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Quanto vale a sua roupa?

Sejam peças de fast fashion ou de labels com produção sustentável, entenda como marcas chegam no valor final de um produto de moda.

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Backstage de um desfile da Ryan Roche (Foto: Divulgação)


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Tecido, corte, modelagem, amostragem, acabamentos, costura, emabalagens, taxas, remessa: esta é uma lista incompleta do que você está pagando quando compra uma camiseta nova. E isso vem antes da margem de lucro, seja ela do atacado ou do varejo.

Leia isso novamente, e a ideia de uma camiseta "valer" US$ 5 pode parecer absurda, se não criminosa. Como é possível que todos esses materiais, logística e trabalho resulte em um valor tão baixo? Muitos desses custos são fixos; o preço do algodão não é negociável, mesmo em grande escala. Já explorar a pessoa que fez a camiseta, é mais fácil.

Seria imprudente afirmar que todo item com preço baixo foi feito por um trabalhador mal remunerado, mas também é apenas uma matemática simples. "Isso realmente me impressiona", disse a estilista americana Ryan Roche em uma ligação recente. "Posso entender os números e, mesmo com os tecidos mais baratos, não entendo como isso é possível. Alguém está costurando aquela camiseta, eles estão recebendo misérias.”

Maria Stanley, estilista independente que faz moda com a sustentabilidade em mente lembra sua própria experiência trabalhando para uma grife de fast fashion há uma década em Los Angeles: “Os varejistas nos diziam: "Queremos 1.000 deste item por US$ 21 a peça", e a fábrica nos fixava o preço de US$ 40,” ela diz. “Mas, no final das contas, eles abaixavam para US$ 21. Como chegavam nesse valor? Quem saia perdendo? Se o tecido tem um custo fixo, quem era desfavorecido nessa eram os trabalhadores."

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Look Maria  Stanley (Foto: Divulgação)


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A exploração do fast fashion e as cadeias de suprimento tercerizadas não são novas revelações, mas quando falamos sobre trabalhadores maltratados ou a reprecussão ambiental de roupas descartáveis, estamos ignorando um terceiro impacto no consumidor. A "corrida pelo custo mínimo" arruinou totalmente nossa percepção de valor; literalmente, não temos ideia de quanto nossas roupas (ou comida ou qualquer outra coisa) devem custar, e os preços baixos se tornaram tão normalizados que nem sequer os criticamos. Apesar de estatísticas que sugerem que os compradores Millennials e da da Geração Z se preocupam profundamente com a sustentabilidade, o mercado de fast fashion está crescendo - e as roupas estão ficando mais baratas. Não ajuda o fato de que o luxo esteja, de maneira geral, ficando mais caro. O crescente vão entre os dois está agravando nossa confusão mental: se uma camiseta não deve custar US$ 5, ela provavelmente também não deve custar US$ 500. Mas qual é o meio-termo? Qual é o preço "certo" da moda?
 
A resposta direta é que provavelmente é mais alto do que você pensa. Para entender de onde vem o número contido num preço, é preciso contabilizar cada etapa da produção - tecido, mão-de-obra, remessa, embalagem - e adicionar uma margem de lucro. Vamos supor que um estilista esteja usando materiais de qualidade e pagando a seus trabalhadores um salário acima da média; os materiais e a mão-de-obra serão indiscutivelmente os custos mais altos. O padrão da indústria para uma margem de lucro fica entre a marcação de 2,2 e 2,5x, o que significa que um vestido que custa US$ 100 para ser produzido por um estilista pode ser vendido a um varejista por US$ 220. Esse varejista precisa aumentá-lo novamente em 2,2x para ter lucro, elevando o preço final para US$ 484. (Dá para ver como a matemática para essa camiseta de US$ 5 é quase impossível.)

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Amber Valletta usando Ryan Roche (Foto: Reprodução/Instagram)


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A maioria dos consumidores não sabe nada disso; ele pode assumir que o preço é um número arbitrário que a marca criou para maximizar seus lucros. Ela também não sabe para onde estão indo os lucros; talvez estejam cobrindo custos indiretos, como espaço de escritório, funcionários, honorários legais e impostos, ou sejam reinvestidos em futuras coleções.

E por que ele deveria saber? A moda não tem um histórico de transparência, especialmente quando se tratando de dinheiro e lucro. O desconto desenfreado nos treinou para duvidar do preço de qualquer coisa, seja de um vestido de US$ 2.000 ou de uma blusa de US$ 200. Sabemos que, se esperarmos algumas semanas ou meses, o preço será reduzido.

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Look Maria Stanley (Foto: Divulgação)


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E se é tão fácil para os estilistas reduzirem esses preços, certamente o número original começou muito alto, certo? Você seria um tolo por não esperar pela liquidação. Como resultado, alguns varejistas estão realmente aumentando suas margens para compensar a inevitável perda de 30% ou 40%, às vezes aumentando em até 4x - o que significa um casaco pelo qual pagou-se US$ 1.000 (que custa mais perto de US$ 500 para ser produzido), começará com um preço de US$ 4.000 na loja. 

É uma rede emaranhada de problemas, e isso é particularmente prejudicial para pequenas empresas como a de Stanley. Esqueça tentar criar roupas éticas e sustentáveis – primeiro é preciso descobrir como convencer as pessoas a pagar mais por elas? Os preços dela estão na faixa de US$ 350, mas seus clientes perguntam com frequência por que ela não pode vender mais barato. Outros estilistas podem escolher cortar custos usando tecidos ou mão-de-obra mais baratos, mas Stanley está comprometida com sua fábrica familiar em Délhi, na Índia, e não comprometerá tecidos orgânicos de alta qualidade. A única maneira de reduzir seus preços seria obter menos lucro ou fazer a transição de seus negócios para um modelo de venda direto ao consumidor, eliminando a margem de lucro do varejo. (Dado o estado das lojas de departamento, muitos de seus colegas provavelmente estão pensando a mesma coisa.)

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Look Ryan Roche (Foto: Divulgação)


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Enquanto isso, a melhor coisa que ela pode fazer é educar seus clientes sobre a razão de seu novo vestido de algodão orgânico bordado à mão custar US$ 550. Stanley compartilhou abertamente a repartição de custos aqui: US$ 24 cobre o algodão orgânico e tingimento; o trabalho manual chega a US$ 48, porque uma bordadeira levou um dia inteiro para fazer o vestido; o trabalho de produção, incluindo a costura, a modelagem, amostragem, acabamento e embalagem, foi de US$ 48; rótulos, etiquetas de identificação, e a dust bag custaram US$ 5; o envio foi de US$ 8; e as taxas foram US $24. Seu custo total chegou a US$ 157 e, para manter o preço final mais baixo, ela teve apenas uma margem de 1,59x, aumentando o preço de atacado para US$ 250. (Isso significa que Stanley ganharia US$ 93 de lucro quando uma loja encomendar o vestido.) Com a margem típica de varejo de 2,2x, o preço final na prateleira de uma boutique é de US$ 550.

“Eu ando tentando fazer questão de contar a história de minhas roupas, mas é difícil ser honesto e dizer: 'Este é o meu custo, é o quanto ganho nesta peça, é por isso que você deve apoiar minha marca e as pessoas que a criaram,'" diz Stanley. “Eu amo ir a uma loja, e tenho amigos que têm butiques e trabalham muito. Eles merecem essa margem, mas a margem de lucro do varejo é realmente a razão pela qual as roupas ficam tão caras. É aí que fico estagnada.”

Se você é da mentalidade "compre menos, compre melhor", não é difícil justificar o preço mais alto. Muitas clientes de Stanley pensam no investimento e se preocupam com o compromisso dela com a produção ética, sustentável e em pequenos lotes, mas algumas ainda precisam estar convencidos de que "vale a pena" comprar um de seus vestidos em vez de cinco versões mais baratas.

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Look Ryan Roche (Foto: Divulgação)


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Lucette Romy, fundadora do The Wylde, marca de roupas orgânicas feitas à mão em Bali, teve conversas semelhantes com suas clientes sobre o preço mais alto do algodão orgânico, corantes naturais e mão de obra digna. “Mas isso geralmente não é o suficiente para mudar suas mentes, diz ela. Então, ela encontrou outra maneira de fazer as pessoas entender: todos os itens do site dela vêm com uma análise de custo por uso. Seu novo vestido de algodão orgânico custa US$ 178, mas se utilizá-lo 10 vezes, será US$ 18 por uso. A partir do momento que você já o utilizou 50 vezes, estará abaixo de US$ 4. Se você pretende mantê-lo por anos, como deveria, esse número seria reduzido a centavos. De repente, é uma barganha.

Longevidade e qualidade também são o ganha-pão de Ryan Roche, e são mais bem exemplificados pelos suéteres de cashmere feitos à mão no Nepal. “Sempre tentamos contar a história da nossa marca e, desde o início, a primeira coisa que saiu da minha boca foi sobre os materiais, onde nossas roupas são feitas e quem colocou as mãos nela”, diz ela. “Quando você compra nosso suéter, queremos que você fique com ele pra sempre. O preço não será o mesmo de outro lugar, porque ele realmente durará uma vida. A chave é comunicar isso [ao cliente], para que as pessoas vejam a razão do suéter custar US$ 800 e por que você deve preferir comprar esse ao invés do suéter de US$ 89 com uma origem questionável."

Roche diz que seus parceiros de fábrica no Nepal são "como uma família" e que ela não encontrou ninguém em nenhum lugar que possa igualar a habilidade e qualidade deles. Mas alguns clientes podem não perceber que o "fabricado no Nepal" é tão virtuoso quanto o "fabricado na Itália". A tendência ocidental de valorizar a produção europeia e americana em detrimento da chinesa ou do sul da Ásia é outro problema, mas Roche se dedica a deixar isso transparente. "Não acho que as pessoas percebam que no Nepal, os tricoteiros usam teares manuais, e literalmente todas as nossas blusas são feitas à mão", acrescenta ela. “É um produto muito especial que vem de lá.”

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Look The Wylde (Foto: Divulgação)


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Seu modelo de negócios se parece muito com o que a indústria tem pregado como um caminho sustentável: pequena escala, com designs atemporais, menos coleções, materiais de qualidade e mão de obra justa. É o oposto total do fast fashion e, mais amplamente, da noção de que as roupas existem apenas para transmitir status ou aderir às tendências. A Roche não cria roupas que sejam altamente identificáveis ou mesmo que sejam do momento; como ela diz, elas devem "caber no guarda-roupa de uma mulher e tratá-la bem". É justo supor que, embora muitos de seus clientes simplesmente apreciem o produto, a maioria deles também se preocupa com os valores e a missão da Roche. Eles não estão interessados em acumular mais coisas.

Esses clientes também entendem a importância de apoiar negócios modestos, em vez de grandes corporações - e que “fazer compras pequenas” tem um preço mais alto. A escala é o outro problema controverso: Normalmente, quanto mais unidades de uma peça de roupa você produz, menor o preço por unidade. Essa não é uma explicação para roupas extremamente baratas, porque o trabalho deve ser um custo constante, mas os costureiros podem trabalhar um pouco mais rápido como resultado da repetição. O preço do tecido muda em escala também. Se Stanley, Roche e Romy pudessem triplicar o tamanho de seus negócios, talvez seus preços caíssem um pouco, mas esse não é o objetivo delas. Quanto maior a empresa, mais difícil fica acompanhar a cadeia de suprimentos; todos nos lembramos de como certas marcas conhecidas nem sabiam que suas roupas estavam sendo produzidas na fábrica desabada do edifício Rana Plaza.

Entender a escala também explica por que um preço mais alto nem sempre equivale a melhores tecidos e mão de obra justa. Um vestido de poliéster pode custar US$ 400 porque a grife o produziu em pequenas quantidades e pagou seus funcionários - mas ainda é poliéster e você não deve gastar US$ 400 em algo tão prejudicial ao meio ambiente. Ou talvez a marca o tenha feito em grandes quantidades e usado mão-de-obra barata, mas aumentou o preço para convencê-la de que é um produto elevado. Sempre haverá confusão quando se trata de preço, e algumas marcas irão sempre considerar o "valor da marca" acima da sua força de trabalho. A única maneira de você realmente saber se um preço vale o seu dinheiro suado é se aprofundando e exigindo transparência das marcas que você apoia.

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Look The Wylde (Foto: Divulgação)


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Na área do luxo, estilistas e varejistas estão discutindo ativamente sobre como se tornarem abertos e honestos sobre o preço e a qualidade. Ao explicar a origem de seus tecidos, como suas roupas são feitas e quem as produz, a esperança é que os clientes comprem com mais confiança e sejam motivados a investir na história, não apenas no produto ou na tendência. Em teoria, esse conceito de consumo consciente poderia finalmente chegar à mais gente. Isso não vai consertar a mudança climática ou a cadeia de suprimentos obscura da moda, mas é a melhor maneira de começarmos a fazer a diferença - e por "nós", quero dizer aqueles entre nós em posição privilegiada de ter dinheiro para gastar e mentalidade para refinar nossos hábitos de compra. A refutação comum à abordagem "menos, melhor" é que algumas pessoas não podem pagar mais por roupas, e isso é absolutamente verdade. Mas os compradores de baixa renda não são os que estão criando a bagunça; eles não compram um vestido novo toda semana e depois o jogam fora. As pessoas que abusam do sistema são aquelas que podem comprar menos itens de qualidade superior, e é nossa responsabilidade usar nosso poder e influência a fim de aumentar a qualidade para todos os outros.

Os otimistas sugeriram que a pandemia começou a reorientar nossas prioridades em torno da família e da saúde, em vez de bens materiais. Os compradores da Primark que acamparam da noite para o dia antes da reabertura contam uma história diferente - mas essas mudanças de valor levam tempo, e ainda há esperança de que nossa indústria lidere o caminho e mude de rumo. "Seria muito bonito pensar que as pessoas estão se acalmando e a indústria está se unindo para estabelecer novos limites", diz Roche. "Para ser mais sustentável, pensar em nosso meio ambiente, humanidade e decência em relação aos outros ... Todas essas coisas parecem tão básicas e fundamentais."

EMILY FARRA

https://vogue.globo.com/moda/noticia/2020/07/quanto-vale-sua-roupa....

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