Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Projeto de lei que regulamenta a terceirização da atividade fim divide opiniões

 

Ilustração: Gilberto Fernandes

 

Desde 2004, tramita no Plenário brasileiro o projeto de lei 4330/2004, de autoria do deputado Sandro Mabel (PL-GO). Na pauta, o contrato de prestação de serviços a terceiros e as relações de trabalho dele recorrentes, ou seja, a terceirização. Até então, nada demais, não fosse por um detalhe: a terceirização da atividade fim, o que até o momento é considerado inconstitucional, mas que acontece na prática há muito tempo. A questão agora é oficializá-la ou não, e de que forma.

Até o fechamento desta edição, a Câmara dos Deputados havia aprovado o PL 4330 e o texto tinha seguido para revisão no Senado, que ainda não sinalizou quando e se vai aprová-lo efetivamente, num embate de “olho por olho, dente por dente” entre Renan Calheiros e Eduardo Cunha, mais por questões de poder do que pela real importância do projeto, mas essa é uma história à parte. Em última instância, fica faltando a assinatura da presidente Dilma Rousseff.

Com mais de 200 emendas, uma das mais polêmicas é a 15ª, do deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA), relator do projeto, que coloca a possibilidade de terceirização de qualquer atividade fim de empresas privadas. É nesse ponto que a discussão entra em ebulição, pois envolve questões trabalhistas.

De acordo com Marileuza Silva de Oliveira, advogada sócia da Terentjvas, Oliveira, Marques Advogados Associados, podemos definir trabalho terceirizado como a possibilidade de contratação de terceiros para a realização de atividades determinadas e específicas.

“O art. 2º e os parágrafos 1º e 2º do projeto de lei 4330 definem como: ‘Art. 2º Empresa prestadora de serviços a terceiros é a sociedade empresária destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos’. No inciso § 1º, a empresa prestadora de serviços contrata e remunera o trabalho realizado por seus empregados, ou subcontrata outra empresa para a realização desses serviços; no inciso § 2º, não se configura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja seu ramo”, explica a advogada.

Mas muitas dúvidas têm surgido na cabeça de empresários, terceirizados, funcionários e sindicatos, com bandeiras de prós e contras sendo levantadas a todo momento. Talvez esteja faltando um pouco mais de clareza sobre o projeto de lei a respeito de suas implicações práticas, mas o fato é que ele acabou vindo à tona num momento bastante delicado de toda a indústria nacional, com perda de produtividade e empregos. Certamente, o PL 4330 não pode simplesmente virar lei com base numa discussão concisa; precisa haver bastante consciência sobre seus efeitos para os trabalhadores, as empresas e o mercado como um todo, para que todos ganhem com isso.

Em setembro de 2014, o presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems), Sérgio Longen, apresentou num seminário realizado em São Paulo (SP) a pesquisa Sondagem Especial: Terceirização 2014 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), feita com 2.330 empresas de todo o país, revelando que, de cada dez delas, sete seriam afetadas de forma negativa se fossem impedidas de terceirizar, ameaçando a competitividade de 57,4% da indústria de transformação, na qual se incluem as tecelagens e confecções. Nas palavras de Longen, há que ter regras claras para a aprovação do PL 4330 e um equilíbrio entre as obrigações trabalhistas e o ganho de competitividade das empresas. “A indústria é a favor da competitividade, portanto, é contrária à desproteção e à precarização do trabalho”, disse à época.

Outras pesquisas sobre o assunto foram encomendadas ao Instituto GPP pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), ambos presididos por Paulo Skaf. Segundo divulgado pelas instituições no dia 6 de abril, foram ouvidos entre os dias 1o e 3 de abril 800 trabalhadores em uma pesquisa e, em outra, 235 indústrias de diferentes portes e segmentos. Atualmente, segundo dados da Fiesp, são 300 mil empregados terceirizados absorvidos pela indústria paulista, o que poderia ser aumentado em 44% se houvesse redução da insegurança jurídica, pois 56,8% das empresas que utilizam ou já utilizaram serviços terceirizados receberam reclamações trabalhistas desses profissionais.

Com os trabalhadores, o objetivo era saber qual seu grau de entendimento sobre a terceirização, se eles prestam serviço direto ou são terceirizados e se a regulamentação da lei lhes traria benefícios. Com as indústrias, o intuito era saber em que volume utilizam o trabalho terceirizado, se já tiveram problemas jurídicos com o uso de trabalho terceirizado, se apoiam a regulamentação dessa atividade e se isso se reverteria em aumento de empregos.

Nos resultados divulgados pela pesquisa com os trabalhadores, temos:

·         83,8% deles acham que a lei é positiva e, entre os terceirizados, o índice chega a 90,8%;

·         77,7% acham que a lei vai beneficiar as empresas;

·         79,8% acreditam que a lei vai gerar novos empregos;

·         81,2% dos entrevistados não veem aspectos negativos na lei – entre os terceirizados, 89,3% deles acreditam ser benéfica.

 

Já entre as indústrias, 73,2% utilizam serviços terceirizados, sendo que, entre as empresas de grande porte entrevistadas, o valor sobe para 91%.

“Com a regulamentação do trabalho terceirizado, o Brasil se alinhará às mais modernas práticas trabalhistas do mundo. Nos últimos anos, a contratação de serviços de terceiros ganhou participação relevante no mercado de trabalho, de tal forma que a regulamentação de regras de contratação vai proteger e garantir direitos fundamentais de milhões de prestadores de serviços já em atividade no país”, destacou Skaf em artigo de sua autoria divulgado em 6 de abril, com o título “Terceirização: bom para o país, bom para os brasileiros”.

Segundo ele, a lei também incentivará o surgimento de novas empresas e a ampliação de postos de trabalho na prestação de serviços, pois a ausência de regulamentação da terceirização deixa empregados e empresas em situação mais frágil, especialmente em relação ao recebimento de salários e direitos trabalhistas.

Para quem tiver interesse em acessar os resultados das pesquisas na íntegra, os links são: /az545403.vo.msecnd.net/uploads/2015/04/pesquisa-terceirizacao-trabalhadores.pdf (trabalhadores) e /az545403.vo.msecnd.net/uploads/2015/04/pesquisa-terceirizacao-industrias.pdf (indústrias).

 

BÔNUS X ÔNUS

 

Como existem minúcias a serem estudadas no PL 4330 para sua aprovação, tratamos aqui de analisar os bônus e ônus do PL 4330 sob uma óptica geral.

De acordo com a advogada Marileuza Silva, entre os benefícios que a contratação de terceiros oferece atualmente, estão aumento da qualidade de serviços, já que se pressupõe serem pessoas especializadas no que fazem; redução de custos; otimização de tempo; possibilidade de expansão sem grandes investimentos, entre outros. Contudo, nos ônus, estão acesso dos terceiros a informações confidenciais da empresa, já que podem ser várias empresas contratadas; desmotivação entre os empregados que, normalmente, se sentem ameaçados com a terceirização; mas, principalmente, dificuldades em gerenciar os serviços e também uma pseudorredução de custos, já que, na terceirização, o tomador de serviços responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas.

“Nesse caso, existe sim um ônus que significa que, se a empresa terceirizada deixar de pagar as obrigações trabalhistas de seus empregados, a empresa que contratou os serviços (tomadora) terá que pagar as verbas trabalhistas e tributárias que a terceirizada não pagou. Essa responsabilidade é reconhecida pela Justiça do Trabalho com base na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST)”, explica Marileuza.

Ainda de acordo com a advogada, com a aprovação do projeto, a Justiça do Trabalho não poderia mais julgar ilegal a terceirização de serviços relacionados à atividade fim, nem poderia estabelecer o vínculo empregatício entre a contratante e o empregado da terceirizada, outorgando a esta toda a responsabilidade pelo pagamento dos encargos trabalhistas.

 

CONFECÇÕES: PARECER FAVORÁVEL ÀS TERCEIRIZAÇÕES

 

Velha conhecida dos confeccionistas, a terceirização é praticada por cerca 40% do setor, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Extremamente necessária ao segmento – pelo volume de trabalho e pela falta de incentivos fiscais para a contratação via CLT –, a terceirização “marginalizada” só incentiva práticas abusivas, como tantos casos de trabalho análogo ao escravo que temos presenciado ultimamente.

Por esse e outros motivos, a entidade se declara favorável à formalização da terceirização, porém com leis mais claras e desde que sejam cumpridas.

“Entendemos que a terceirização é necessária e legítima, desde que se cumpram as regras e haja uma relação saudável entre trabalhadores e empregadores, criando um ambiente em que seja levado à risca o que foi acordado e pronto, sem margem para imprevistos a pagar futuramente”, afirma Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit.

Ele conta que, na Europa, desde os anos 1980 a relação de trabalho é feita dessa forma e funciona muito bem, e outros países que concorrem conosco já fazem isso. “A prática já existe no Brasil, só precisa de um marco regulatório. O progresso do país só será feito com a qualificação do trabalho e sem essas discussões bizantinas que estamos tendo hoje”, salienta Pimentel.

Um dos empresários do setor de confecção que se declara a favor da terceirização é Alberto Semer, proprietário da Rose Feijão Confecções, marca de moda infantojuvenil com sede no bairro do Brás, em São Paulo (SP). Em sua opinião, a legislação vigente é arcaica e prejudica o desenvolvimento da indústria, além de ser mais um exemplo da interferência de um Estado paternalista em empresas privadas. “Ao contrário do que dizem os defensores da tese antiterceirização, essa liberação proporcionará um aumento do número de postos de trabalho e, se acompanhada de outras medidas, um aumento da formalização desses postos, além de ir ao encontro da tão falada lei de desoneração da folha salarial, coisa que todos sabem ser necessária mas não exatamente como fazer sem afetar os direitos adquiridos dos trabalhadores”, explana Semer. “Aliás, as teses defendidas por aqueles que proíbem a terceirização, além de serem todas estapafúrdias, sem qualquer fundamento concreto, são evidentemente criações de burocratas que nunca geraram um só emprego, nunca administraram uma empresa e, por outro lado, criação de sindicalistas que só pensam em arrecadar suas contribuições e se locupletarem”, opina.

Para o empresário, é bastante contraditório ver monopólios estatais e privados nas áreas de geração e distribuição de energia e de captação e distribuição de água – para ficar em apenas dois assuntos do momento – contratarem empresas terceirizadas para prestar péssimos serviços à população.

 

As empresárias Marina Kloth e Gabriella Duarte, da Marina & Gabriella: produção 100% terceirizada.

Foto: Divulgação

 

“Urge, pois, que se dê um encaminhamento ao PL 4330/2004, que propõe a regularização da terceirização, apoiada, inclusive, pelo ministro Joaquim Levy, e que cada empreendedor tenha o direito – constitucional – de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entender ser mais eficiente”, desabafa Semer, que também se diz curioso sobre a posição do sindicato patronal sobre o assunto.

Quem também acredita no benefício da terceirização são as empresárias Marina Kloth e Gabriella Duarte, da grife catarinense de moda jovem feminina Marina & Gabriella. Elas contam que terceirizam 100% de sua produção, pois, como são uma empresa iniciante (de 2011), não teriam capacidade de investimento para contratar tantos funcionários, adquirir maquinário e ter o espaço físico necessário. A confecção trabalha com 12 terceirizados, todos do Vale do Itajaí (SC), somando em torno de 30 pessoas prestando-lhe serviços.

“Acreditamos que a lei das terceirizações seja benéfica para ambas as partes. Empresas como a nossa, por exemplo, poderão ter um serviço mais especializado, contando com a habilidade de profissionais específicos de cada área. Além disso, reduzimos as despesas da empresa, diminuindo encargos de folha de pagamentos e despesas na gestão de pessoas dentro da nossa sede. Já para os terceirizados, há maior segurança com relação aos direitos trabalhistas”, defendem as empresárias.

 

COM A PALAVRA, OS TERCEIROS

 

Mais conhecidas como facções, no linguajar do setor confeccionista, as empresas que prestam serviços de mão de obra em costura e modelagem, entre outros, para grandes marcas e magazines estão no mercado para suprir a falta de profissionais especializados no meio e, mesmo assim, a maioria delas trabalha com sua capacidade máxima na maior parte do tempo.

 

A confecção Godoy e Godoy: “O ideal seria as contratantes pagarem pelo custo-minuto de cada peça”.

Foto: Divulgação

 

 

Uma delas é a Confecções Moda Godoy e Godoy Ltda., que fica em Socorro, interior de São Paulo, e atende marcas como Shoulder, Thelure e Absolutti. Esta última, inclusive, foi seu primeiro cliente, há sete anos. Com um quadro de 25 funcionários, sendo 17 na costura e o restante no acabamento, a empresa se coloca a favor da regulamentação da terceirização.

“Para as confecções é ótimo, pois não teriam o fim trabalhista, mas, para nós, teria que ser melhorado o valor pago pelas peças, imposto por elas. Em minha opinião, todas as peças deveriam ser precificadas com base no custo-minuto”, diz Selma Rogéria Passarela Godoy, sócia-proprietária da empresa.

Já para a Fukai Confecções, localizada em Indaiatuba, também no interior paulista, a lei da terceirização não afetará em muita coisa o dia a dia da empresa.

“Trabalhamos com serviço exclusivamente interno, diferentemente de outras facções que repassam seu trabalho a outras oficinas menores, nem sempre formalizadas. A razão desses repasses de serviços está na elevada carga tributária para a manutenção de funcionários registrados na CLT. Não sou a favor da lei da terceirização, uma vez que não há formação de novos profissionais na área da costura, ou seja, a terceirização, creio, diminui o interesse das pessoas de ingressar na carreira de costureira ou costureiro. Logo, em algum tempo, a tendência será o desaparecimento de profissionais se nada for feito em relação às leis e encargos trabalhistas”, explica Edson Tayti, sócio da Fukai, que ainda defende um maior e mais rígido controle por parte do governo na entrada de produtos importados, especialmente os asiáticos, em grande parte feitos com condições precárias de trabalho.

 

“Não acredito que a lei de terceirização venha trazer algum benefício ao nosso setor, que se acostumou a trabalhar com mão de obra terceirizada e informal. Ultimamente, com a vigilância do Ministério do Trabalho em busca de mão de obra escrava, empresas como a Fukai têm se beneficiado. Mesmo assim, devido ao seu custo fixo elevado, é difícil conseguir um lucro proporcional ao investimento”, arremata Edson. E nisso ele está coberto de razão.

http://www.costuraperfeita.com.br/edicao/32/materia/especial.html

Por Silvia Boriello

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