“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher." A citação de Simone de Beauvoir foi publicada pela primeira vez em 1949. Mais de sete décadas depois, ainda muito há para discorrer sobre o assunto.
Os primeiros sapatos de salto alto de que há registo eram utilizados por soldados da cavalaria Persa, no século XVI, para manter os pés presos nos estribos dos cavalos. Mais tarde, o salto alto passou a ser um objeto do homem no dia a dia, como um símbolo de riqueza. Durante a Idade Média na Europa, a altura do sapato era um reflexo da autoridade do homem: quanto mais alto o salto, mais alto o status. O rei, o derradeiro autoritário, era o detentor do sapato mais alto, tome como exemplo o Rei Luís XIV de França.
Já a saia teve a sua origem no Antigo Egito. A peça original era um pedaço de tecido que se enrolava à volta da cintura e era presa com um cinto, tinha o nome de shendyt. Normalmente feita de linho, a saia era utilizada por homens e, quanto mais alta era a classe social, mais fino e delicado era o tecido. Mais tarde, o corte foi adotado pelas mulheres. Mas ainda hoje existem determinadas culturas em que a saia é característica do guarda-roupa masculino, como o kilt escocês.
No entanto, nos dias de hoje associamos ambas as peças, e muitas outras, exclusivamente à mulher. Mas a verdade é que não há nada na fisionomia do homem que tenha evoluído para o impedir de usar uma saia ou um par de sapatos de salto alto. It’s all in our heads. Este condicionamento é-nos imposto desde cedo: pelos pais, avós, pelos media. Aliás, foi ainda em 1996 que Ross Geller, de Friends, entrou em pânico por saber que o seu filho (ainda bebé) brincava com uma Barbie. No entanto os objetos são, por natureza, coisas neutras, são um it, não um he ou she – não têm sexualidade.
Estamos em 2021 e cada vez mais vimos a perceber que o género não é uma coisa biológica que nos define à nascença. É, pelo contrário, uma caixinha (ou, neste caso, duas) man made com todas as características e expectativas específicas do homem e da mulher, uma conclusão da filósofa Judith Butler em 1990. A autora norte-americana diz que o género é um rótulo que cada um de nós constrói ao longo das nossas experiências sociais. Como? Ao tentar integrarmo-nos na sociedade, estamos a reproduzir os estereótipos que já existem, para que sejamos melhor aceites.
Cada vez mais vamos assistindo à lenta introdução do andrógeno e ao desafiar dos estereótipos – nesse sentido, um sincero obrigada a Billy Porter e Kristen Stewart. Talvez seja seguro dizer que a Geração Z está a tomar conta da missão de contestar os preconceitos impostos por gerações anteriores. Os mais jovens parecem não estar interessados em perpetuar o género de objetos que são naturalmente neutros. São só 45% as mulheres da Geração Z que dizem vestir roupas destinadas a mulheres. Num estudo feito em fevereiro de 2021, pela agência de marketing Bigeye, revelou-se que esta geração considera que atribuir género a produtos como perfumes, vitaminas e cuidados de pele não é vantajoso. Os rótulos binários estão desatualizados, segundo 50% destes jovens mas são os Millennials que mais concordam com esta afirmação, precisamente 56%. Daqui a dez anos vamos associar muito menos o género a características, produtos e profissões - 51% da amostra total, que inclui pessoas dos 18 aos 75 anos, concorda com esta ideia.
O desafiar dos estereótipos está a levar à ascensão de marcas de roupa genderless – destinadas a todas as identidades de género. A Telfar é uma marca de roupa e acessórios fundada em 2005 em Nova Iorque, cujos produtos não são comercializados exclusivamente para homens ou mulheres - it’s for everyone, diz o slogan. Também a Urban Outfitters tem uma coleção unissexo, com 34 peças de roupa e óculos de sol.
Talvez os rótulos binários estejam mesmo desatualizados, a emergência de identidades fora dos pólos homem-mulher é a prova disso. Então, porque continuamos a associar género a um pedaço de tecido? Se calhar a sociedade não vai descambar se deixarmos de o fazer.
https://www.vogue.pt/toda-a-gente-pode-usar-vestidos
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