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A Meia Jaca saiu do break-even para o lucro com uma coleção de meias em protesto a Michel Temer

Marcelo Ribeiro e Lucas Hamu: das meias estampadas à coleção Fora Temer, que alavancou a Meia Jaca (Foto: Luís Tajes).
Marcelo Ribeiro e Lucas Hamu: das meias estampadas à coleção Fora Temer, que alavancou a Meia Jaca (Foto: Luís Tajes).

Alguns negócios começam despretensiosos, como um hobby. Não têm a função de sustentar os fundadores, não foram cuidadosamente planejados, não têm metas agressivas a atingir. Servem unicamente ao prazer dos donos. É o caso da  Mea Jaca. Os sócios gostam de meias e não achavam no mercado modelos tão legais quanto os que queriam usar. Decidiram, então, fabricá-las. O plano era desenhar os acessórios e contratar parceiros para a fabricação. Para pagar os custos, vender o excedente da produção em uma loja online e em alguns pontos fixos. Simples assim.

Com 13 mil reais de investimento inicial, a Meia Jaca saiu do papel em outubro de 2016, na capital federal. Durante um ano, o negócio foi crescendo aos pouquinhos, sem fazer alarde. Os sócios não se preocupavam com planilhas, estratégias de crescimento, planos de negócios. Estavam satisfeitos em vestir os pés com suas meias estampadas e feitas sob medida para o próprio gosto. Até que, nesse meio tempo, o impeachment da presidente Dilma Rousseff completou um ano. E você aí pode se perguntar: o que um grupo de amigos loucos por meias estampadas tem a ver com isso? Tudo, como verá a seguir.

Os modelos da Meia Jaca expostos no Objeto Encontrado, o café de Lucas que também revende as meias da empresa (Foto: Luis Tajes).

Os modelos da Meia Jaca expostos no Objeto Encontrado, o café de Lucas que também revende as meias da empresa (Foto: Luis Tajes).

Além de designer das próprias meias, Lucas Hamu, 29, é filósofo, barista, conhecedor e amante de uísque. Também é proprietário da cafeteria  Objeto Encontrado, um “reduto contra a caretice e qualquer tipo de preconceito em Brasília”, que serve café, uísques raros e comidinhas de fabricação própria. Marcelo Ribeiro, 29, é comunicólogo e designer, funcionário do café e sócio de Lucas na Meia Jaca. Eles e toda a trupe do Objeto já tinham decidido tornar pública a posição contrária ao “golpe” que tirou a presidente eleita do poder.

“O café já apoiava alguma causa política ou social pontualmente, mas a partir do golpe sentimos a necessidade de ter mais um engajamento forte e público”, conta Lucas. No Objeto Encontrado, as paredes têm pichações que mandam esse recado.

Eles já haviam lançado um zine com artigos de estudiosos a respeito do processo movido contra a ex-presidente. Também reuniram criadores de Brasília que produziram produtos com viés político contrário ao movimento que levou Temer ao poder. Naturalmente, a Meia Jaca abraçou a causa e lançou as meias “Fora Temer” em setembro de 2017. A primeira coleção tinha três modelos: “petralha”, “coxinha” e “em cima do muro”. Foram feitos 200 pares de cada e Lucas fala como a ideia viralizou: “Bombou de um jeito que a gente não imaginava. Não foi uma estratégia de marketing. Não queríamos lançar um produto, mas fazer um protesto”. E prossegue:

“O objetivo era tornar pública uma manifestação, passar um recado com uma linguagem simples e direta. Havia a preocupação de não parecer oportunista”

A solução encontrada foi dissociar a coleção da própria marca. Os modelos “Fora Temer” (26 reais, o par) não têm etiqueta da Meia Jaca. “Não há nada na meia que a identifique como uma criação nossa. Sem essa conexão, deixa de ser um produto para ser um protesto mesmo. As meias não são estetizadas, não tem estampas, só o recado”, afirma.

NOS PÉS DOS FAMOSOS E DO MUNDO

Divulgação no Instagram, postagens aqui e ali e hashtags certas levaram as meias  se popularizarem na rede através de pés famosos: os do político Jean Willys, os da personagem Dilma Bolada, os das cantoras Elza Soares e Céu. Também foi parar nos perfis com alto número de seguidores, como o do Instagram “Fora Temer”. E assim, começaram as vendas e os pedidos. Logo de início, o faturamento triplicou.

Já são três coleções “Fora Temer”. Dos recentes modelos com letras em lurex para o carnaval ao preto “deprê”, passando pela temática LGBT. Também houve encomendas específicas para o bar-contêiner mimo Bar e a loja online Conspiração Librtina, marca militante que produz produtos com estampas exclusivas que discutem preconceitos de gênero, difusão de estereótipos, orientação sexual e etnia e empoderamento das minorias.

Desde o primeiro lançamento, para cada meia de outras coleções vendida, saem três modelos “Fora Temer”. Só no café Objeto Encontrado, o revendedor campeão de vendas, saíram, desde setembro de 2017, 2 263 pares, enquanto a venda dos modelos comuns estampados foram de 880. No total, foram vendidos nos últimos sete meses, cerca de 6 200 pares de meias.

COM A EXPLOSÃO DAS VENDAS, HORA DE ORGANIZAR A CASA

Com o crescimento da marca, Lucas e Marcelo passaram a fazer planilhas, traçar estratégias e contar o estoque. Dividem o tempo entre a administração do café e da Meia Jaca. Também alternam os afazeres com as questões burocráticas. Hoje, Lucas se encarrega mais dos desenhos, gosta de brincar com as padronagens, ama estamparia.

As coleções de meias estampadas também fazem parte do catálogo da Meia Jaca.

Eles perceberam a Meia Jaca como um negócio que pode ser lucrativo, apesar do faturamento não ser “espetacular”. Chegou a 9 mil reais em dezembro, quando conseguiram colocar no bolso mil reais cada um. A retirada de dinheiro pelos sócios não é mensal. E, quando ocorre, não corresponde a todo o lucro – metade dele é reinvestido na empresa.

Descobriram que fornecer para outras empresas revenderem era um bom negócio. “Apesar de ganharmos menos, a parceria com CNPJ foi importante. Compensamos no frete, dá menos trabalho do que vender para pessoa física”, conta Lucas.

O publicitário Marcelo diz que atualmente as meias são revendidas em pelo menos 20 pontos fixos, além do site. “Temos parceiros em Curitiba, Goiânia, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Seguro, Uberlândia e outros. Teve gente que já levou para os Estados Unidos, Portugal, Islândia e Inglaterra.”

SUCESSO COM PRAZO DE VALIDADE

Os sócios afirmam que, obviamente, nunca esperaram tirar Temer do poder com suas “meias-protesto”, nem acumular muito dinheiro. Queriam ser parceiros de pessoas que comungam das mesmas ideias e valores. No início, chegaram a se preocupar com a possibilidade de perder clientes no café por conta do engajamento político. Mas a vontade prosperou e a clientela aprovou.

“O público do Objeto Encontrado sempre foi mais de esquerda e nosso ambiente informal. Uma pessoa muito conservadora nem se sente à vontade de vir aqui”, fala Lucas. Em relação às meias, houve um único contratempo: a mudança de fábrica. O parceiro que habitualmente confeccionava as criações recusou-se a fabricar o modelo. Mas logo, outro pegou a encomenda.

Lucas e Marcelo sabem que o produto que alavancou a marca tem prazo de validade. Mas isso tampouco os incomoda, como diz Lucas:

“Não sou empresário, estou empresário. A saúde financeira do negócio é importante, mas é um meio. Os fins são outros: fazer amigos, coisas divertidas, me realizar”

Como eles definem no site, a Meia Jaca nasceu como “um experimento com estamparia e suas possíveis aplicações em meias, como um interesse em comum dos amigos e a vontade de descobrir até onde poderiam ir com suas ideias”. Se longe ou perto, eles ainda não sabem. Os planos para o futuro? Lançar coleções com intervalos mais curtos de tempo (ao menos de quatro em quatro meses) e seguir fazendo um trabalho com propósito, afirmam os sócios, seguindo ao pé da letra a missão do negócio.

Cristine Gentil 

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