Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
Versace: qual é o futuro da marca?
O manifesto de Donatella! Depois de conquistar Los Angeles com um desfile empolgante, Donatella Versace traça as coordenadas do futuro da marca.
Saindo do sucesso que foi o megadesfile da Versace em Los Angeles, Donatella Versace é um poço de pensamentos e emoções. O desfile, que ocorreu em março, dois dias antes do Oscar, no Pacific Design Center, revelou o novo look da marca a uma primeira fila abarrotada de celebridades, entre elas Elton John, Dua Lipa, Miley Cyrus, Cher, Anne Hathaway, Lil Nas X, Demi Moore, Channing Tatum e Pamela Anderson. Na passarela, as modelos Gigi Hadid, Kendall Jenner, Naomi Campbell, Vittoria Ceretti, Emily Ratajkowski e muitas outras usavam roupas sob medida e cocktail dresses inspirados nos designs de Gianni Versace de meados dos anos 1990. Também presentes na coleção estavam clássicos diurnos como calças jeans bootcut e camisas brancas leves, além de vestidos de festa em uma série de florais retrôs. “Nesta temporada eu queria luxo. Simplicidade – que eu acho que representa o verdadeiro luxo de hoje: um tecido especial, único e precioso e um corte perfeito. Sem bordados, sem superestruturas e sem brilhos coloridos, mas sim com arquitetura, com cortes e formas”, diz Donatella. “Se eu tivesse que resumir esta temporada e o meu trabalho futuro na maison, em uma expressão, eu diria que é a essência do luxo.” Antes do desfile, L’OFFICIEL botou o papo em dia com a célebre estilista sobre a criação de looks para as estrelas, suas próprias inseguranças e uma nova versão de mulher Versace.
Um megadesfile em Los Angeles, um manifesto estético de elegância renovada, uma referência ao glamour da Hollywood dos anos 1990 e uma escalação de celebridades de primeira linha. Como você define o glamour hoje?
DONATELLA VERSACE: A Versace sempre foi uma marca para mulheres fortes, que não têm medo de sair, de se expôr e de ser glamourosas – mulheres que acreditam em si mesmas.
Quão difícil é vestir uma celebridade?
Elas geralmente são muito tímidas e inseguras. Quando você põe um vestido nelas, elas agem. Quando saem com um vestido, são rainhas. É uma transformação incrível. Toda artista de verdade é insegura, mas aí você as vê sair transformadas, porque elas entram em contato com essa parte de si mesmas.
Por que as estrelas amam tanto a Versace?
Porque a Versace sempre enalteceu o corpo feminino. Eu sempre vesti mulheres fortes, autoconfiantes e lindas, transformando-as de alguma maneira.
Qual é a sua relação hoje com as celebridades, considerando que você tem tido sorte o suficiente para trabalhar com algumas das maiores estrelas?
É uma relação muito pessoal, íntima. Se eu não conheço uma celebridade, então não posso trabalhar com ela. Não posso imaginar como vesti-la. O melhor trabalho com uma estrela vem de trocas mútuas. Com Dua Lipa, por exemplo, somos amigas. Isso me ajuda a entender como criar um design para ela. Com nossas celebridades, eu tento criar um vínculo especial. Escuto suas palavras, suas emoções e seus medos. Elas precisam subir ao palco na frente do mundo, e o que usam pode se tornar uma ajuda para lhes dar mais segurança, para lhes dar um pequeno superpoder.
As mulheres ainda têm necessidade de se sentir fortes em um vestido hoje em dia?
As mulheres são fortes. Elas se tornaram muito fortes, mas um vestido pode fazer com que se sintam ainda mais fortes e mais seguras, como um escudo que as protege do mundo.
De quais estrelas atuais você gosta? Há alguém que tenha conquistado você?
É bem difícil escolher apenas uma. Neste momento, talvez Doja Cat. Gosto dela. É uma pessoa que nunca para de pensar, de ousar, de cruzar fronteiras e experimentar. Ela é uma garota excepcional, muito inteligente e tem uma noção de moda incrível. Mas o que eu mais adoro nela é a habilidade de se transformar dentro de um vestido. Ela é uma mulher ousada, parecida com Madonna nos primórdios da carreira. Amo isso. Ela é uma das mulheres mais intuitivas e criativas por aí agora.
Ao longo da sua jornada criativa, você delineou uma imagem de uma mulher específica. Como você definiria a mulher da Versace de hoje?
Luxo, em uma palavra. Trata-se de uma mulher luxuosa. Ela usa um guarda-roupa arquitetural, feito de cortes e tecidos lindos. Perfeição. Um vestido perfeito é o melhor presente que você pode dar a uma mulher. Quando uma mulher se sente bonita, confiante e forte ao usar um vestido, esse é o melhor presente que ela pode receber. Isso significa que fiz bem o meu trabalho. A mulher da Versace de hoje? Não existe apenas uma, e ela nunca é a mesma mulher. Um dia ela pode ser a Dua Lipa, e outro dia ela pode ser uma dama sofisticada que adora vestir uma feminilidade poderosa. Escolher a Versace dá um certo sonho de luxo, perfeição e força. Se houvesse somente uma mulher Versace, eu ficaria brava. E o mesmo com o homem Versace. Eu não gosto de falar sobre um homem Versace ou uma mulher Versace, mas sim sobre uma comunidade.
E você se sente uma mulher Versace?
Eu sou Versace (risos). Mas, falando sério, eu tenho um monte de inseguranças também. Não as demonstro, mas tenho várias. Depois de tantos anos de trabalho, eu ainda fico imaginando se um vestido será bonito o bastante. Sempre fico um pouco apreensiva, e mesmo durante os desfiles fico com medo de que algo dê errado. Quando Gianni estava por aqui, ele me dizia: “Imagine que vai dar tudo certo”. (risos)
Como você supera o medo?
Fecho os meus olhos e me imagino num outro lugar, então abro-os novamente e sigo adiante. Sonho que estou no lugar que mais amo: o mar. Essa imagem é o que me acalma e me ajuda a ir em frente.
Qual é o momento mais assustador?
Dez minutos antes de cada desfile começar, eu sempre acho que um vestido vai se desfazer ou que uma modelo está doente. Eu meio que entro em pânico. Mas isso nunca aconteceu. É um medo inexistente, mas que toda vez me pega. Cada desfile nos força a confrontar o mundo. Sem dúvida, gosto do que faço, mas será que outros vão gostar? Sempre fico imaginando. Nós somos a Versace, então temos de provar que somos algo grandioso.
Quão difícil é ser Donatella Versace?
Muito difícil (risos). Gostaria de não ser reconhecida; as pessoas me pedem uma selfie, e eu fico com vergonha. No fim das contas, sou tímida. Não é difícil ser Donatella Versace; é difícil ser a diretora artística de uma empresa com essa história. É duro. Você não pode errar; você tem que entender as pessoas jovens – o zeitgeist, tanto o intelectual quanto o digital. Principalmente o digital.
Mas você aderiu bem rápido ao mundo digital.
Se existe alguma coisa nova, quero ser a primeira a estar lá e a entender aquilo. O mundo digital nos afeta muito. Tem de ser aceito. Trata-se de uma nova realidade, à qual precisamos nos acostumar. Eu gosto de tudo o que é envolvente. Não nas- ci na era digital, mas compreendo que esse é o mundo de hoje.
Você teve momentos maravilhosos.
Passei por momentos incríveis pelos quais nunca mais vou passar, porque o mundo hoje mudou. Mas as emoções... que maravilha! Gianni sempre foi mais inseguro do que eu, e eu lhe dei força; mas não é que eu não tivesse medo. Eu fingia. Se eu penso nesses momentos... Não quero ser nostálgica, mas a moda italiana e internacional nasceram desses momentos.
E como esse mundo mudou hoje? Há muito branding, o Instagram, marketing etc.
Insisti na alfaiataria, não em voltar aos velhos estilos, mas como uma técnica para experimentar coisas novas. Ainda tenho meu ateliê aqui no meu escritório. Adoro as mulheres que trabalham aqui, e o desfile de moda de Los Angeles é muito focado nisso. É muito próprio de ateliê, não considerado como alta-costura, mas como uma maneira de elaborar um vestido que é perfeito.
Como surgiu a ideia de fazer um desfile em Los Angeles?
Nesta temporada, eu queria uma mudança. Apesar de adorar Milão, que avançou bastante como metrópole e como cidade de moda de repercussão global, eu queria experimentar um ambiente diferente. Além disso, eu estava louca para fazer alguma coisa ao ar livre, com um contato mais forte e direto com a natureza. Senti a necessidade de criar uma experiência única e especial. Foi por isso que pensei em Los Angeles – uma cidade que eu amo e com a qual tenho vínculos fortes.
O que essa cidade significa pra você?
Vou muito a Los Angeles. Adoro as duas histórias que ela conta: a mais glamourosa, do cinema e das celebridades, mas também a da natureza, dos garotos – saudáveis, lindos e atléticos – que praticam esportes na praia. Gosto da ideia de uma cidade habitada por pessoas que se importam com aspectos externos e internos em um nível espiritual. É uma cidade que combina, melhor que qualquer outra, sua alma metropolitana com sua alma natural. É uma cidade que vive em justaposição: de um lado, o relaxamento total; do outro, uma mundanidade extrema. E em nenhum [outro] lugar esses opostos vivem juntos.
Quanto de Donatella Versace existe na Cidade dos Anjos?
Venho várias vezes para cá nas férias, porque sou muito ligada a esta cidade. Ela fala comigo de uma maneira muito profunda: um isolamento privado, íntimo e saudável. Existe um aspecto mundano na cidade que é iluminado pelos holofotes. Mas ela também é generosa; ela inspira. A cena criativa underground permite visões inovadoras sobre a arte, a escultura e a literatura. Los Angeles é uma fábrica a céu aberto, um ponto de encontro para a novidade... ou pelo menos para experimentá-la. A cidade é um laboratório no qual você é bem-vindo para criar o futuro.
Essa ideia de experimentação também aparece na nova coleção? Qual foi o processo criativo que levou você aos vestidos na passarela?
Comecei com uma palavra: elegância. Principalmente no contexto de que o desfile acontece alguns dias antes do Oscar, o que me faz lembrar das atrizes [da velha Hollywood] icônicas e elegantes das telonas. Elas tinham uma vida relativamente privada, mas, quando andavam pelo tapete vermelho, estavam prontas para expressar um charme de tirar o fôlego, uma elegância incrível. Eu sempre tive isso como o verdadeiro glamour de Los Angeles. Durante minha jornada criativa com essa coleção, voltei-me para uma das coleções de Gianni de 1995. Nós fizemos uma sessão de fotos com Richard Avedon, Kristen McMenamy e Nadja Auermann em Los Angeles. Eu queria incorporar essa necessidade de algo mais estruturado, mais personalizado e mais estiloso para esta temporada.
Então esta temporada é uma espécie de despedida do universo do streetwear e uma incorporação da ideia da elegância clássica?
Sim, é preciso voltar à alfaiataria e pensar um pouco menos na moda urbana. Eu queria o glamour verdadeiro – o discreto, aquele que não é feito apenas de lantejoulas e glitter. Eu queria de fato vestir uma mulher, dar a ela uma silhueta cheia de charme.
O seu manifesto do design parece ser baseado em um retorno à essência da alfaiataria.
Sim, é preciso ir fundo em um novo conceito de alfaiataria. Temos de levar em conta que as mulheres jovens também querem isso. A essência da moda é um casaco, um vestido, um corte à perfeição para acentuar o corpo. Eliminar os supérfluos “estéticos” que vêm do estilo. Já fiz isso antes, mas nesta temporada eu estava realmente focada na arquitetura do vestido.
Se você tivesse que escolher um traje e uma cor para expressar sua ideia de elegância hoje, o que escolheria?
O preto, acima de tudo, é uma cor simbólica. E aí um pretinho básico, um ícone atemporal que até o Gianni repensou e recriou diversas vezes. Toda mulher quer um vestido preto perfeito no armário que a faça se sentir linda. Esse é o verdadeiro luxo de hoje. Não a alta-costura. Mas sim um retorno às raízes dessa maison. O verdadeiro luxo para mim, hoje, é a perfeição de uma silhueta na produção de um vestido.
Você mencionou várias vezes o arquivo e a história da maison como inspiração para esta temporada. Como ela interage com a história da Versace?
Eu não preciso ir aos arquivos para me lembrar da história da Versace: está tudo na minha cabeça. Prefiro minha memória à realidade. Eu nem usava essas roupas quando comecei a criar esta temporada. Preferi deixar isso nas mãos dos costureiros do ateliê e da equipe de criação, deixá-los livres para reler o passado com o olhar de hoje. Gosto de viver no presente e descobrir o futuro através dos olhos de uma criança curiosa.
Em todos estes anos de carreira, você já sentiu que finalmente “chegou lá”?
O momento mais bonito é aquele que a gente não experimentou ainda! Sempre fiquei empolgada com o futuro, com o que ainda estava por vir. Mesmo hoje, não sinto que “cheguei lá”. Não acho que isso vá acontecer, felizmente. Eu tenho muito a dizer, muitas ideias e ainda mais projetos. Uma vida não vai ser suficiente para realizar tudo. Ou talvez será. Vamos ver.
Bem-vindo a
Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
UNITÊXTIL FORTALEZA
Eventos
© 2024 Criado por Textile Industry.
Ativado por
