Naturalidade. Quando nos aproximamos de Margherita Maccapani Missoni é essa a característica que sobressai. Cabelo solto, pouca maquilhagem e um estilo boémio, a herdeira Missoni não precisa de fazer um esforço para parecer bem. Uma característica que alastra também ao seu discurso. Não se preocupa em dizer de mais, ou de menos. Diz o que pensa. Sempre.
É-lhe tudo inato, como a moda também sempre lhe foi. Com duas semanas de vida estava no backstage de um des le Missoni, ia para a escola com gorros feitos por Vivienne Westwood, vestia casacos oferecidos por Anna Piaggi e Federico Fellini mandava-lhe postais. «Com 10 anos usava um casaco com um bordado gigante nas costas que dizia “Fashion Victim”. A minha mãe nunca me disse, nem a mim, nem à minha irmã, o que é que devíamos vestir».
Agora, casada com o piloto Eugenio Amos e mãe de dois lhos, Otto (três anos) e Augusto (dois anos), é responsável por uma marca própria de roupa infantil: a Margherita Kids.
ELLE: Desde que te casaste, em 2012, a tua rotina mudou?
Margherita Missoni: Rendi-me ao meu ADN. Mudámo-nos de Milão para o campo, mais precisamente para Sumirago, onde cresci.A vida de campo, traz-me equilíbrio e mantém-me sã.
E com a criação da tua marca, acrescentaste ao curriculum o papel de designer de roupa para crianças.
A marca floresceu com o meu primeiro lho. Percebi que a ambição já não era uma prioridade, mas sim a qualidade de vida. E não queria ser como a minha mãe. Ela dedicou-se sobretudo à empresa e é incrível o que conseguiu conquistar. No entanto, a verdade é que teve de deixar de lado as suas paixões. Eu não queria seguir esse caminho.
Qual é a mensagem que queres transmitir com a tua marca?
Quero que as crianças se vistam sozinhas, que tenham ideias próprias. Procuro oferecer-lhes um universo colorido e cheia de possibilidades, com diferentes tecidos, texturas, padrões… Este outono apresentei a minha primeira coleção.
Ter filhos muda a visão que temos do mundo?
Voltas a sentir o síndroma do Peter Pan. Adoro esse mundo infantil, onde desejar é poder. Ajuda-me a recordar que também já fui criança. O que não implica que, em alguns dias, não me esconda durante alguns minutos no banho à procura de paz e sossego.
Se pudesses personalizar o planeta, por onde começarias?
Precisa de um novo impulso. E de uma Europa menos preguiçosa. Não é assim que se inova, nem que se cresce.Aos visionários não se pode fazê-los passar por loucos. Os que mudam o mundo, como os meus avós fizeram em 1953 no setor têxtil, têm uma visão clara das suas ideias e lutam por executá-las. Sinto o maior respeito por quem trabalha, e eu que venho de uma classe social privilegiada, tento sempre recordar-me disso, até porque a verdade é que se queres ser bem sucedido na vida, tens de trabalhar. E se é certo que temos de ser racionais e e cientes, também não faz sentido passarmos 14 horas no trabalho. Tenho a sensação que os europeus são algo mimados. Queixamo-nos muito, mas ainda assim temos uma boa qualidade de vida e um bom nível de bem-estar. Falta-nos pensar nos problemas reais.
De que forma contribuis?
Sou embaixadora da OAfrica em Itália, uma ONG que opera no Gana e oferece ajuda a mais de 5.000 crianças orfãs em situação de risco. Na vida, é importante alargar horizontes. Penso que a Moda precisa de consciência e que as empresas devem procurar mais do que rentabilidade.
Falas frequentemente da tua mãe, mas reivindicas também constantemente o apelido do teu pai: Maccapani.
Os meus pais separaram-se quando eu tinha sete anos. Quando cheguei à maioridade, as pessoas conheciam-me mas só me identificavam como Missoni. Sentia que era uma falta de respeito esquecerem-se do apelido do meu pai.
Como é que te vês no mosaico familiar?
É difícil pertencer a uma família como a minha, em que tudo se mistura numa amálgama de trabalho e relações pessoais. Claro que as minhas memórias de infância, de tardes passadas na fábrica entre tecidos, são muito especiais. E tenho um respeito enorme pelos meus avós, pela forma como revolucionaram o panorama têxtil, e pela minha mãe que se encarregou de atualizar esse legado.
Em algum momento te sentiste aprisionada por esse peso?
Houve um tempo em que senti necessidade de me afastar. Somos um clã e pode ser complicado identificares-te como indivíduo. E a empresa às vezes tornava-se asfixiante. Quando tinha 20 anos não sabia onde acabava a minha família e começava eu. Por isso fui para Nova Iorque terminar o curso de Filosofia e começar Teatro. Queria ser independente e ganhar o meu próprio dinheiro. Queria liberdade. Até que percebi que a família é que faz de ti quem és. São as tuas raízes, não lhes deves fugir, nem renegá-las. Distanciar-me totalmente deles, e do negócio, teria sido como cortar um braço.
Pode tirar-se a Margherita da Missoni, mas não vice-versa?
Pode (risos)! A minha mãe deu-me liberdade absoluta. Mas sei como ela pensa, deseja que sejas feliz, mas a sua ideia de felicidade consiste em alcançar a perfeição. Durante anos tentei ser a melhor em tudo. Hoje já relaxei, e ela respeita-me. Caso contrário não teria delegado em mim, nem me teria apoiado com o projeto Margherita Kids.
Achas que se pode dizer que a história dos Missoni, é uma história de resistência?
Os valores da família são muito importantes. Estamos unidos, com o bom e o mau que isso implica. Por exemplo, 2013 foi um ano horrível: íamos celebrar as bodas de diamante da empresa, mas com o desaparecimento do avião do meu tio Vittorio, na Venezuela, acabou por ser um ano de luto. O impacto da tragédia prejudicou tanto a saúde do meu avô que, depois de celebrar 92 anos, deu entrada no hospital e morreu pouco depois. Durante esses meses difíceis a minha mãe infundiu-nos coragem e energia, e manteve-nos juntos.
Estar juntos torna-vos mais fortes.
É o nosso segredo. Ainda que isso não signifique que sejamos tradicionais. Somos como uma banda de jazz, quando nos reunimos, todos acrescentam alguma coisa. Nem sempre é fácil, mas nunca é aborrecido.
Por: Claudia Sáiz -- Imagem: © Rafa Gallar -- Styling: Bárbara Garral.