Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A memória é da ordem de um trauma. Algo que já se foi, permanece, persiste, insiste. “Eu continuo para além do que fui”, é o que parece dizer o tempo e como o medimos: rastro, traço, gesto. O tempo só existe pois há ruína, desgaste, indícios de coisas que mudam ou simplesmente fingem desaparecer para instalarem-se como pérolas dentro de nós. 

Eis o que é a memória: um corpo estranho que é cicatriz. A nostalgia é um dos nomes do tempo, como o são a morte e a perda. Sulcos, vincos, rachaduras na terra e em tudo que nos abriga.

Uma roupa que trouxesse em si a ferrugem, o puído, a traça. Roupa de outros tempos: roupa da taxidermia, como os vestidos enterrados e depois escavados de Hussein Chalayan, apresentados em sua coleção de formatura na Central Saint Martins, de Londres. Roupa que é como a devastação do punk: rasgo, fenda, corte. Roupa perfurada, como pele violada.

Roupa re-tecida, roupa sob roupa, sob roupa de outra roupa. Véus de branquidão que envolvem o corpo em solidão: a coleção branca de Rei Kawakubo para Comme des Garçons, cor do luto no Japão, lembrança da vida: outro nome da morte.  Noivas que cruzam: fronteira, passagem, viagem.

Ainda que tudo diga em neon fosforescente e garrafal que a inteligência nos abandonou, que a delicadeza se ausentou, que nada no mundo há senão o rasteiro réptil da vulgaridade, aposto na busca de um sentido para isto que é a vida e que só encontra um destino: poesia. 

Roupas de pássaros em voo, roupas de flores congeladas, roupas que são para além de tudo o que já vimos: memórias de sonhos e de delírios. A moda como um palco de poemas que se vestem ainda que despidos, de corpos que se despem ainda que vestidos.

Que se levantem mil vozes contra minha poesia. Que se incendeiem vorazes todas as roupas de autoria. Sete mil vezes sete mil vezes sete mil vozes hão de cantar nos mais diversos tons que das cinzas, semeia-se a terra. Que das sedas e de todos os outros tecidos que há, chamuscados que estejam, algo resiste dentro do olhar: vírus que ardem e fazem criar. 

Memórias do tempo da Moda.

http://finissimo.com.br/2013/06/02/sobre-rastros-tracos-e-gestos-me...

Exibições: 153

Responder esta

© 2024   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço