Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Uma marca deve ter uma história relevante para contar, mas não um baú que o consumidor não consiga carregar. Tão ruim quanto é elaborar durante anos um contexto, depois trocar o cenário, o produto, o código postal, mas não avisar ninguém da mudança de endereço.

"As necessidades e desejos dos novos consumidores muitas vezes não se alinham com a narrativa que as empresas trabalharam para construir. Para um número crescente deles, a herança da marca tornou-se, na melhor das hipóteses, irrelevante, e na pior, uma barreira para mudanças", diz um estudo da consultoria inglesa Trendwatching chamado "Herança/Heresia".

No universo do luxo, terreno fértil para grifes seculares, o questionamento é frequente. Pode o consagrado champanhe Möet Chandon ser oferecido em "vending machines"? E a Mercedes? Deveria embalar o lançamento de seu classe A no "Lelek Lek Lek"? Os consumidores estariam mais suscetíveis às marcas que subvertem e brincam com a própria ancestralidade, diz o estudo. Até porque quando as empresas não conseguem fazer essa ponte com o contemporâneo, são "recontextualizadas" pelo próprio cidadão em seu Face, Instagram, Twitter etc.

Mas há heresias e heresias. Nos últimos anos, por exemplo, a marca de lingerie Valisere fez o inverso. Decidiu deixar "adormecida" a tradição. "Com a concorrência chinesa, tentamos acompanhar o quesito preço e empobrecemos o produto. Deixamos de usar materiais e acabamentos que fizeram nossa história no mercado 'premium' e de luxo", admite Gustavo Rosset, que há um ano e meio assumiu a direção de marketing da empresa.

Agora a Valisere está num processo de "retomar o espaço que nós mesmos deixamos no mercado", diz ele. Para começar a restaurar essa conexão, o mix de produtos foi 100% refeito. "A proposta é ser a melhor coleção de 'underwear' do país. Então, linhas foram ampliadas e outras foram lançadas. Há peças para noite, camisolas que parecem vestidos para ficar chique e relaxada em casa. É preciso reforçar o DNA da marca na qualidade, modelagem e no bom gosto. E ressaltar que tudo é fabricado aqui no Brasil", conta Celina Kochen, consultora de varejo que está à frente do reposicionamento.

De um passado não tão distante, a empresa está recuperando o conceito icônico do "primeiro sutiã a gente nunca esquece" e o transformando numa coleção permanente, "o que nunca foi feito antes". Também foi criada uma linha para "teens", uma vez que as novas compradoras podem puxar as mães de volta para as lojas. Outra aposta é reforçar a conexão da marca com a moda e dar aos itens mais sofisticados status de acessório. Para imprimir a lógica "fashion", são lançadas durante o ano 18 coleções para o dia e 12 para a noite.

"As consumidoras que estavam distantes da marca entram e dizem: 'A Valise voltou', igual torcida em campo de futebol. Nossas vendas cresceram 30% desde que assumimos o reposicionamento. E, apesar das peças básicas custarem o mesmo da concorrência, os itens mais elaborados estão 25% mais caros", diz Rosset.

O maior desafio de Celina é fazer a cidadã entrar na loja. Em especial diante de um plano de expansão da empresa que vai elevar o total de 30 para 120 monomarcas num prazo de quatro anos. Somente esses pontos terão as coleções completas. Hoje, lojas e franquias representam 25% do faturamento, o restante vem das multimarcas. Para expor as mudanças dos produtos, a Valisere ganhou um novo projeto de ambientação feito pelos arquitetos Beto Galvez e Nórea de Vito. A monomarca foi transformada num closet e nem de longe lembra uma "loja de departamento com os sutiãs com os bojos empilhados que não facilitam a visualização", diz Celina.

Ela também deu atenção para o provador, item sempre negligenciado, de forma que transmitisse "acolhimento e segurança, com a iluminação e silêncio necessários para a prova". A vitrine, por sua vez, segue o conceito de uma marca de moda. "As peças precisam ser coordenadas para mostrar que podem estar em sintonia com a roupa."

A maior dificuldade, contudo, é a mão de obra. Afinal, a vendedora também faz parte não só do resultado, mas da construção da marca diante do consumidor. Digamos que, na tal experiência de compra, ela interfere um bocado. Em 25 anos em que atua na área - começou lançando a marca OP, refez o conceito de loja da Hering e o "branding" da Puket, entre diversos outros projetos -, Celina, que diz "praticamente morar nos shoppings pelo país", nunca presenciou uma carência tão grande de profissionais no varejo.

"Ninguém encara mais ser vendedor como uma carreira, nem mesmo como primeiro emprego, como foi no passado. São muitos shoppings, muitas lojas concorrendo entre si, dividindo os ganhos. Além disso, trabalhar no domingo é sempre um fator de desagrado." Por outro lado, o varejo nacional perdeu o glamour que já teve. "Antigamente era bacana ser vendedor da Forum, da Zoomp, da Daslu. Hoje, não tem mais isso. Talvez um pouco nas grifes de luxo, mas mesmo nelas, as exigências são muitas para os ganhos reais." Por isso, ela encabeçou uma campanha de valorização da profissão e está arregimentando os shoppings no movimento. "Precisamos mostrar que há salários atraentes e um plano de carreira, que muita gente que começou como vendedor hoje está em postos de decisão nas marcas. É possível crescer sendo vendedor."

Mas, para isso, o vendedor precisa ter uma escolaridade melhor e ser treinado para desempenhar novos papéis. Como ser, por exemplo, bem mais pró-ativo do que antes e estar colado no cliente nas redes sociais, monitorando toda a "trajetória de compra".

Até chegar na "heresia" da trilha sonora do MC Federado, portanto, há muita bagagem que não pode ser extraviada. De qualquer forma, não dá para se levar mais a sério que o consumidor.

angelaklinke@uol.com.br


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"Com a concorrência chinesa, tentamos acompanhar o quesito preço e empobrecemos o produto. Deixamos de usar materiais e acabamentos que fizeram nossa história no mercado 'premium' e de luxo".

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