Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A especialista em índigo, Marina Stuginski, que ministrou um workshop de shibori no Denim Meeting 2019, volta a colaborar com o Guia JeansWear. Dessa vez, Marina traz uma matéria incrível contando todo o processo do índigo, desde o plantio até o tingimento. Confira a matéria abaixo!

índigo natural é um pigmento azul composto por vários tipos de moléculas da família indole, sendo a indigotina a principal delas, aquela que lhe dá a cor azul. Porém o índigo não é somente azul, ele é uma cor terciária, composta pelas 3 cores primárias, sendo as principais: azul da indigotina, vermelho da indirrubina e o castanho do isoíndigo. No espectro de 7 cores, a cor índigo está entre a cor ciano e a cor violeta.

Encontramos “tipos de índigo” em quase todos seres vivos da natureza, já que sua molécula precursora, a indole, é gerada pela degradação do triptofano por bactérias, e ela, a indole, faz parte do sistema beta de muitos dos seres vivos, atuando para defender o organismo e produzir hormônios, e como o índigo é uma molécula muito simples e pouco energética, é comum os organismos produzirem, vez ou outra, índigo e indirrubina. Por exemplo, os hormônios melatonina e serotonina, produzidos em nossos corpos, são hormônios indólicos, assim como o cheiro das nossas fezes, das flores de laranjeiras e os rosados de vários tipos de conchas do mar. A famosa fragrância de almíscar é feita de um tipo de indole chamada escatol, que em grandes quantidades tem cheiro de fezes e em pequenas quantidades tem cheiro floral. Sua cor é púrpura.

Índigo vem da palavra indikon, em grego e indicum, em latim, em referência ao pigmento azul que na Era Antiga era importado da Índia pelo Ocidente. Anil, outro nome conhecido por nós para nomear o índigo, vem da corruptela da palavra nila, em sânscrito, azul escuro, que foi inserida ao vocabulário latino pelos árabes, quando eles invadiram a península ibérica. Anil, em português e añil em espanhol.

Apesar de haver estudos e desenvolvimentos recentes de extração de pigmento índigo utilizando fungos e bactérias, são das plantas que tradicionalmente extraímos o índigo natural.

Folhas de índigo maceradas oxidam. A purpurina violeta é a indirrubina se formando no processo.

A humanidade extrai índigo de plantas há mais de 5.000 anos e a amostra mais antiga que se tem registrada de tingimento em índigo é do Peru, que data por volta de 5.000 mil anos.

Diversas plantas são produtoras de índigo e elas estão espalhadas por todo mundo. No Brasil, a mais famosa delas é a Indigofera suffruticosa, que eu cultivo em Colorado, Paraná, mas existem outras plantas de índigo, como espécies da família das Eupatorium e Solanaceae, além de outras espécies de Indigofera. Também podemos extrair índigo dos frutos e flores do abricó-de-macaco, Couroupita guianenses, que eu pesquiso e desenvolvo testes com os frutos e flores desde 2020.

Fruto do abricó-de-macaco oxidando em índigo.

A Indigofera suffruticosa é nativa do Brasil e cresce espontaneamente nos campos de todas as regiões brasileiras. É uma leguminosa. Seu cultivo é fácil e traz várias vantagens para o solo, pois em suas raízes residem bactérias que captam o nitrogênio da atmosfera e fixam no solo, além de suas folhas conterem uma carga extra de nitrogênio, já que a indole possui 1 nitrogênio em sua molécula.

Por serem semi-caducas e perderem parte de suas folhas no inverno, fazem uma boa adubação verde, pois suas folhas contêm boa quantidade de proteína. São utilizadas para recuperar solos degradados, contaminados, salinizados e com erosão.

mais famosa indole precursora de índigo que é produzida pelas plantas de índigo chama-se indicana e é uma molécula de indole ligada a uma glicose. Ela é incolor e dizemos que é precursora de índigo, porque ela precisa passar por um processo para se tornar índigo.

Existem diversas formas de se obter o pigmento índigo, mas a mais famosa de todas e a mais comercial é fazer o pigmento em pó. Para isso, dispomos os galhos de plantas em tanques de água e levamos à fermentação por 12 horas, 1 dias, 3 dias dependendo da espécie. A fermentação vai estourar os vacúolos das folhas e a indicana se encontrará com sua enzima, a Beta-D-Glicosidase, que catalisa a reação quebrando a indicana em acetato de indoxil e glicose. O acetato de indoxil em contato com o oxigênio oxida-se e dimeriza-se em indigotina, indirrubina, isoíndigo e outros índigos. Como a indigotina é um pigmento, e então, insolúvel em água, ela irá precipitar no tanque. Aí é só remover a água, retirar o lodo azul formado no fundo do tanque, coar e colocar para secar, depois moer para se tornar o famoso pó azul.

Para usar o pigmento índigo para tingir precisamos transformá-lo em corante, já que pigmento não tinge, e para acontecer a transformação fazemos um processo de oxirredução em meio aquoso e alcalino, utilizando agentes redutores de oxigênio, que irá reduzir a carga do oxigênio da molécula de índigo, acrescentando 1 par de elétron a ela. É por causa do processo de redução de oxigênio, em que o corante fica em repouso em um tanque tampado para fazer a redução e transformar o pigmento em corante, que nomeamos o tingimento de índigo como sendo um tingimento de tina ou de cuba.

Existem diversos tipos de agentes redutores e os mais ecológicos são as frutoses, as pectinas, o vitriolo verde e as bactérias aeróbicas. Mas existem outros, como a tiourea e hidrossulfitos, que são bem menos amigáveis ao meio ambiente, mas muito utilizados ainda.

Quando todo pigmento se transforma em corante, chamamos de índigo leuco ou branco, ele está apto para tingir. Então mergulhamos as fibras no tanque por um tempo, e quando as retiramos, elas estão amarelas, acastanhadas, amarelas-esverdeadas, dependendo do tipo de tina, e expomos elas ao ar ou mergulhamos em água, para o corante oxidar, perder elétrons, e transformar-se novamente em pigmento azul. Quanto mais banhos damos a fibra mais intenso e escuro se torna o azul.

Quem se lembra dos “deeps” que vinham impressos nas etiquetas das calças Levi ́s? 10 deeps, 12 deeps, 14 deeps, 17 deeps… Quanto mais “deeps = mergulhos”, mais escuras eram as calças e mais caras, também!

índigo sintético trabalha da mesma forma que o índigo natural e sua estrutura molecular é idêntica ao natural. Sua molécula precursora também se chama indole e é obtida através da síntese da anilina. Porém o índigo sintético não tem as mesmas benesses que o índigo natural quando falamos em formas mais amigáveis de tingimento. Isto porque o índigo sintético é feito a partir do petróleo, que já em sua extração causa muitos danos ao meio ambiente, e além, o petróleo não é uma fonte renovável.

Apesar das moléculas de índigo natural e sintético serem idênticas, a degradação do índigo natural e do índigo sintético são diferentes. O índigo natural possui um meio rico, com várias moléculas, enzimas e matérias orgânicas que contribuem com a limpeza de efluente por biorremediação naturalmente, degradando mais rapidamente e naturalmente o pigmento. Já o índigo sintético, feito somente de moléculas de cores necessárias para fazer a cor desejada, (por exemplo, indigotina azul pura, já que até a indirrubina, que se forma junto com a indigotina no processo de sintetização, é removida do pigmento sintético) não possui um conjunto molecular capaz de catalisar a reação de degradação, então, por natureza, não são biodegradáveis. O tratamento de efluente é bem mais custoso, demorado e em muitos casos, não é 100% eficiente.

Índigo sendo aerado após a fermentação, para feitura de pigmento em pó.

É possível tingir em vários tons de azuis utilizando o índigo natural, azuis que vão dos mais clarinhos aos mais profundos, noturnos e quase pretos. Também é possível manter o padrão de cores nos lotes com muita facilidade.

O índigo natural é muito resistente às lavagens. Uma peça tingida de índigo dura anos e anos de uso regular. Tingimento em índigo em tinas de folhas, quando as folhas vão integralmente para a tina e não somente o pigmente azul, dão belos e ricos azuis, que possuem uma particularidade especial, não soltam aquela fuligem azul, independente da intensidade da cor.

Tingir com índigo natural é algo muito especial para nós tintureiras e artistas, porque revivemos uma tradição, recuperamos a cultura, o saber-fazer, aprendemos a observar a natureza, sua bioquímica, além de trabalhar com um tingimento que agrega valores ecológicos tanto para a agricultura quanto para a tinturaria.

Sobre Marina Stuginski:

Pesquisadora, educadora, desenhista têxtil e de moda, tintureira e artista, formada em Moda pela FASM, trabalha para diversas marcas de moda no Brasil e trabalhou por vários anos em lavanderia industrial de jeans em Maringá, Paraná.


Desde 2013 pesquisa tingimento em índigo natural, tingimento com plantas nativas do Brasil e estamparia de mordentes, as famosas “Chitas”. Pesquisa biotecnologias e processos enzimáticos para aplicar em seu trabalho.

Cultiva seu próprio índigo nativo do Brasil desde 2015, na Água do Sapavussu da Jupira, zona rural de Colorado, Paraná, onde mora sua família.

Marina et Marina é sua marca, que produz peças de decoração, moda e arte em pequenas tiragens e sob medida. É especializada em tingimento natural e estamparias com plantas e minerais.

Também ministra aulas, consultorias para marcas sustentáveis e tinge peças para outras marcas em seu novo projeto chamado “Lavanderia da Chita”. Seu ateliê fica no Bom Retiro, São Paulo.



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