Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Da geopolítica à legislação europeia – que vai condicionar todo o sector do vestuário profissional e de proteção e a que a indústria portuguesa está já a responder –, são vários os fatores que irão moldar o mercado nos próximos anos.

Numa análise ao panorama internacional feita na PCIAW, Paulo Portas começou por contrariar algumas das previsões feitas no final de 2022. «As empresas de consultoria e as organizações internacionais diziam que o Reino Unido, a Alemanha e Itália estariam em recessão. Lamento informar que não é verdade. Apenas a Alemanha está no caminho da contração», lembrou, sublinhando que «o mundo tornou-se imprevisível», como provam os últimos anos, com a pandemia, a guerra na Ucrânia e, mais recentemente, o conflito na Palestina. «Ninguém previu estes eventos», destacou.

Em termos económicos, Paulo Portas evidenciou a resiliência dos EUA, elogiando o seu modelo. «Onde é que podemos encontrar uma economia com um crescimento contínuo e ininterrupto de 129 meses como o capitalismo americano? Os europeus adoram criticar o modelo americano. Mas conseguem dizer-me um modelo europeu que seja tão eficiente como o americano? E o modelo deles não é semelhante ao europeu. É fácil contratar, é fácil despedir. Capital abundante, leis flexíveis, não há muita regulamentação e impostos baixos e podem ter uma performance tão boa quanto quiserem», enumerou.

A China, por seu lado, parece estar em mais dificuldades, depois de décadas de crescimento a dois dígitos impulsionado pela abertura ao mercado implementada por Deng Xiaoping. «Ele nunca prometeu democracia política, apenas economia de mercado. E durante muitos anos, o povo chinês habituou-se a um crescimento a dois dígitos», explicou. As mais recentes medidas governamentais, contudo, levaram a uma redução do crescimento, que o partido comunista chinês espera que atinja 5% em 2023. «Não será uma tarefa fácil. Estão a lutar para isso. As exportações não estão bem, as importações estão um pouco em baixo, a confiança também não está bem e a produção está instável», referiu. Em termos estruturais, a China enfrenta ainda três problemas: imobiliário, com muitas casas construídas que não têm compradores; dívida pública, que está a atingir, segundo Paulo Portas, o nível do mercado americano; e a demografia, com um saldo negativo entre mortes e nascimentos. «Em PIB per capita, a China nunca será a maior economia do mundo. Está muito longe da americana ou da europeia», indicou.

O ex-ministro focou igualmente o papel da globalização no desenvolvimento mundial, sobretudo nos países em desenvolvimento, tendo como pilares o comércio, o investimento e a inovação. «Se abandonarmos a globalização, vamos ficar mais pobres. Porque se não vendemos e comprarmos, somos menos competitivos», afirmou. Como exemplo deu a saída dos EUA da Parceria Transpacífica na era Trump, a qual foi aproveitada pela China. «Quando se quer depois recuperar a posição, a mesma já foi assumida por alguém», realçou, dando conta da necessidade da Europa, «o continente mais internacionalizado do mundo», manter-se em linha com a globalização, mas procurando ser «mais autónoma da Ásia, porque dependemos mais dos mercados da Ásia do que dos EUA».

Paulo Portas abordou ainda as políticas monetárias de diversos países, as uniões regionais, como a entrada de seis novos países nos BRIC, e as questões energéticas, nomeadamente de petróleo, mais prementes com a intervenção militar de Israel na Palestina, assim como a sustentabilidade, a digitalização e a inovação como fatores que deverão ser tidos em conta pelos empresários.

«Em conclusão, temos de defender as nossas indústrias não regulando em demasiado porque outros regulam menos e muita regulamentação perturba e prejudica a nossa competitividade. Também temos de taxar menos porque quando temos muitos impostos, reduzimos o investimento. E, em terceiro, temos de ter um pouco de reciprocidade. Não digo uma reciprocidade total, mas um pouco de reciprocidade entre os que estão a combater efetivamente as alterações climáticas e as economias em desenvolvimento», sustentou. «Vocês têm um problema de importações com um peso em carbono de economias em desenvolvimento que competem na Europa com empresas que estão a combater as alterações climáticas. Não é concorrência justa. Vocês precisam de reciprocidade», resumiu Paulo Portas.


Os pacotes legislativos que estão a ser negociados na União Europeia terão um forte impacto no sector do vestuário profissional e de proteção, que terá de avançar para um modelo de negócio circular, uma área onde a ITV nacional está a fazer progressos.
Dirk Vantyghem

A reciprocidade mencionada por Paulo Portas é uma das reivindicações da Euratex, como revelou, na cimeira da PCIAW, o diretor-geral da confederação, Dirk Vantyghem, nomeadamente no que diz respeito à Estratégia para os Têxteis Sustentáveis e Circulares. «A relação entre a Europa e o resto do mundo está a mudar. Está a mudar de um mercado muito aberto, sem perguntas, para uma relação mais crítica, onde insistimos em regras justas e igualitárias», destacou Dirk Vantyghem.

O diretor-geral da Euratex fez referência às mudanças que deverão ser implementadas, através da legislação da UE, no mercado europeu na produção de têxteis e vestuário, nomeadamente com a utilização de matérias-primas mais sustentáveis e processos que reduzam a pegada ambiental dos artigos, assim como com a chegada, para breve, da responsabilidade alargada do produtor e do passaporte digital do produto, que vai permitir uma maior rastreabilidade e transparência. «Em resumo, o que a Europa está a fazer com esta estratégia é forçar o nosso sector a passar do tradicional modelo de negócio linear para um modelo de negócio circular», mencionou.

Nesse sentido, acredita Dirk Vantyghem, «estamos a liderar, estamos a desenvolver novos padrões também a nível mundial», citando as negociações de acordos de comércio livre com países como a Índia, «que incluem regras exigentes de sustentabilidade» que vão levar a que os concorrentes adotem «os mesmos padrões ambientais que temos na Europa».

No fundo, «estas grandes mudanças estão a chegar e estarão aí não tarda nada. Será um processo que irá demorar mais ou menos cinco anos. Alguma legislação está praticamente decidida, outra está em discussão entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, Estados-Membros, o sector privado e a indústria. É um ambiente muito complexo. Mas o que os empresários têm de perceber é que, em cinco anos, vamos estar a operar num panorama legal diferente, com muitas regras, muitas limitações, muitas proibições detalhadas que será necessário cumprir», sintetizou o diretor-geral da Euratex, que assinalou ainda o custo que esta adaptação terá e apelou ao apoio das entidades europeias e ao alargamento do mesmo tipo de regras a todo o mundo. «Se todo este exercício serve para dar um contributo positivo para o planeta, temos de trabalhar em conjunto. Esta dimensão global é importante», apontou.

A comunicação terá um papel importante, quer na dimensão do consumidor, que tem a última palavra sobre o que quer comprar, quer na dimensão institucional, «para mostrar como a indústria têxtil é bela e diversa e para dar a conhecer os esforços que estão a ser feitos pelas empresas, pequenas e grandes», incluindo em áreas como a reciclagem, onde a Euratex tem vários projetos.

Portugueses atentos

Estes esforços estão igualmente a ser feitos em Portugal, como salientou António Braz Costa, diretor-geral do CITEVE, que sublinhou o investimento que Portugal tem feito nos últimos anos em termos de ciência e tecnologia. «Por cada mil pessoas, 13,5 estão envolvidas em ciência e tecnologia, o que é muito recente para nós», realçou, acrescentando que «sem ciência, sem tecnologia e sem um forte sentido de inovação, seria impossível o sector existir em Portugal».


António Braz Costa

Apontando a capacidade nacional de responder a todas as fases produtivas, António Braz Costa assinalou que os têxteis técnicos representam, atualmente, cerca de 30% da produção de têxteis e vestuário no nosso país – focados na área do desporto, do automóvel e da proteção, especialmente na área da defesa e da indústria – e enunciou os esforços que estão a ser feitos na transição para a bioeconomia, onde a dificuldade passa por «encontrar novas soluções que tenham as mesmas performances e as mesmas funcionalidades».

As matérias-primas usadas são um dos focos da estratégia portuguesa para se tornar mais sustentável, indicou o diretor-geral do CITEVE, referindo os diferentes projetos na área das fibras regeneradas de celulose, produzidas a partir de biomassa, assim como da reciclagem, um domínio onde é necessária uma evolução das tecnologias. «Temos test beds, temos muitos projetos de desenvolvimento para encontrar soluções» que permitam identificar e separar diferentes tipos de fibras, encaminhando-as para os processos de reciclagem mais adequados a cada uma, frisou.

Igualmente importante será o aprimoramento do eco-design, a começar na formação. «As escolas de moda não têm o conhecimento dos materiais. Por isso, a indústria e a comunidade científica têm uma responsabilidade maior em apoiá-las, introduzir conhecimento e capacidade de compreender as diferenças nas escolas de moda – um designer tem de perceber a diferença» entre fibras, explicou o diretor-geral do CITEVE.

A digitalização das empresas terá ainda um papel importante, nomeadamente naquilo que será a necessidade de calcular a pegada ambiental de um produto e que estará explícito no passaporte digital do produto, assim como a capacidade de cooperação. «Estou muito orgulhoso com uma mudança que aconteceu nos últimos anos. Normalmente as empresas tinham o departamento de desenvolvimento fechado a sete chaves. Neste momento, estão a cooperar umas com as outras e têm uma relação forte com o sector científico e tecnológico em Portugal. E é por isso que sou um otimista e tenho a certeza que este não é o fim da indústria têxtil e vestuário em Portugal», concluiu António Braz Costa.

https://portugaltextil.com/um-mundo-em-mutacao-partes 1e 2/

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