Para o economista e consultor Nelson Barrizzelli, as grandes redes de varejo atravessarão mais facilmente a crise. Já os pequenos lojistas, preocupados com preços, não aprenderam a conhecer melhor a clientela
O varejo brasileiro enfrenta uma das piores crises dos últimos anos. Há lojas fechando em bairros de todas as classes sociais. Como enfrentar este período de baixo consumo, que deve se estender, por pelo menos dois anos, segundo as previsões mais otimistas de empresários e economistas?
Empresários de todos os setores têm de controlar as despesas fixas, especialmente em um momento de queda de receita. Se tiver despesa fixa alta, com queda de vendas, não vai sobreviver, alerta o economista Nelson Barrizzelli, consultor especializado em varejo.
A seu ver, o país atravessa um momento delicado e os lojistas têm de saber a hora de entregar literalmente o ponto. Quais são os sinais? “Quando, por dois meses consecutivos, a empresa fecha no vermelho e tem de pedir dinheiro emprestado para pagar empregados e fornecedores”.
O varejo passa por uma das situações mais difíceis dos últimos anos. Há muitas lojas fechando em bairros de todas as classes sociais. O que está acontecendo com este setor?
Tudo isso se insere dentro do ambiente econômico em que vivemos, que já mostrava fraqueza desde 2013. Enquanto o brasileiro não sentiu o desemprego na sua casa ou na proximidade dela, foi no embalo do consumo, que começou em 2006.
Somente no segundo semestre de 2014 os comerciantes começaram a se dar conta de que haveria uma inflexão da curva. Em dezembro, o desempenho do comércio foi muito ruim (queda de 2,6% em relação a novembro de 2014, a primeira queda após quatro meses consecutivos de expansão, segundo o IBGE).
O país viveu durante anos uma situação que foi sendo empurrada com a barriga pelo governo. A população não enxergou o desemprego de forma explícita e foi tocando a vida até que, em 2015, a crise que a presidente Dilma diz que não via, se mostrou com toda a força.
O que era preciso ser feito para que o país e o setor de varejo não tivessem de enfrentar essa crise?
O governo não tomou as medidas necessárias para corrigir a economia. Só pensou na reeleição. O governo deveria ter aumentado os preços administrados gradativamente, gerando alguma inflação em período pré-eleitoral. Se tivesse feito isso, a inflação não estaria tão alta como agora. O Banco Central deveria ter agido.
Quais deveriam ter sido as ações do BC?
Se os juros estivessem mais altos antes, em torno de 8% a 10% ao ano, para controlar a inflação, que seria menor do que a de hoje, a crise não seria tão intensa. O governo teria levado o país a um ritmo menor de consumo, com um certo nível de desemprego, e teria diluído a crise em dois ou três anos, de modo que o país sairia dela muito mais facilmente.
Só que o governo pensou mais na reeleição e até reduziu os juros, quando os juros deveriam se manter ou subir levemente para conter a inflação, o que seria inevitável com os ajustes de preços administrados.
Em em vez de o país ter de enfrentar de cinco a seis anos de desemprego, isso se normalizaria em dois ou três anos. E agora estamos numa crise que ninguém sabe onde vai dar. Tudo foi feito de uma vez. O que o varejo enfrenta, neste momento, é um consumidor com medo de perder o emprego, de consumir.
Com isso, os lojistas compram menos da indústria, que demite os funcionários, que acabam comprando menos. Isso vira um círculo vicioso que se retroalimenta.
Quais os setores do varejo mais e menos atingidos com esta crise?
Os setores menos atingidos são o de alimentos e os ligados à saúde, até porque ninguém pode deixar de comer e de tomar remédio. Todos os demais foram atingidos em níveis diferentes. Os produtos mais baratos continuam sendo comprados, como roupas e calçados populares. Nesses setores, a retração de consumo parece ser menos evidente.
Os setores de móveis, eletroeletrônicos e automóveis são os que mais sofrem. Quem vai trocar o carro hoje é quem tem algum dinheiro, como os pequenos empresários de regiões menos afetadas. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país são mais resistentes à crise. As regiões Sul e Sudeste já estão sendo mais afetadas.
O que os comerciantes devem fazer para enfrentar este momento?
Eles têm de fazer o que todo o empresário deve fazer com crise ou sem crise: controlar as despesas fixas. Quando as vendas caem, se tiver despesa fixa baixa, a empresa não entra em prejuízo, vai até certo limite no qual despesa e lucratividade se equilibram e ele consegue sobreviver. Se tiver despesa fixa alta, com queda de vendas, ele não sobrevive. O varejista precisa transformar o máximo de despesa fixa em despesa variável.
As lojas de shopping já estão tentando renegociar contratos de aluguel considerando o faturamento, que está caindo…
No caso de shoppings, os lojistas pagam de aluguel um percentual da venda e, se não atingirem a margem, eles pagam um aluguel fixo. Se o comerciante faturar mais do que R$ 100, como hipótese, ele paga 6% de aluguel. Se faturar menos do que R$ 100, paga um valor fixo. Esse custo, o aluguel, é muito importante, especialmente para uma loja de shopping. É importante que os lojistas sempre façam acordos com aluguel variável, considerando o faturamento. Do contrário, com a queda de vendas que está ocorrendo, eles vão fechar no vermelho.
Para as grandes redes, cortar custos pode ser mais fácil do que para os pequenos. Quais as recomendações para os pequenos comerciantes?
Se as vendas do pequeno comerciante caírem a ponto de fechar o mês no vermelho, mesmo pagando o piso da categoria, é melhor que até feche as portas. Agora, se tiver algum fôlego, fizer mudanças, conseguir melhorar um pouco a lucratividade, de forma que isso não o leve a se endividar mais, deve tentar se manter até a crise acabar. Uma hora a crise vai acabar.
Quais são os sinais de que o comerciante deve fechar a loja?
Quando acaba o capital de giro próprio e a empresa começa a se endividar de forma crescente. Quando, durante dois meses consecutivos, a empresa fecha no vermelho e tem de pedir dinheiro emprestado para pagar empregados e fornecedores. Nesta situação, minha recomendação é o fechamento da empresa.
Não temos perspectiva de que a crise irá acabar no curto prazo. E, no caso de o lojista que enfrenta dificuldade financeira conseguir se manter até a crise acabar, estará tão enfraquecido que não conseguirá mais tocar o negócio.
Infelizmente, os varejistas se orientam com contadores que não vivem o dia da empresa, que só tratam da parte fiscal. Esses contadores não mostram para o varejista uma contabilidade gerencial. Eles pegam o balanço e mostram até lucro. Só que, na prática, o lojista não tem dinheiro em caixa. São os fornecedores ou os bancos que financiam tudo.
Alguns lojistas também misturam cheque especial com despesa ou usam o cartão de crédito da pessoa física para fazer compra para a empresa. Evidentemente que, em período de bonança, isso não aparece, mas, na crise, a empresa vai para o buraco.
Como o lojista que não está em uma situação financeira catastrófica pode sobreviver em um país em recessão?
O Brasil é um país que, de 1980 até agora, já enfrentou oito crises, algumas mais intensas do que outras. Tendo passado por tudo isso, os varejistas já deveriam saber que uma empresa no Brasil tem de operar com capital de giro próprio, e tem até um certo limite para se endividar.
Se o lojista gera R$ 100 mil de caixa por ano, ele poderia ter uma dívida de R$ 200 mil a 300 mil, desde que consiga gerar, todos os anos, caixa de R$ 100 mil. Agora, se tiver caixa de R$ 10 mil e dívida de R$ 100 mil, não vai conseguir pagar nunca essa dívida. O endividamento do lojista precisa ser de longo prazo, até porque o dinheiro para capital de giro, para pagar em 30 dias, custa uma fortuna, 25% a 30% ao ano.
As grandes redes vão passar pela crise mais facilmente. O que vai haver é uma carnificina entre os pequenos
Se alguém que acabou de ser demitido estiver interessado em entrar no varejo, o que recomenda? Abrir uma franquia ou uma loja independente? E em qual setor?
Se o empreendedor tiver dinheiro para abrir uma loja e tiver recursos para operá-la por dois anos, a melhor solução é abrir uma franquia e, de preferência, em um setor menos afetado com a crise, como o de alimentação e o de calçados e vestuário populares.
No setor de serviços, a área de limpeza pode ser interessante, pois toda empresa precisa ser limpa. O serviço de segurança também é interessante, apesar de ser um segmento mais difícil, pois é preciso obter licenças.
Qual sua previsão para o varejo neste ano?
Uma queda real entre 1% e 2%. Alguns setores, como o de carros e eletroeletrônicos, devem registrar uma queda maior ainda, sem previsão. Agora, o varejo não vai desaparecer no país. Vai haver uma limpeza.
O que vai sobrar dessa limpeza?
As grandes redes de varejo vão passar pela crise mais facilmente. O que vai haver é uma carnificina entre os pequenos. Porque os pequenos, mesmo em época de bonança, não administram as suas lojas como deveriam. Estão sempre muito preocupados com preços, e não usam o fato de terem a oportunidade de conhecer melhor o cliente, uma vez que passam o dia todo em contato com eles.
O pequeno que sobreviveu no mundo inteiro foi aquele que teve o cuidado de não se preocupar com os grandes e soube usar as vantagens que ele possui. Além de se preocupar mais com preços, os pequenos, no Brasil, compram as mercadorias que eles acham que o cliente quer, não efetivamente o que o cliente quer.
Tags:
Muito legal essa entrevista, gostei mesmo.
"...os pequenos, no Brasil, compram as mercadorias que eles acham que o cliente quer, não efetivamente o que o cliente quer."
Falou tudo.
O pequeno que sobreviveu no mundo inteiro foi aquele que teve o cuidado de não se preocupar com os grandes e soube usar as vantagens que ele possui.
Além de se preocupar mais com preços, os pequenos, no Brasil, compram as mercadorias que eles acham que o cliente quer, não efetivamente o que o cliente quer.
Bem-vindo a
Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
© 2024 Criado por Textile Industry. Ativado por