Fundadora da Comme des Garçons, a estilista japonesa redefiniu os limites da estética e da identidade. Agora, sua obra ganha endereço físico no Brasil com a abertura da primeira loja da marca em São Paulo.

Retrato da estilista Rei Kawakubo em Comme des Garcon boutique em Nova York – Foto: Getty Images

Falar sobre Rei Kawakubo é sempre uma honra — e também um desafio. Afinal, a fundadora da Comme des Garçons não apenas quebrou paradigmas ao longo de sua carreira, como também reconfigurou a maneira como pensamos a moda. Nascida em Tóquio, em 1942, Kawakubo estudou Belas Artes e Literatura na Universidade Keio, onde se formou em História da Estética — uma área que abrange tanto a arte asiática quanto a ocidental. Antes de fundar sua marca, trabalhou no departamento de publicidade de uma empresa têxtil e, depois, como stylist freelancer. A potencia global de suas criações influenciaram o mundo da moda de uma forma e trouxeram força para aquilo que conhecemos como avant-garde.

A Comme des Garçons começou a tomar forma em 1969 (oficialmente incorporada em 1973), e já desde o início se destacou como um projeto provocador, conceitual e profundamente vanguardista. Suas peças desafiavam proporções tradicionais, brincavam com silhuetas arquitetônicas, tecidos não convencionais e estampas conflitantes — tudo isso como uma forma de questionar os padrões de beleza e gênero estabelecidos. Em vez de seguir regras, Kawakubo sempre preferiu criar as suas próprias.

Foto: Getty Images

No início da década de 1980, Rei Kawakubo, à frente da Comme des Garçons, passou a apresentar suas coleções em Paris ao lado de Yohji Yamamoto, com quem compartilhava afinidades estéticas e conceituais. Juntos, somaram forças ao já estabelecido Issey Miyake, formando o que mais tarde seria reconhecido como a vanguarda japonesa da moda. Esse movimento revolucionou o sistema fashion europeu ao propor uma nova leitura da estética contemporânea, fundindo referências do Oriente e do Ocidente e dissolvendo as fronteiras entre moda e antimoda, tradição e modernidade.

O trio, cada qual com sua identidade própria, valorizava profundamente os modos de vestir enraizados na cultura japonesa — em especial, as roupas utilitárias dos camponeses, criadas com base na funcionalidade e na escassez de recursos. Tecidos tingidos manualmente e técnicas ancestrais de patchwork e quilting foram incorporados às passarelas ocidentais, reposicionados como símbolos de sofisticação conceitual e inovação formal.

O impacto da marca foi tão potente que, já na estreia em Paris, em 1981, o estranhamento foi imediato a imprensa japonesa apelidou seus fãs de the crows, ou “os corvos”, pela preferência por roupas pretas, volumosas e dramáticas. A estilista, no entanto, declarou  que nunca teve a intenção de iniciar uma revolução: “Eu só queria mostrar o que achava forte e bonito. Acontece que minha visão era diferente da dos outros.” A marca se destacou por uma estética radical, que desafiava o entendimento convencional de forma e beleza. As roupas de Kawakubo evitavam realçar o corpo: preferiam ocultá-lo, desconstruí-lo ou redimensioná-lo. Suas criações exaltavam volumes irregulares, assimetrias e superfícies texturizadas — e, acima de tudo, o preto, que se tornou não apenas um código visual, mas uma atitude.

Essa proposta estética austera, quase silenciosa, antecipava uma virada no pensamento da moda: uma abordagem pós-moderna que questionava classificações fixas, recusava definições e rompia com narrativas tradicionais. No final daquela década, a Comme des Garçons já havia conquistado espaço no cenário global, com uma expressiva presença internacional: cerca de 25% de seus pontos de venda estavam localizados fora do Japão.

 

Comme des Garçons coleção Primavera- Verão 2025 – Foto: Reprodução/Instagram/@ commedesgarcons

Na segunda metade da década de 1980, a imprensa internacional já havia deixado para trás o rótulo provocativo de Hiroshima Chic, que inicialmente tentava descrever a estética sombria e silenciosa de Rei Kawakubo. Com o tempo, a crítica passou a reconhecer nas criações da estilista uma sofisticação estrutural e uma elegância deliberadamente assimétrica, que evocavam mais o universo da arte abstrata do que os códigos tradicionais da moda.

As silhuetas, muitas vezes esculpidas em volumes inusitados, provocavam um jogo entre presença física e construção conceitual — como se o corpo fosse apenas mais um elemento no diálogo entre forma, espaço e vazio. Essa abordagem se intensificava com o uso quase exclusivo de uma paleta neutra — preto, branco e tons de cinza profundo — que reforçava o aspecto escultural das peças e sua austeridade poética.

Mais do que moda para ser apenas vista, o trabalho de Kawakubo exigia envolvimento: era preciso estar disposto a mergulhar em uma conversa íntima entre criador, roupa e corpo. Era ali, nesse campo sensível de tensões e deslocamentos, que nascia a força de sua linguagem.

Kawakubo consolidou um império criativo. Lançou diversas submarcas — como Homme Plus, Comme des Garçons Play e Noir — e se tornou mentora de novos talentos, como Junya Watanabe, Tao Kurihara e Kei Ninomiya. Além disso, fundou ao lado do marido, Adrian Joffe, o Dover Street Market, um dos espaços de varejo mais inovadores do mundo.

Em 2017, Kawakubo tornou-se apenas a segunda designer viva a receber uma exposição individual no Costume Institute do Metropolitan Museum, reafirmando sua importância histórica. Suas criações — como a icônica coleção Body Meets Dress, Dress Meets Body de 1997 — transformam o corpo em uma escultura viva, eliminando formas tradicionais e zonas erógenas, e propondo um novo entendimento sobre identidade e gênero.

Foto: Reprodução/Instagram/@ commedesgarcons

Seu trabalho influenciou profundamente nomes como Martin Margiela, Helmut Lang, Viktor & Rolf e Alexander McQueen, que afirmou: “Ver alguém se desafiar daquela forma a cada temporada me faz lembrar por que entrei na moda.”

Hoje, o universo Comme des Garçons  movimenta mais de 220 milhões de dólares por ano. Ainda assim, como disse Kawakubo em entrevista: “Em tempos bons ou ruins, a empresa continua mais ou menos a mesma. A Comme des Garçons sempre seguiu no seu próprio ritmo — e continuará assim.” E a moda, sem dúvida, é melhor por isso.

Agora, os brasileiros terão a chance de viver essa experiência de perto: a primeira loja da Comme des Garçons no Brasil será inaugurada nesta sexta-feira, dia 13 de junho de 2025, no Shopping Iguatemi Faria Lima, em São Paulo. É o início de um novo capítulo, em que a moda-conceito de Rei Kawakubo encontra o público brasileiro. Em um tempo de fast fashion e repetição estética, sua visão continua a nos lembrar que vestir-se também pode ser um ato de pensamento.

https://harpersbazaar.uol.com.br/moda/rei-kawakubo-a-revolucao-disc...

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