes buscá-los de Porsche ou Ferrari. Às vezes, também viajava num avião privado e fazia-nos muita confusão como é que o negócio dos tecidos lhe dava tanto dinheiro", continua a mesma fonte.

No condomínio da zona nobre do Porto, Serafim fez uma sociedade com um casal da indústria têxtil, os Vilhena, encetando uma parceria numa loja de roupa. "Começaram bem e lembro-me de que até fizeram uns desfiles com modelos e jogadores de futebol. Mas, pouco depois, a empresa faliu e os Vilhena perderam tudo. Ficaram com os bens penhorados, foi uma desgraça", diz a vizinha. "Ao que parece, ele pôs na empresa um contabilista de confiança pessoal que fez desaparecer o dinheiro todo." Contactado pela SÁBADO, o casal lesado não quis comentar: "Depois do que lhe fez, o meu marido nem quer ouvir falar no nome dele", diz Manuela Vilhena.

O cofre em Basileia
Hoje, as acusações que recaem sobre o empresário são ainda mais graves. O Ministério Público (MP) acusa-o de liderar "um grupo organizado no sector da compra e venda de têxteis que, de forma concertada e permanente, vinha efectuando transacções comerciais sem proceder à respectiva declaração fiscal ou fazendo-a com falsidade, lesando o cofre do Estado em dezenas de milhões de euros em sede de IVA e IRC". Diz a investigação que o portuense criou e usou cerca de uma centena de empresas-fantasma em Portugal e em toda a Europa, principalmente em Espanha, para camuflar o seu esquema fraudulento. Assim, Serafim Martins usava uma das suas quatro sociedades espanholas (sendo a Semma – Investimentos Têxteis SA a mais influente), praticamente inactivas e sem funcionários, para forjar através de declarações falsas a aquisição de mercadorias em Espanha. 

Na verdade, os tecidos nunca saíam de Portugal. Embora fictícias, essas declarações garantiam-lhe a isenção de IVA resultante da aquisição intracomunitária de bens, imposto que posteriormente deduzia em Portugal, transferindo um lucro fácil dos cofres do Estado para o seu. "A fraude em carrossel [negócios entre dois ou mais Estados -membros com o único objectivo de obter indevidamente IVA do Estado] é pior do que a evasão fiscal. Uma coisa é não pagar o IVA, outra coisa, bem mais danosa, é ir buscar reembolsos indevidos aos fundos do Estado", diz o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro. "Ainda há poucos recursos alocados a esse tipo de fraudes. Os recursos gastos na investigação de pessoas comuns que se esqueceram de pagar 50 euros devem ser transferidos para o combate a este tipo de crimes."

A vigilância e as escutas da PJ remontam a 2010. Durante cinco anos, foram reunidas provas que culminaram nas buscas às várias empresas geridas por Serafim Martins e envolvidas no esquema. Há registos de encontros nocturnos em parques de estacionamento entre o gerente da Feira dos Tecidos e os seus colaboradores implicados no caso, de envolvimento de advogados e até de um chefe de equipa da Direcção de Finanças do Porto e da eliminação de provas num centro de tratamento de resíduos da Póvoa de Varzim. As autoridades acompanharam e fotografaram o processo de recolha de documentos nas sedes de várias empresas do sector têxtil ligadas à Feira dos Tecidos, em Coimbra – uma delas, a Travel VIP, era usada para emitir falsas declarações de transportes de tecidos de Espanha para Portugal – e encaminhamento dos mesmos para o incineradora da Póvoa. "O grupo existe há 30 anos e não tem espaço para arquivar todos os papéis", diz o advogado de defesa, Pedro Marinho Falcão. "A lei prevê que o contribuinte não é obrigado a ter em carteira documentos com mais de 10 anos, pelo que está contemplada a sua destruição em local público."

Já no interrogatório, foi revelada uma escuta em que o filho de Serafim Martins, Tiago, a estudar em Londres, informa o pai de que já arranjou um cofre em Basileia, mas que precisam de se deslocar à Suíça para obter os códigos. Serafim explicou em tribunal que adquiriu as caixas-fortes para guardar o ouro e os diamantes que herdou após a morte da mãe, há sete anos. "São objectos sem valor expressivo, mas estimativo. O MP usou essa escuta como prova de branqueamento de capitais", argumenta Marinho Falcão.

Acusações da ex-mulher
As dúvidas da acusação são justificadas: Serafim Martins está insolvente desde 2011, não tem dinheiro nas dezenas de contas que possui, mas continuou a lucrar oito milhões de euros por ano. No recurso, o arguido argumentou que, falido, tentou reerguer-se e que, por isso, não pôde deixar nada em seu nome. Embora declarando uma casa no Gerês, um BMW e um Porsche, desvalorizou o valor dos bens. "O modelo daquele Porsche é de gama média-alta e os imóveis de Serafim Martins têm 25 anos e não podem ser considerados bens de luxo", sublinha o advogado de defesa.

A casa no Lugar de São Pedro, nas margens do rio Cávado, no Gerês, era o refúgio da família. Foi comprada no início dos anos 90 a um empresário brasileiro e, em mais de dois hectares descobertos, tem um campo de futebol relvado, uma piscina aquecida, um lago artificial e uma velha capela. Uma das partes da propriedade, adquirida no processo de ampliação, só pode ser alcançada de barco. O vizinho da frente, na outra margem, é Cristiano Ronaldo. "Não se pode dizer que aquela casa não é um luxo. É de luxo, sim, senhor", diz um pároco da freguesia que lá celebrou o baptizado do filho mais velho do casal. "Mas ninguém podia ver de fora porque ele pôs muros e sebes altas a todo o redor."

Tal como no Porto, Serafim saía pouco de casa no Gerês. "Tínhamos a melhor imagem dele. Empregou como caseiros um casal do lugar e era simpático connosco. Por isso, ficámos surpreendidos com a notícia", diz Manuel Oliveira, ex-presidente da Junta de Freguesia de Caniçada. Também Odete, a irmã da caseira, classifica-o como "um patrão impecável" e um bom mecenas das festas da Feira do Rosário. "Gostava muito de ajudar os pobres. Se dava? Não sei, mas acho que apoiava quem desse. Acho que vai ser solto", diz Odete. Quanto a Iva Barbosa, 89 anos, a mãe da caseira, está para poucas explicações: "Vão mas é dar uma volta com essa porcaria de conversa."

A harmonia familiar dos Martins desfez-se pouco antes do início da investigação. O empresário aproximou-se de outra mulher, com quem teve um terceiro filho, hoje com 5 anos, e enfrentou um divórcio litigioso. "Eles tinham casado com comunhão de bens mas, como ele não tinha nada em nome próprio, a única coisa com que ela ficou foi com as dívidas", conta uma amiga da mulher, que não quis revelar o nome. Num apartamento em Matosinhos, a mulher, professora, passou por dias difíceis para pagar as dívidas que não tinha contraído. "Teve o apoio do filho mais novo, enquanto o mais velho, o Tiago, esteve sempre mais do lado do pai", diz a amiga.

A defesa aponta a turbulência do divórcio como uma das justificações para a medida de prisão preventiva aplicada. Segundo Marinho Falcão, além das suspeitas causadas por uma denúncia anónima em 2010 e outra em 2012, existem comentários redigidos pela antiga mulher sobre o perigo de fuga de Serafim Martins, que terão sido determinantes para a sua reclusão temporária em Custóias. "Ela aproveitou a investigação para lançar acusações", diz o advogado.

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