Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Uma linha de costura e dois dedos de conversa contra o isolamento — E pelo ambiente

O programa From Granny To Trendy é uma iniciativa da marca sustentável Vintage For a Cause que oferece workshops de costura criativa e reaproveitamento de materiais a mulheres com mais de 50 anos. Ateliers em que se faz frente ao desperdício têxtil — e onde “o convívio vale tudo”.

Entramos na pequena sala e somos confrontados com diversas fotografias de desfiles coladas às paredes. Máquinas de costura ocupam a mesa encostada à janela, do lado oposto do canto onde descansa o manequim. Perto da porta, há um cabide repleto de casacos, calças de ganga e vestidos em fase de transformação. “Também vieram aprender a costurar?”, atira-nos Maria António Sampaio, de 71 anos, uma das voluntárias, enquanto puxa de uma cadeira para se sentar. Estamos em Valbom, Gondomar, no meio de mais um workshop do programa From Granny To Trendy, no qual se reutilizam trapos como forma de combater o isolamento. 


A ideia tem a assinatura da Vintage For a Cause, marca de roupa fundada em 2013 por Helena Antónia. Depois de uma licenciatura em Direito, foi numa pós-graduação em Empreendedorismo e Inovação Social que adquiriu as bases para arrancar com a empresa. Na Social Business School, onde estudou, era muito importante “reflectir sobre problemas sociais negligenciados”, conta ao P3. Igualmente fundamental, acrescenta, era “criar respostas em forma de negócio”, com “potencial replicável e sustentável”.

Linhas orientadoras não muito diferentes das que desde cedo aprendeu a seguir em casa, com a mãe costureira e os irmãos que trocavam peças de vestuário entre si. “Sempre fui habituada a usar roupa transformada. Os nossos pais e avós já faziam economia circular antes de nós”, sugere. Circular porque, na sua essência, a ideia da Vintage For a Cause passa por criar, consumir e reaproveitar – tudo em loop.


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A From Granny To Trendy combate o desperdício têxtil — e o isolamento TIAGO LOPES


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Aqui “as mulheres ocupam o tempo e sentem-se valorizadas” TIAGO LOPES

Mas esta plataforma colaborativa, que, argumenta a fundadora, surgiu numa altura em que “a sustentabilidade não era um tópico nas políticas públicas”, nunca quis apenas combater o desperdício têxtil. Importava também contribuir para o envelhecimento activo e ajudar à “inclusão de mulheres idosas em situação de vulnerabilidade” no mercado de trabalho. Assim ganhou forma a ideia From Granny To Trendy.

A iniciativa consiste na realização de diversos workshops de três meses para mulheres com mais de 50 anos. As participantes são acompanhadas por monitoras que lhes ensinam técnicas de costura criativa e reaproveitamento ou transformação de roupa. Cada uma traz de casa o trapo antigo que quer voltar a configurar. O vestido esquecido que já não saía do armário há anos ou aquela saia com um potencial lindíssimo que entretanto saiu de moda. A roupa usada adquire novos contornos – e nada é lixo. As “aulas” culminam num desfile anual com direito a sessão fotográfica profissional, onde os trabalhos desenvolvidos são apresentados (o próximo decorre na tarde de sábado, 15 de Fevereiro, pelas 16h30, no Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, em Matosinhos, e conta com a presença de cerca de 50 costureiras). No ciclo seguinte, algumas das voluntárias assumem o papel de orientadoras das novas colaboradoras. Um movimento circular, assim como o mote da Vintage For a Cause, que garante a continuidade destes encontros em que “as mulheres ocupam o tempo e sentem-se valorizadas”.


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Laura Nunes, de 65 anos, faz de tudo para não faltar a uma sessão do clube de costura em Valbom. Duas vezes por semana, pensa em formas de dar uma lufada de ar fresco às peças que desenterrou do baú. De há uns tempos para cá, é a nova bainha que está a fazer a um dos vestidos que a entretém. “Só não venho se estiver doente. Ia ficar sozinha em casa?”, comenta. Elvira Sousa, também com 65 anos, conversa e costura com uma alegria indisfarçável. Tem uma enorme “vontade de aprender”, mas diz que “não é só pela roupa” que se inscreveu. “Chamamos amigas, umas passam a palavra às outras. O convívio vale tudo.”

A produção das roupas vendidas pela Vintage For a Cause, assinala Helena Antónia, é toda ela assegurada por costureiras profissionais com mais de 50 anos, “às vezes sinalizadas nestes workshops”. Mas muitas das participantes da From Granny To Trendy não estão interessadas num regresso ao mundo profissional – nem fazem planos de encarar a costura como profissão. “A motivação delas é, acima de tudo, conhecer pessoas novas e estimular a criatividade”, frisa. A possibilidade de coser uma camisola nova a partir de pedaços reutilizados que, de outra forma, acabariam no caixote do lixo não seria a mesma coisa sem a oportunidade de escapar ao silêncio da casa vazia.


PÚBLICO - Nestes clubes de costura tudo é reaproveitado - e nada é lixo. Nestes clubes de costura tudo é reaproveitado - e nada é lixo. TIAGO LOPES
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Para já, a iniciativa divide-se entre quatro ateliers, nos municípios de Esposende, Gondomar, Guimarães e Porto. A marca de roupa, que diz já ter conseguido uma poupança de três milhões de litros de água e sete mil quilos de dióxido de carbono através da recuperação de desperdício têxtil, pretende criar 18 clubes de costura até 2021. Helena Antónia fica feliz por ver que a From Granny To Trendy tem conseguido juntar “a capacitação das pessoas mais velhas” ao “pensamento sustentável” – que, salienta, é “o princípio de tudo” desde a fundação do projecto.

Maria António Sampaio, sentada na ponta da mesa onde as mulheres do clube de costura de Valbom trocam ideias e sorrisos, inscreveu-se há pouco tempo no programa. Ainda não conhece bem todos os rostos com quem partilha o espaço, mas é acolhida como se fosse uma companheira de longa data. “Vou aprender a usar uma máquina de costura. Agora! Com 71 anos... Estou reformadinha, sossegada. Parece-me uma boa ideia”, brinca. A From Granny To Trendy indica que não é uma ideia descabida, e, da reutilização à inclusão, mostra que não há linha de costura melhor do que aquela que se cose ao som de uma boa conversa.

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