Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Cooperativas procuram valorizar a madeira de manejo

Sérgio Adeodato/Valor

A sertaneja Joana Gaia comanda 20 associações organizadas em cooperativa
A pernambucana Joana Gaia, 52 anos, é exímia no manuseio do machado para o corte de madeira entre cactos na vegetação contorcida da Caatinga, no assentamento Mandacaru, município de Serra Talhada (PE). Com mão de ferro e habilidade gerencial para promover mudanças e boas práticas, a sertaneja comanda 20 associações de produtores de lenha e carvão organizadas em cooperativa. O objetivo é aumentar o poder de barganha para obter melhores preços da madeira extraída por manejo florestal, com técnicas que reduzem impactos e conservam a mata para uso econômico no futuro. "Faltam os compradores se conscientizarem e valorizarem o produto obtido sem devastação", diz Joana, personagem de um movimento que ganha escala para tornar sustentável uma das principais atividades geradoras de renda na região.

É comum associar o manejo florestal à Amazônia, explorada para fornecer madeira nativa à indústria de móveis e construção civil. Mas também a Caatinga, vista como "primo pobre" dos biomas brasileiros, se apresenta como campo de oportunidades para se inverter a lógica da relação entre pobreza e conservação ambiental. "Aquela vegetação não existe para ser derrubada e jogada em qualquer forno", enfatiza Antonio Carlos Hummel, presidente do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). "Para tornar o manejo atrativo e transformar a economia local, é preciso assistência técnica e combate à ilegalidade", acrescenta.

A Caatinga perdeu 1,9 mil Km2 de vegetação natural entre 2008 e 2009, área superior ao tamanho da cidade de São Paulo, com desmatamento mais intenso na Bahia, Ceará e Piauí. A principal causa está no uso da madeira para fins energéticos. "Cerca de 25% da energia consumida nos setores industrial e comercial do Nordeste têm origem na biomassa florestal deste bioma, com geração de 900 mil empregos diretos e indiretos", revela Newton Duque Estrada, chefe do SFB na região. A lenha da Caatinga tem alto poder calorífico e preço inferior ao de outras fontes energéticas, sendo consumida principalmente por fábricas de telhas e indústrias de gesso, fornecedores da construção civil. A madeira nativa é também utilizada para aquecer caldeiras industriais nos setores alimentício e têxtil, além de abastecer churrascarias, padarias e pizzarias

"Infelizmente o manejo florestal, estendendo-se por 95 mil hectares do bioma, supre apenas 6% do consumo total", lamenta Estrada. Segundo ele, ao fornecer 70% da lenha e carvão utilizados no Nordeste, o desmatamento ilegal é a principal fonte para a indústria. O restante provém de plantios florestais, podas de árvores frutíferas e corte autorizado para atividades produtivas e obras de infraestrutura. Como permite a recuperação da floresta, o manejo contribui para o melhor balanço de carbono dos produtos finais fabricados pela queima da madeira. "Sem controle na extração, a lenha gera impacto para as mudanças climáticas mais nocivo do que os combustíveis fósseis", explica Estrada.

A pressão sobre as florestas atinge níveis críticos no raio de 150 Km ao redor dos polos industriais consumidores. Danos como degradação do solo, perda de biodiversidade e assoreamento dos corpos d'água levam ao processo de desertificação. "O tempo de regeneração da vegetação nativa não está sendo respeitado", adverte.

Em sua avaliação, "a Caatinga tem surpreendente capacidade de recuperação, caso contrário não contaríamos hoje com 53% de cobertura florestal remanescente, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente". Estudo conduzido durante quase três décadas por instituições de pesquisa comprovou que a vegetação natural se regenera por completo até 15 anos após o primeiro corte - metade do tempo da Floresta Amazônica. O plano de manejo prevê métodos para prevenção de fogo e garantia de abrigo para a fauna. São poupadas árvores protegidas por lei, como aroeira e baraúna, e outras espécies de potencial combustível ou tradicionalmente preservadas pela cultura sertaneja, como o umbuzeiro e o juazeiro.

"Bastam algumas gotas de chuva para tudo aqui ficar verde", conta José Nascimento da Silva, 57 anos, produtor do assentamento Batalha que ganha perto de R$ 700 mensais com a lenha, mais uma renda extra do plantio de milho e mamona. A criação de caprinos, alimentados por folhagens nativas, obedece a um limite máximo para não estragar a mata. Longe da madeira ilegal, Silva ganha o dobro, não precisa trabalhar como diarista na lavoura de terceiros e trocou a casa de pau-a-pique por uma de alvenaria, onde mora com a mulher e oito filhos.

"Quem trabalha na ilegalidade é refém dos preços baixos", afirma o engenheiro florestal João Paulo Ferreira, da Associação Plantas do Nordeste (APNE), que presta assistência técnica a 25 assentamentos rurais de Pernambuco, envolvendo 455 famílias na exploração de lenha e carvão com critérios ambientais. As indústrias pagam R$ 140 pela tonelada de lenha aos intermediários, que por sua vez compram a R$ 60 dos produtores extrativistas. No caso do produto clandestino, o valor cai pela metade como compensação pelos riscos.

A prática do manejo traz junto benefícios como melhoria na infraestrutura e regularização fundiária. "Mas esbarra na burocracia dos órgãos ambientais e de reforma agrária", reclama Ferreira, lembrando que o aproveitamento da madeira no semi-árido não pode descartar outras atividades como plantio para subsistência.

"O manejo é uma alternativa, mas não a única", ressalta José Hilton de Araújo, 43 anos, do assentamento Vila Bela. A comunidade participa de um estudo da APNE com fornos para a produção de carvão e subprodutos da queima, a exemplo do líquido condensado da fumaça, utilizado como defensivo contra pragas e fertilizante natural na agricultura orgânica. A venda do produto mais nobre poderá aumentar cinco vezes a renda com o carvão.

Em Pernambuco, há 90 planos de manejo protocolados no órgão ambiental - parte para abastecer o polo gesseiro da região do Araripe, o maior do país. Há problemas para garantir o fornecimento na escala exigida pela indústria, o que poderia ser resolvido com maior investimento e repressão às práticas ilegais. Como 1 tonelada de lenha permite a produção de 6 toneladas de gesso, o setor consome hoje um terço da 1,5 milhão de tonelada extraídas por ano no Estado, a maioria sem controle sobre a origem sustentável.

Fonte:|http://www.valoronline.com.br/impresso/s1-2011-07-25/79757/460941/c...

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