Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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O coronavírus mudará o formato de desfiles de moda para sempre?

Após o cancelamento das semanas de moda masculina e de alta costura, o crítico de moda da Vogue britânica, Anders Christian Madsen, analisa qual será o futuro das apresentações.

Inverno 2020 da Saint Laurent (Foto: IMaxTree)

Inverno 2020 da Saint Laurent (Foto: IMaxTree)



Quando a pandemia do coronavírus causou o adiamento de um ano das Olimpíadas de Tóquio, o inevitável ponto de interrogação no calendário da moda ficou ainda maior. Três dias após esse pronunciamento, o conselho de administração da Federação Francesa de Alta-Costura e Moda anunciou que a semana de moda masculina de Paris (que estava programada para 23 a 28 de junho), assim como a semana de alta-costura (marcada entre os dias 5 e 9 de julho), não iriam mais ocorrer. Para todos os efeitos, os desfiles devem continuar e, por esse motivo, todos estão pensando em alternativas. A resposta moldará o futuro da moda.

Fila final do inverno 2020 da Prada (Foto: IMaxTree)

Fila final do inverno 2020 da Prada (Foto: IMaxTree)



O ciclo de vida criado pelas semanas de moda pode ser amplamente dividido em quatro grupos: as marcas, a produção, os compradores e a imprensa. Como um jornalista, eu entendo as implicações da última parte – e as mencionarei durante essa matéria – mas o que um novo modelo da semana de moda significaria para os meus colegas que fazem parte dos outros três setores? (Se, de fato, haverá coleções após a suspensão de produção, perdas financeiras e todas as outras consequências causadas pelo coronavírus).

Inverno 2020 do Giorgio Armani (Foto: IMaxTree)

Inverno 2020 do Giorgio Armani (Foto: IMaxTree)



Dono de uma das marcas mais poderosas do mundo, Giorgio Armani foi o primeiro estilista a repensar a estrutura do seu desfile, após os alertas sobre a pandemia no final da semana de moda de Milão em fevereiro, ele pediu aos convidados que não comparecessem ao desfile e, ao invés disso, assistissem à transmissão ao vivo via plataformas digitais. Se a indústria for forçada a reinventar as próximas semanas de moda, o formato da Armani é uma solução facilmente imaginável, assim como a ideia de filmes ou vídeos de alta produção para exibir as coleções.  

“Poderia funcionar como uma fase de transição até voltarmos com os desfiles normais”, diz Michel Gaubert. O principal produtor de trilhas sonoras da indústria – favorito de marcas como Chanel, Dior e Valentino –, Gaubert conhece todas as formas possíveis do mecanismo de produção de um desfile. “Os filmes destinados a substituir as apresentações presenciais podem ser muito inspiradores e ousados, mas não é o mesmo que ver as roupas nas passarelas”, afirma. Eu concordo. Nesta última temporada, quando escrevia sobre o desfile da Chanel, fiquei surpreso com a diferença entre a minha impressão alegre de ver as roupas na vida real e um sentimento contido ao olhar as fotos mais tarde.

Inverno 2020 da Chanel (Foto: IMaxTree)

Inverno 2020 da Chanel (Foto: IMaxTree)



Roupas são meio que nascidas sem alma. São a estrutura teatral e o movimento que as dão vida, lhes enchem de caráter e significado. Será que uma transmissão online poderia capturar essas coisas? “Eu posso aproveitar a experiência através de modelos, styling, cenário, música e trabalho de câmera, mas parece distante”, diz Gaubert. “O que funciona ao vivo nem sempre funciona em vídeo”. Porém, com o impacto à parte, uma temporada com apenas transmissões online de desfiles é viável no ponto de vista da produção?

“Isso tudo exigirá muito planejamento e eu não acho que as marcas estejam prontas para fazerem desfiles completos apenas para a internet. A seleção de modelos será um pesadelo logístico; como reunir 20 modelos, como fazer tudo localmente”, Gaubert comenta.

Ele menciona como bons exemplos de alternativas às passarelas os vídeos de pré-coleção que o Steven Meisel costumava filmar para a Balenciaga quando Nicholas Ghesquière era o diretor criativo, e os vídeos recentes da Chanel filmados por Inez e Vinoodh, Karim Sadli e Sofia Coppola produzidos a pedido de Virginie Viard para complementar a sua coleção.

“Eu acredito que os desfiles possam ser uma sessão de fotos engrandecida, mas com menos roupas e menos modelos”. Do ponto de vista da imprensa, esse formato criaria a narrativa necessária para dar vida às peças de roupa. Substituir previews e entrevistas nos bastidores por telefonemas com estilistas pode ser de interesse temporário. Mas, como Gaubert observa: “Seria difícil para compradores avaliarem tecidos e usabilidade. Às vezes, peço itens de catálogos, o que é difícil quando não se vê as roupas na vida real”. 

Pense na frequência com que todos nós compramos online por esse mesmo motivo, e então só é preciso aplicar esse cenário na venda por atacado para entender os principais problemas envolvidos na falta da presença física de um comprador. A diretora de moda e compras do site Matches Fashion, Natalie Kingham, explica as complicações: “É importante ser flexível e inovador.

Se os desfiles fossem transmitidos online, eu tentaria”, ela me diz. “Mas comprar apenas por catálogos é um desafio, sem ver o tecido ou como veste. Grande parte das semanas de moda é sobre relacionamentos e conversas, e uma comunidade que incentiva a criatividade e informa os compradores, às vezes diariamente, sobre o que você deseja comprar e como melhorar o estilo de vida dos seus clientes.

Esse é um argumento de defesa que que muitas vezes usei em relação às semanas de moda, que podem parecer – e certamente parecem – um circo sem fim. Desde que comecei a cobertura de desfiles, há cerca de 10 anos, a sustentabilidade do calendário da moda – com suas coleções de moda feminina, moda masculina, alta-costura e cruise – tem sido questionada constantemente.

Eu até reclamava de vez em quando, mas provavelmente sou uma das poucas pessoas que realmente ama assistir de 200 a 300 desfiles por ano (estou falando sério). “Eu passo a maioria do tempo durante as semanas de moda observando os líderes da indústria, o que eles vestem e o que estão sentindo. Isso é muito importante para fazer um bom trabalho”, Kingham me diz. “Tudo pode e deve ser testado, no entanto, não devemos subestimar o quão benéficas as semanas de moda são para essa indústria”.

É claro que os desfiles também alimentam uma fotossíntese de micro indústrias aos seus redores. Fotografias de street style, por exemplo, tornaram-se um grande negócio, assim como os influencers dependem parcialmente dessa plataforma para sobreviverem.

Mais do que ninguém, isso vale para os incontáveis trabalhadores independentes, os freelancers que fazem os desfiles acontecerem e agora correm o risco de perder a sua forma de renda: de stylists a produtores, a escritores e seus agenciadores. Se as duas últimas semanas de isolamento nos ensinaram que muitas reuniões poderiam ter sido um e-mail, é impossível comprimir a gigantesca conferência que é a Fashion Week à uma ligação de vídeo no Zoom. No entanto, estamos diante de uma crise que deve ser resolvida e não lamentada. “Os estilistas sempre inovam em tempos difíceis e se todos colaborarmos, podemos achar soluções criativas”, diz Kingham.

Alta costura da Valentino (Foto: IMaxTree)

Alta costura da Valentino (Foto: IMaxTree)



Enquanto isso nos preparamos para repensar os desfiles, começando pelos de moda masculina previstos para junho. Na minha opinião, o objetivo mais importante é que incluamos nessa solução todos os setores existentes da máquina que é a semana moda. Embora o papel do comprador já esteja garantido, a indústria precisa sustentar seus produtores, agenciadores, especialistas de som, modelos, stylists, profissionais de cabelo e maquiagem e fotógrafos. A imprensa, que está presente para documentar e dar sentido a uma história acelerada de coleções de moda que, de outra forma, ficaria apenas na lembrança. E deve-se também dar atenção às marcas emergentes e menores, que não terão capacidade de fazer uma transmissão online ou capturar vídeos como os grandes nomes. Nesse processo, talvez configuremos uma indústria mais sustentável, tanto em termos de organização, quanto ambiental.

Inverno 2020 do Marc Jacobs (Foto: IMaxTree)

Inverno 2020 do Marc Jacobs (Foto: IMaxTree)



“Coisas boas virão dessa crise, e sim, será também um alerta”, diz Gaubert. “A era do exagero nunca ser suficiente chegou ao fim, mas isso não significa que é o término dos desfiles de moda. Eles serão melhor avaliados e talvez menos extravagantes. Eles terão mais realismo, porque com certeza haverá menos artifícios. Já houve alguns desfiles ótimos que foram mais reservados, como o de alta-costura do Valentino no Hotel Salomon de Rothschild ou o do Marc Jacobs no Armoury”, ele continua ao se referir a desfiles que usam espaços existentes sem construírem cenários épicos dentro deles. “A moda se esforça para sempre se renovar e conseguirá isso. A moda também é muito social. Colocar seus desfiles em confinamento iria destruí-la”.

ANDERS CHRISTIAN MADSEN - VOGUE INTERNACIONAL

https://vogue.globo.com/moda/noticia/2020/04/o-coronavirus-mudara-o...

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