UA-8600326-1

Mercados de data centers, software, cloud e cabos submarinos podem ser os mais afetados por tarifaço de Trump

Clima entre fabricantes nacionais e multinacionais instalados no Brasil é de cautela com guerra comercial iniciada pelo governo de Donald Trump.

Imagem: Shutterstock

Ainda não estão claros os efeitos no mercado de Tecnologia da Informação e Comunicação da guerra comercial iniciada pelo governo de Donald Trump. Por enquanto, o clima entre fabricantes nacionais e multinacionais instalados no país ainda é de cautela, mas suas áreas de estratégia já demandam estudos sobre os impactos às principais consultorias.

Na análise de especialistas, setores que dependem de importação de componentes, partes e peças dos mercados já tarifados – México, Canadá e China – devem ser os mais afetados, como os de datacenter e cabos submarinos. O tarifaço também pode avançar para a área de serviços, impactando os mercados de cloud e software.

No sábado, 1º de fevereiro, Trump anunciou tarifas generalizadas de 25% sobre as importações mexicanas e a maioria dos produtos provenientes do Canadá, além de uma taxa de 10% para o petróleo canadense. Além disso, foi acordado um imposto de 10% sobre as importações chinesas. Em resposta, o governo chinês anunciou na terça-feira (4) uma retaliação tarifando em 15% as importações de carvão e gás natural liquefeito (GNL) dos EUA, além de 10% sobre petróleo bruto, equipamentos agrícolas e determinados automóveis.

Na segunda-feira, 10, foi anunciada uma sobretaxa de 25% sobre o aço e alumínio importados pelos EUA, o que deve impactar fortemente o Brasil, além da Coreia do Sul, México e Canadá. Nesta quinta-feira, 13, Trump também sinalizou que pode taxar o etanol em 18%, mesma tarifa praticada pelo Brasil em relação ao etanol norte-americano. Em entrevista à Rádio Clube do Pará, durante visita à Belém, o presidente do Brasil, Lula, afirmou que pode recorrer à Organização Mundial do Comércio caso Trump taxe mesmo o aço brasileiro.

No Brasil, já haveria estudos para a taxação das plataformas das big techs, segundo notícia divulgada na coluna de Mônica Bérgamo. Segundo a nota, o tema já vinha sendo debatido no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e seguiria na linha da Digital Tax do Canadá, que definiu uma alíquota de 3% sobre as receitas de serviços digitais que dependem de contribuições de engajamento, dados de conteúdo e de usuários. Mas a Secretaria de Comunicação do Governo (Secom), negou que a iniciativa tenha relação com o tarifaço.

Otaviano Canuto, ex-vice-presidente e diretor-executivo do Banco Mundial, ex-diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente membro do sênior do Policy Center for the New South, diz que as medidas recentes de Trump podem ser avaliadas em dois cenários. No primeiro, defendido pelo bilionário Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, o governo norte-americano usa a guerra comercial para obter outras vantagens, como o recém acordo com os governos do México e do Canadá para reforço das fronteiras e combate ao tráfico de drogas o que resultou no adiamento de um mês das tarifas. Ao mesmo tempo, com o estardalhaço que promove, Trump ocupa a mídia mundial e joga para manter cativo seu eleitorado.

“Ele lança as tarifas, os mercados reagem, e, na sequência, ele negocia um acordo benéfico aos americanos. Durante a campanha, Trump se referiu às tarifas e barreiras não tarifárias brasileiras, que são, de fato, elevadas. Acredito, porém, que será ele seletivo com o Brasil e deve, por exemplo, isentar os aviões da Embraer, que não têm alternativa nos EUA. O Brasil não é prioridade porque o país tem déficit comercial com os EUA”, acredita Canuto.

Otaviano Canuto, ex-vice-presidente e diretor-executivo do Banco Mundial, ex-diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente membro do sênior do Policy Center for the New South

Otaviano Canuto, ex-vice-presidente e diretor-executivo do Banco Mundial, ex-diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente membro do sênior do Policy Center for the New South (Imagem: Divulgação)

O outro cenário é defendido pelo ex-diretor de política comercial e de manufatura Peter Navarro e por Robert Emmet Lighthizer, representante comercial na primeira administração Trump. Para eles, a guerra comercial pode reduzir o déficit de conta corrente dos EUA. Para Canuto, trata-se de uma versão mercantilista ultrapassada, que considera possível reduzir o déficit de conta corrente atacando bilateralmente os países com os quais tem déficit comercial.

“É interessante observar que, no primeiro mandato, o saldo bilateral EUA-China começa a cair à medida em que sobem as exportações de países como Malásia, Vietnã e México, pois a China deslocou para eles parte de suas cadeias de produção. O Biden manteve as tarifas, mas foi mais seletivo preferindo taxar itens como semicondutores, energia limpa e ciências da vida”, destaca Canuto.

Gustavo Mirapalheta, professor Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), observa que, em 2022, somente com a China, o déficit de conta corrente dos EUA somou US$ 382 bilhões. “Em algum momento, por algum governo, esse déficit todo balanço de pagamentos teria de ser enfrentado. Os EUA mantêm esse déficit porque emitem dólar, a moeda que todos aceitam como reserva. Mas não dá para ficar emitindo dólar para sempre, um dia a casa cai e o dólar deixa e ser a moeda de reserva”, diz Marapalheta.

Tensão no setor de tecnologia

Na área de tecnologia, as sanções norte-americanas à China têm levado o país asiático a desenvolver suas soluções e insumos, como foi o caso do negócio de smartphones da Huawei, após a limitação de acesso ao Android e semicondutores. E, mais recentemente, no campo da inteligência artificial com o DeepSeek, a resposta chinesa ao ChatGPT, que demonstrou eficácia mesmo sem os benefícios dos componentes da Nvidia.

“O impacto na área de tecnologia no Brasil vai depender para onde o Trump vai levar o protecionismo. Se as tarifas começarem a valer para Canadá e México, isso vai prejudicar a própria indústria americana, porque se elevará custos inclusive da indústria automobilística, que usa componentes. Ou seja, é um tiro no pé”, diz Canuto.

Para ele, o maior risco de uma reação mais firme do governo Trump é a ameaça do BRICs de se criar uma moeda alternativa ao dólar. E a aproximação de Trump com o CEOs das big tech significa uma liberdade plena e desregulamentação total ao modelo de negócios dessas empresas. “Até pouco tempo, temíamos a financeirização e o capitalismo financeiro. Agora vamos enfrentar o capitalismo digital perigoso”, analisa Canuto.

No Brasil, em 2024, o faturamento do setor eletroeletrônico atingiu R$ 226,7 bilhões, alta de 11% segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (ABINEE). A produção aumentou 10,2%, sendo que o segmento de automação industrial cresceu 3%, e o de informática, 14%, após duas quedas consecutivas em 2022 e 2023. O faturamento da área de telecomunicações aumentou 4%, devido à expansão de 7% no mercado de telefones celulares, visto que o segmento de infraestrutura em Telecomunicações recuou 4%.

As exportações de produtos eletroeletrônicos cresceram 4%, totalizando US$ 7,5 bilhões, após uma alta de 8% em 2023. Os EUA foram o principal destino das exportações do setor, representando 26% do total, alta de 2 pontos percentuais acima do ano anterior. Já as importações aumentaram 12% somando US$ 47,9 bilhões. Os semicondutores foram os itens mais importados do setor atingindo US$ 6,5 bilhões, 24% acima do resultado de 2023. Dessa forma, o déficit da balança comercial atingiu US$ 40,4 bilhões, resultado 14% superior ao apresentado no ano anterior (US$ 35,5 bilhões).

No caso da relação comercial Brasil-EUA, o saldo da balança comercial de eletroeletrônicos é negativo em US$ 2,28 bilhões, sendo US$ 1,09 bilhão em automação industrial, US$ 832,6 milhões em componentes eletroeletrônicos, US$ 331,3 em informática e US$ 376,9 milhões em telecomunicações.

Empresas nacionais como Intelbras, Positivo e as multinacionais Elsys, Cisco, HPE, Ericsson, Huawei e Nokia ainda analisam os cenários e adotam uma postura mais discreta.

A fábrica de alta tecnologia da Ericsson, em São José dos Campos (São Paulo), é uma das quatro que a empresa tem em operação no mundo (Brasil, Estados Unidos, Estônia e China). Trata-se da planta mais antiga em operação ininterrupta e este ano comemora 70 anos, produzindo os principais produtos do mix de portfólio Ericsson para o Brasil e outros países. Em março de 2021, foi inaugurada nesta fábrica a primeira linha da América Latina e do Hemisfério Sul dedicada exclusivamente à produção da tecnologia 5G.

Por diferentes fatores conjunturais e macroeconômicos, os fabricantes brasileiros já vêm enfrentando aumentos de custos. Com planta de produtos de segurança em Manaus, a Intelbras reportou no terceiro trimestre aumento de custos logísticos, de materiais e cambiais. No segmento de TIC, houve formação de um maior estoque com custos em patamares mais elevados trazendo um impacto relevante para os produtos vendidos no período. A Positivo também reportou nos resultados do terceiro trimestre altas de custos devido ao câmbio e à logística pela crise de Manaus e do Panamá.

José Felipe Ruppenthal, diretor da consultoria Telco Advisor, tem recebido demandas do setor de TIC para análise dos impactos nos mercados. Uma das dúvidas é quanto tempo leva para Trump conquistar as contrapartidas que deseja, que é justamente o impacto nos setores. Mesmo que o Brasil não seja taxado diretamente, pode sofrer impacto da taxação em outros mercados. Uma segunda hipótese é a sanção direta ao Brasil, que tem trocas relevantes com os EUA. Um terceiro cenário é se Trump vai ampliar o alcance de suas medidas para produtos como software e serviços de tecnologia.

José Felipe Ruppenthal director da consultoria Telco Advisors

José Felipe Ruppenthal, director da consultoria Telco Advisors (Imagem: Divulgação)

“Simulamos o montante de recursos do impacto e o que acontece em cada segmento de tecnologia no Brasil. A tarifação do México e Canadá já gera um impacto negativo, porque são grandes fornecedores de componentes para tecnologias usadas em equipamentos de telecom produzidos nos EUA”, diz. Ele completa dizendo que no México, estão empresas como HP, Foxconn Lenovo, Flex; no Canadá há Celestica e Linamar. “São grandes fabricantes de componentes para os EUA. Tudo isso vai aumentar os custos para o consumidor americano e também para o Brasil, afetando mercados como os de datacenters e corporativo”, prevê Ruppebthal.

Ele cita dados do Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio (MDIC) revelando que o Brasil importou (valores FOB) US$ 6 bilhões em equipamentos de telecomunicações, incluindo peças e acessórios. Desse total, US$ 514 milhões (6%) foram dos EUA e R$ 3,4 bilhões (57%) da China. Ruppenthal destaca que os mercados brasileiros serão afetados de forma diferente.

“A maior parte dos equipamentos de telecom para operadoras é fabricada na China e são commodities. Já os mercados de data center e cloud dependem de equipamentos importados dos EUA de fabricantes como Cisco, HP, Lenovo, Juniper, assim como o de cabos submarinos, em que empresas como Seaborn, Sparkle e V.tal (Globenet) dependem de importações americanas cujos produtos têm de seguir as exigências das OTTs”, analisa Ruppenthal.

Ele observa que o tarifaço já anunciado não afeta as importações da China, que são diretas, mas, se o preço dos produtos aumentarem nos EUA, as importações brasileiras do país já vão sofrer aumento de preços. Já as exportações brasileiras de equipamentos, peças e acessórios de telecom somaram US$ 340 milhões, sendo US$ 117 milhões para os EUA (34,5%). Haverá impacto se Trump tarifar os produtos brasileiros.

“O pior cenário é se Trump avançar para serviços de tecnologia, pois haverá uma catástrofe quase global. Nessa categoria, há cloud, licenciamento e software. O impacto no Brasil seria muito maior do que o de produtos. No ano passado, de acordo com o Relatório Anual do Comércio Exterior Brasileiro de Serviços 2023 (2024 ainda não fechou), o Brasil exportou US$ 5,1 bilhões em serviços de TIC e importou US$ 11,7 bilhões, alta de 14,1%. Em serviço, temos uma dependência muito grande dos EUA”, destaca Ruppenthal.

O especialista não acredita que Trump vá adotar medidas que elevem os custos do desenvolvimento de inteligência artificial. Isso pode afetar o projeto Stargate – voltado para a construção de infraestrutura de IA nos Estados Unidos, anunciado em parceria entre OpenAI, SoftBank, Oracle e outros parceiros –, que prevê investimentos de US$ 500 bilhões.

No mercado financeiro, a reação ao tarifaço foi negativa, com quedas expressivas nas bolsas globais. Investidores buscaram ativos mais seguros, como ouro e dólar, evitando ações dos setores diretamente afetados. Paulo Cunha, analista de mercado e CEO da iHub Investimentos, lembra que que o Brasil exporta principalmente alimentos e energia e tarifar commodities seria um contrassenso.

Para ele, independentemente da guerra comercial, a guerra tecnológica já afeta as empresas de tecnologia. A China conseguiu desenvolver o DeepSeek uma IA generativa quase tão boa quanto o ChatGPT, mas a um custo infinitamente menor. Isso afetou as ações da Nvidia, assim como as de todas as tech. “Nesse sentido, o impacto no setor de tecnologia é menos fruto da guerra comercial e mais da guerra tecnológica, que pode colocar em cheque as big techs”, analisa Cunha.

De um modo geral, se o Brasil não ficar na mira de Trump, pode até vir a se beneficiar, ocupando espaço de outros países visados. E outros mercados podem ser inundados por produtos chineses como o BYD, carro elétrico chinês, tem restrições no mercado americano, mas está vendendo bem no Brasil.

“De qualquer forma, essa retórica agressiva gera muito ruído e incerteza, embora com pouco impacto real. Mas qualquer guerra comercial pode gerar crises nos mercados e todos perdem. Outro fato que pode acontecer é os EUA importarem inflação, afetando o consumidor americano. Não interessa ao Trump criar uma crise global. Acredito que ele vai avançar até a página dois”, analisa Cunha.

Author Photo