Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A prática de usar reclusos na produção de vestuário levanta questões éticas, mas também de concorrência para os produtores privados que querem apostar na produção dentro do território americano.

[©Federal Prison Industries]

«Os reclusos americanos estão envolvidos num programa de trabalho onde produzem vestuário para ser vendido ao Governo Federal dos EUA», afirma, ao Just Style, Steve Lamar, presidente e CEO da American Apparel & Footwear Association (AAFA), o mesmo que criticou, no Twitter, o facto do governo estar a promover o programa de indústrias nas prisões federais como representando «a indústria americana no seu melhor».

O UNICOR, nome por que é conhecido o programa das Indústrias das Prisões Federais (FPI), pretende ser uma ferramenta de requalificação e posterior reintegração da população prisional e existe há mais de 90 anos.

«Está mais ou menos em autopiloto», explica o CEO da AAFA, que considera que o programa retira negócio aos produtores de vestuário americanos.

O UNICOR produz mais de 80 produtos e serviços diferentes, distribuídos por seis áreas principais, que são vendidos ao Governo Federal. Os principais clientes são as agências governamentais, incluindo o Departamento de Defesa, o Departamento de Segurança Interna, o Departamento de Justiça, Serviços Administrativos Gerais, a entidade responsável pelos assuntos relacionados com veteranos e os Serviços Postais. Segundo o The First Step Act, que entrou em vigor em dezembro de 2018, o UNICOR pode vender os seus produtos a entidades públicas para utilização em instituições penais ou de correção, entidades públicas para utilização em resposta a catástrofes e emergências, e ao governo do distrito de Columbia.

Os objetivos do programa, aponta Steve Lamar, «são muito nobres no papel», assinalando a ideia de ser um programa de reabilitação de reclusos para evitar recaídas e formá-los para a vida fora da prisão e ainda gerir a estabilidade da prisão mantendo as pessoas ocupadas. «Apoiamos todos estes objetivos», sublinha.

«A questão é se estão a ser cumpridos. Quando investigamos um pouco mais, percebemos que os presos são obrigados – forçados a trabalhar. Todos os reclusos capazes têm de trabalhar. Não recebem um salário mínimo e há várias outras questões que são indicadores de trabalho forçado, na definição da Organização Internacional do Trabalho», refere.

«O próprio UNICOR tem um panfleto intitulado Factories with Fences [que pode ser traduzido por Fábricas com Vedações]. Numa era em que estamos a falar de que esforços podem ser feitos para remover o trabalho forçado das cadeias de aprovisionamento, isto destaca-se negativamente. A nossa principal preocupação é que o governo americano está a apoiar uma espécie de trabalho forçado que precisa de ser solucionada», acrescenta Steve Lamar ao Just Style.

UNICOR nega trabalho forçado

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, há 11 indicadores de trabalho forçado, sendo que o UNICOR «cumpre, objetivamente, quatro desses indicadores», indica o CEO da AAFA. «Subjetivamente são muitos mais. Mas certamente, obrigação de dívida, obrigação de trabalhar e movimentos restringidos. A presença de um único destes critérios seria assinalada no ambiente do sector privado e obrigaria a fechar e a decidir que passos dar para mitigar a situação. A presença de qualquer uma destas coisas poderia espoletar uma notificação Withwold Release Orders [que permite à alfândega tomar medidas para evitar que entrem nos EUA importações sobre as quais haja indícios de ter sido usado trabalho forçado na sua produção]», acrescenta.


[©Federal Prison Industries]

Em declarações exclusivas ao Just Style, um porta-voz do UNICOR assegurou que nenhum preso é «alguma vez obrigado a trabalhar para a FPI» e que o programa é 100% voluntário. «Os presos selecionados para trabalhar na FPI podem despedir-se a qualquer momento e por qualquer razão, sem qualquer consequência», garantiu.

O porta-voz referiu ainda que «os trabalhadores prisioneiros da FPI são participantes num programa de trabalho na prisão, não funcionários nos sectores privado ou governamental onde operam os sindicatos. Se não gostam do programa, podem livremente frequentar outro».

Embora a FPI não integre a Forced Labour Association, o Just Style contactou esta associação para obter a sua posição sobre este tema. Shelly Han, diretora da associação, afirmou que embora não tenha especificamente avaliado a oferta de negócio da FPI, já analisou outros modelos de trabalho nas prisões nos EUA e noutras partes do mundo.

«Tendo em conta a sua natureza não-voluntária, assim como os salários abaixo da média (ou inexistentes), a Forced Labour Association não aprova o trabalho na prisão sob qualquer circunstância. O trabalho na prisão que é gerido por entidades com fins lucrativos é particularmente problemático. Os nossos padrões proíbem o uso de mão de obra prisional nas cadeias de aprovisionamento dos nossos membros em todos os momentos e em todos os países, incluindo nos EUA», declarou.

Concorrência desleal

Embora a FPI sublinhe que os seus programas geram produtos vendidos apenas ao governo federal, não competindo, por isso, com as empresas do sector privado, Steve Lamar acredita que essas são oportunidades que poderiam ser entregues a entidades privadas.

«O trabalho forçado, para além de ser uma situação terrível para os trabalhadores envolvidos, cria também uma dinâmica competitiva injusta para as entidades que não estão envolvidas em trabalho forçado e isso está certamente presente nesta situação», refere o CEO da AAFA.

Sob a legislação Berry Amendement, as compras de uniformes, calçado e equipamento por parte dos militares americanos deve ser feita a produtores americanos com materiais produzidos nos EUA.

«Alguns chamam-lhe o “Buy America com esteroides”. É uma lei Buy America muito restritiva. Contudo, tem funcionado bem para preservar uma base doméstica quente (pronta para a guerra). Por um lado, significa que os produtores americanos não têm de competir com estrangeiros. Em vez disso, estão a concorrer com a FPI cuja estrutura de custos é subsidiada ou muito inferior à de uma empresa privada. E a FPI ainda está no topo da lista de preferências para contratos do governo», realça Steve Lamar.

Isto significa que qualquer entidade que queira comprar alguma coisa, primeiro tem de verificar se a FPI não a vende – se vender, tem preferência, não há sequer um concurso público. E quando vai a concurso, a FPI pode concorrer.

«A forma como a lei é interpretada significa que se houver qualquer tipo de concorrência, a FPI pode competir. Às vezes, quando sai um contrato, o Governo Federal seleciona grupos para os quais gostaria de impulsionar o negócio, como pequenos negócios ou negócios detidos por mulheres. E a FPI pode concorrer nesses casos. Apesar de ser um programa governamental massivo com 65 fábricas, 20 mil unidades e vendas superiores a 400 milhões de dólares por ano, pode concorrer com as pequenas empresas ou as empresas detidas por mulheres», indica. «Isto é tão frustrante a tantos níveis, uma vez que significa que os produtores americanos não estão a conseguir negócios numa altura em que estamos a tentar encontrar formas de gerar negócio cá, de apoiar a sua capacidade de prosperarem e reterem trabalhadores e investirem nas empresas. Não somos capazes de fazer isso. Numa altura em que estamos a tentar fazer de tudo, enquanto país, para nos assegurarmos que o trabalho forçado – independentemente da sua forma ou localização – não acontece, o governo americano parece ter-se escudado desse exercício, já que continua a apoiar essas ações», salienta Steve Lamar.

A AAFA já tentou dialogar com a FPI ao longo dos anos e apelar a que não se expandisse, mas a entidade defende-se com as restrições estatutárias «para mostrar que não representam uma ameaça», pelo que «as discussões não têm sido muito produtivas».

Os próximos passos passam por reforçar a comunicação da situação no Congresso e em Washington. «Não consigo imaginar, nem por um segundo, um universo em que qualquer pessoa nos EUA quisesse descrever a produção de produtos numa fábrica de prisão como representando o melhor da produção americana. É ofensivo. É terrível, A esperança é acabar com a produção e o apoio. Espero que isto leve à eliminação de algumas soluções de curto prazo que levem a uma dinâmica competitiva imediata e a um diálogo a longo prazo sobre “é esta a melhor forma de formar e reabilitar presos? Devíamos apoiar-nos nestas técnicas de trabalho forçado?”. Diria que não. Diria absolutamente que não. Mas penso que há partes com interesse no programa que acreditam noutra coisa. Mas devíamos mesmo decidir se este é realmente um programa que representa o melhor que os EUA têm para oferecer», conclui Steve Lamar.

https://portugaltextil.com/trabalho-forcado-no-made-in-america/

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