Para efeito de comparação, na lista das 10 maiores varejistas brasileiras em 2023, apenas duas empresas eram controladas pelo capital estrangeiro — Carrefour (francês) e Cencosud (chileno). Em 2015, seis estavam nesse ranking, com redes ligadas a empresas francesas e americanas.
Além disso, as varejistas líderes foram avançando sobre um naco maior de mercado na última década, mas quem acelerou mesmo o ritmo foram as redes regionais, especialmente de alimentos, focadas nos mercadinhos de bairro e nos atacados de baixo preço.
Os dados fazem parte do ranking “Cielo-SBVC 300 Maiores Empresas do Varejo Brasileiro”, que será apresentado ao mercado em evento na noite desta segunda-feira (12) em São Paulo. O material levanta um histórico com dados a partir de 2015, quando começou a ser elaborado, e tem sido publicado com exclusividade pelo Valor desde então.
As 300 companhias formam a “nata” do setor no país, com vendas brutas de R$ 1,13 trilhão no ano passado. Ao se considerar a base comparável dessas companhias — 216 redes com dados divulgados em 2022 e 2023 —, a expansão nominal nas vendas foi de 11,4%.
Em termos reais, representa um crescimento de 6,8%, o maior da história do levantamento, realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), em conjunto com a área técnica da Cielo.
No ano passado, em relação a 2015, considerando 250 redes com base de dados comparáveis nesse intervalo, as vendas brutas passaram de R$ 457 bilhões para cerca de R$ 1,1 trilhão.
Trata-se de uma expansão de 140%, contra uma inflação acumulada de 67%, e frente a um avanço bem menor, de 70%, do varejo em geral, segundo o indicador de atividades ICVA-Cielo.
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Pelos dados, as 10 maiores cadeias do país detêm quase um quinto (18,8%) do varejo nacional, sendo que, em 2015, essa taxa era de 15,7%. Ao mesmo tempo, as 100 maiores passaram de 33,4% para 41,3% do mercado, um avanço de quase oito pontos.
“De 2015 para cá, tivemos dois anos catastróficos, da recessão no governo Dilma Rousseff, e depois, só anos bem mornos”, afirmou Alberto Serrentino, vice-presidente da SBVC e fundador da consultoria Varese Retail. “Então, essa alta real de 7% em 2023 é o melhor desempenho histórico, e acreditamos que 2024 vamos ter um ano de um crescimento ‘ok’, mas não a ponto de soltar rojão”, diz.
Isso porque Serrentino não vê um ambiente de otimismo no mercado hoje, apesar dos ganhos de renda e geração de emprego em 2024, por conta do patamar de juros ainda alto, estacionado num nível acima de 10% ao ano, que continua a pressionar o endividamento das famílias.
Eduardo Terra, presidente da SBVC, faz a ressalva de que o ritmo de fechamento de lojas e demissões, que disparou em 2020 (75 mil pontos foram encerrados naquele ano, segundo a Confederação Nacional do Comércio), não voltou ao nível do passado. “Apenas 88 das 300 varejistas reduziram o número de funcionários no ano passado e 31 diminuíram o número de lojas”, diz ele.
É preciso considerar, porém, que ainda se viu cortes de pessoal e encerramento de lojas de companhias em recuperação judicial em 2023 e 2024 (nessa lista entram rede Dia, Polishop, Artex e MMartan, Sidewalk e Novo Mundo), reflexo de alta alavancagem e dificuldade de renegociação de dívidas com bancos passada a pandemia.
O peso de Shopee e Shein
O estudo mostra ainda que o varejo alimentar, suportado basicamente pela expansão mais acelerada do atacarejo, representou 52,8% do faturamento bruto das 300 empresas em 2023.
Entre 2015 e 2023, o número de lojas de atacarejo multiplicou por cinco, passando de 291 para 1.591. Já as farmácias e perfumarias responderam por 13,2%. Portanto, somados, ambos equivalem a dois terços (66%) do total.
Para uma melhor comparação, em 2015, supermercados, hipermercados e atacarejos eram pouco mais de 60% do bolo, e as drogarias, menos de 9%.
Os segmentos de vestuário, eletrônicos e móveis perderam um terço do peso, caindo de 24% para cerca de 16% das vendas do setor, apesar da recuperação lenta do crédito após 2023.
O estudo inclui novas entrantes, como as plataformas asiáticas de moda (Shein) e de produtos diversos (AliExpress e Shopee), que ganharam mercado das redes nacionais.
Para essas empresas, o levantamento estimou dados de “GMV”, sigla em inglês de vendas brutas de mercadorias, um indicador que não pode ser confundido com receita, já que mede toda a venda que passa pela plataforma, incluindo de lojistas terceiros. Para a Shopee, foram projetados R$ 30 bilhões em GMV em 2023, e para a Shein, R$ 15 bilhões.
Varejo menos globalizado
Sobre a força desses negócios internacionais, o Brasil vai perdendo a sua referência como mercado destino de investimentos estrangeiros em lojas físicas na América Latina, como se verificava entre 2000 e 2015, quando redes como as americanas CVS (farmácias) e Forever 21 (moda) e a mexicana Grupo Elektra (eletrônicos) entraram no Brasil.
“Se olharmos as dez maiores redes quase uma década atrás, tínhamos Carrefour, Multivarejo, Walmart, Via Varejo, Cencosud e Cnova. Com a saída dos franceses do Casino do controle de seus negócios aqui, hoje sobraram só Carrefour e Cencosud”, diz Terra, que também é sócio da BTR Educação e Consultoria.
Crises financeiras de varejistas globais, como foi o caso do Casino, necessidade de sair de países não estratégicos, como ocorreu com o Walmart no Brasil, além da série de instabilidades políticas e econômicas, que afugentam investidores, tornaram o mercado local mais arriscado, reduzindo o potencial de retorno.
Pesa ainda o avanço de certos negócios regionais, espécie de fortalezas no interior dos Estados do país, que tornam a vida das empresas estrangeiras mais difícil. Estão nessa lista redes como a Savegnago Supermercado, Grupo Pereira, Lojas Cem, Farmácias São João, entre outras, diz Serrentino.
Sobre a metodologia do trabalho, os pesquisadores coletaram os números em balanços de empresas abertas, de empresas fechadas mas listadas em bolsa, além de demonstrativos em Diário Oficial, e enviaram formulários solicitando os dados.
Por Adriana Mattos
Fonte: Valor Econômico
https://sbvc.com.br/vendas-da-nata-do-varejo-brasileiro-chegam-a-r-...