Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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SENAI CETIQT: Movimento Maker na criação e construção das próprias roupas ressignificando o feito a mão

“Converso muito com as alunas sobre esse poder produzir a própria roupa – um lugar de muito afeto. Costuras da memória, alinhavos de afeto, pespontos de amor. O segredo de um bom acabamento está em ter paciência com o percurso da agulha. E tem tudo a ver com sustentabilidade. No século 21, não dá mais para pensar moda sem questionar o fazer e o consumo”, sinaliza a professora das oficinas de Costura e Upcycling, Carla Costa, palestrante da live.

A moda de forma disruptiva, provocando uma mudança na forma de conceber e consumir. O foco é mudar o mindset e olhar para o reverberar de vozes sobre economia circular, zero waste, sustentabilidade + consumo consciente, identidade, upcycling, customização, ressignificando uma nova produção. Estamos vivendo um momento de alta tecnologia, a Indústria 4.0 é uma realidade, mas há conscientização, graças a movimentos globais e aqui no nosso Brasil também. Muitos consumidores têm preferido investir seu dinheiro em produtos fabricados em menor escala, com qualidade, e que carregam histórias de designers, grupos de costureiras e artesãos. O nosso “feito a mão” é fruto de múltiplas ancestralidades. Os saberes, as técnicas, as manualidades dos nossos artesãos são transmitidos de geração a geração. Do ponto de vista do uso das artesanias como elemento agregador de design, o universo é vasto e os novos designers estão atentos em experimentar tipologias. Tenho levantado a bandeira do handmade em meus textos sobre moda, acreditando que esse é um fenômeno de convergência. No livro Making is Connecting David Gauntlett enfatiza o conectar (materiais, ideias ou ambos) para fazer algo novo e como o feito à mão se ganha valor em sinergia com a conexão digital.

O SENAI CETIQT promoveu lives sobre diversos temas caros ao Movimento Fashion Revolution – entre eles o que trataremos aqui, hoje, o Movimento Maker, corrente sociocultural que se origina do célebre “Do it yourself” (“Faça você mesmo”, em português) e parte da premissa de que qualquer um é capaz de criar, alterar, consertar e fabricar seus próprios objetos. “Converso muito com as alunas sobre esse poder produzir a própria roupa – um lugar de muito afeto. Costuras da memória, alinhavos de afeto, pespontos de amor. O segredo de um bom acabamento está em ter paciência com o percurso da agulha. E tem tudo a ver com sustentabilidade. No século 21, não dá mais para pensar moda sem questionar o fazer e o consumo”, sinaliza a professora das oficinas de Costura e Upcycling, Carla Costa, palestrante da live que também contou com as presenças da professora Diva Costa, como mediadora, e das alunas do segundo módulo do curso de Design de Moda Ryanne Sokolowski e Grazielly Alcantara.

O Movimento Maker vem ganhando cada vez mais adeptos em todo o planeta, pois, além de dar prazer a quem faz, traz a consciência do real valor das peças que usamos – não apenas do ponto de vista financeiro. “Para mim, vestir consciente é estar com os alunos no dia a dia, conscientizando eles de que é não só a roupa, não só o valor que eles pagam por uma roupa na loja, mas também de tudo o que está por trás dessa confecção”, frisa a professora Carla Costa. “Dentro da produção do vestuário tem o lugar da costureira, que, muitas vezes, é explorada, não é bem paga e não recebe pelo seu devido valor. Em sala de aula, minha prática passa por conscientizar o aluno sobre o que é o chão de fábrica. Venho de lá, que é de onde vem todo o espírito de coletividade que tento articular nas minhas aulas”.

Para compreender o real valor de uma peça de roupa, a professora passou para suas pupilas do quarto módulo do curso de Design de Moda a tarefa aparentemente fácil de confeccionar uma bermuda. De acordo com Carla, fazendo a sequência operacional elas vão percebendo o grau de dificuldade que envolve desenvolver uma peça com qualidade para ter durabilidade, para que não arrebente e vire um lixo logo após entrar no guarda-roupas: “Sempre faço esses questionamentos: quanto você pagou por isso e qual é o valor real. Em seguida, procuramos entender juntas o que realmente estamos pagando quando compramos uma roupa. É um trabalho árduo e não valorizado’”.

A professora lança luz para alguns projetos de extrema importância para a moda autoral no país e as práticas sociais de inclusão, diversidade e sustentabilidade:

Canoa da Vila

“Destaque nas páginas da Unesco, em 2018, a ONG Canoa da Vila funciona próximo a São Conrado, no Rio de Janeiro. As mulheres produzem bolsas e pequenos acessórios de moda que vendem em feiras. Esse dinheiro sustenta os lares. Elas recebem retalhos e resíduos têxteis de empresas que vão ser descartados e, a partir disso, produzem bolsas, cintos, pequenas peças. No começo da pandemia, produziram muitas máscaras”.

Coletivo tem Sentimento

“Olho para esse coletivo de São Paulo com lágrimas de felicidade nos olhos. É um coletivo muito lindo da dona Carmem, que tira mulheres trans e cis em situação de rua e as ensina a costurar. A maioria delas são mulheres trans. Hoje, o projeto recebe muito apoio, alguns editais e ações afirmativas. Elas aprendem a costurar e produzem roupas para vender na região central de São Paulo onde têm um contêiner no qual trabalham. São mulheres trans que a costura tirou da situação de rua. Elas viviam marginalizadas, drogadas e hoje, dentro da costura, conseguem estar nesse lugar do resgate. A arte salva vidas e é muito lindo ver que a costura também salva vidas. É muito bom ver uma quantidade de mulheres produzindo as suas próprias roupas para sustentar suas vidas e sair da situação marginalizada em que se encontravam”.

Bixa Costura

“No Bixa Costura, Tauan Coutinho faz um trabalho agênero, em Salvador, em que a moda tradicional não dá conta das delicadezas, das experiências de vida dele. Passou a confeccionar as próprias roupas e percebeu que as necessidades próprias, estavam atravessadas em outros corpos. Ele abriu o ateliê Bixa Costura para pensar uma moda mais livre”.

Além de valorizar a profissional que dá forma e volume a seus sonhos, o designer deve, claro, estar atentíssimo à sustentabilidade: “Na aula de upcycling, falo para as alunas que somos responsáveis pelos impactos que causamos no meio ambiente. Cito Krenak (o líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor Ailton Krenak) para elas. Ele diz que nosso erro é achar que o meio ambiente é uma coisa e nós somos outra; que floresta é uma coisa e nós, outra. Na verdade, somos o meio ambiente e a floresta. A partir do momento em que você produz algo que prejudica o meio ambiente, está se prejudicando. Está prejudicando o futuro da nossa existência.”

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A HORA E A VEZ DAS PUPILAS

A professora Carla Costa generosamente convidou duas de suas alunas do segundo módulo do curso de Design de Moda de para falarem de suas experiências como makers: como começaram, por quê, que dificuldades enfrentaram etc. A primeira a dar seu depoimento foi Ryanne Sokolowski.

“Eu sempre tive vontade de aprender a costurar. Em 2015, porém, eu comprei uma máquina e comecei fazendo coisas pequenas como nécessaires, estojos, porta-cartões e bolsinhas. Mas eu queria mais que aquilo. Minha relação com roupa foi muito conturbada. Eu ia ao shopping, rodava, rodava, não gostava de nada, mas comprava porque precisava me vestir. Quando finalmente achava algo de que gostava, usava até cair aos pedaços. A roupa descosturava, eu remendava e usava. Eu sempre gostei muito de peças vintage, históricas. Não só pela estética, mas para saber o que as pessoas usavam, já que os tecidos avançaram de uma forma absurda nos últimos anos. Acabei caindo num mundo de costura histórica. Eu via aqueles vestidos maravilhosos e dizia ‘quero aprender a fazer isso’.

“As primeiras peças ficaram horríveis, mas eu tinha orgulho, porque fiz com minhas próprias mãos. Com o tempo, investi, comprei livros, pesquisei na internet e descobri que era daquilo mesmo que eu gostava e que, pela primeira vez em quase 30 anos de vida, tinha um estilo que me representava. Isso me trouxe uma felicidade muito grande, pois finalmente estava conseguindo expressar quem eu era e com roupas feitas por mim. E nisso entra, também, a questão do tamanho: quando gostava de uma peça, em 90 por cento das vezes não tinha o tamanho maior. E não aceito ter que diminuir para entrar numa roupa. Fazer as minhas próprias roupas me proporcionou me vestir bem com algo de que eu gosto e que me deixa confortável”.

Em seguida foi a vez de Grazielly Lima trocar experiências com as professoras. “Na minha casa tinha uma máquina maravilhosa, uma Singer com aquele pé de ferro, na qual eu nunca podia mexer porque consumia muita luz. Na minha adolescência, eu tive uma amiga cujas mãe e tia costuravam para marcas como a Espaço Fashion, para gente de poder aquisitivo mais alto. Elas tentavam me ensinar, mas eu tinha um certo medo, achava que não ia conseguir. Então pedi à tia dela para fazer as minhas roupas, pois nunca gostei da ideia de ir ao fast fashion. Eu ficava de pé atrás para aprender porque tinha a questão da modelagem”.

“Um belo dia eu tinha um casamento e ela ia fazer a minha roupa. Ela me deixou na mão porque estava fazendo um vestido de noiva. Fiquei chateada e resolvi meter a cara. Cheguei a entrar num curso de costura para ter contato com a máquina. Meu namorado me deu uma máquina de costura de presente no meu aniversário. No fim de 2019 eu fiz minhas roupas e viajei. Havia me encontrado na costura e estava decidida a levar aquilo para a vida.

“A costura ressignificou a minha história. Ela me trouxe empoderamento, autonomia. O mais importante é que o hobbie virou uma pequena marca. Montei uma página no Instagram e fiz roupas para as amigas. Senti necessidade de estudar para entender mais o processo da costura. A costura pode gerar emprego, ter costureiras bem remuneradas. Eu me liguei muito na questão da valorização. Poder fazer nos dá muita confiança. Como designers nós deveríamos resgatar a costureira de uma forma mais honrosa, ver a costura como uma forma promissora de carreira. Nós temos o dever de exaltar essa profissão.”

Nesse ponto a professora Carla Rocha conta uma experiência pessoal: “Fui estudar fora do Brasil e, quando voltei, desempregada, costurei para algumas marcas famosinhas. Eu recebia R$ 9,90 para confeccionar uma calça que era vendida por R$ 1.400,00. Era um absurdo. Hoje, quando vejo uma peça sendo vendida por esse preço, o pensamento que me vem à cabeça é quanto a costureira está recebendo por aquele trabalho?”.

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