A primeira edição do Web Summit no Rio de Janeiro mostrou que o evento tem tudo para construir uma edição talvez ainda maior que a vista em Lisboa e que converteu a marca em um dos principais eventos de tecnologia do mundo.
Muita gente fala sobre a superficialidade dos conteúdos (e é verdade, embora não possamos generalizar), mas se você souber ouvir, estiver aberto a trocar com o tanto de gente interessante circulando pelo evento e elaborar uma forma de consumir aqueles conteúdos de maneira distinta daquela que fazemos em sala de aula ou em congressos mais tradicionais, é possível que você saia com diversas ideias ou, no mínimo, temas para se aprofundar pesquisando mais sobre. De tudo o que vi (e desta vez foi pouco pela correria), destaco cinco pontos que entendo serem importantes para trabalharmos enquanto profissionais, lideranças e cidadãos.
A Txai Suruí, ativista indígena cujo povo vive no Estado de Rondônia, é uma atração à parte. Se antes seria quase impossível encontrar uma mulher indígena num grande evento de tecnologia, ela não só conquistou seu espaço como trouxe ideias de como unir o conhecimento ancestral à tecnologia para trabalhar por um futuro melhor, mais sustentável e que proteja nossa maior riqueza: as florestas.
Para Txai, pensar futuro é também recorrer ao pensamento ancestral, uma vez que precisamos beber dessa fonte para projetar sonhos futuros. A jovem de 26 anos entende que, bem utilizada, a tecnologia pode ser uma grande aliada na proteção das florestas e na garantia de qualidade de vida aos povos indígenas e comunidades ribeirinhas que dependem dos diversos biomas brasileiros. Mas sempre, obviamente, bebendo da sabedoria ancestral que nos ensina a conviver com o ecossistema nos entendendo como parte e não como algo que compete por espaço com ele.
A masterclass “Humanos e máquinas na complexa arte de educar”, ministrada por Gabriel Chalita, que já esteve à frente da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, foi uma grata surpresa. Utilizando de todo seu repertório de história, filosofia e até psicanálise, ele trouxe uma visão ainda mais sensível para como incorporamos tecnologia em nossas vidas e, claro, no processo educacional, seja o infantil ou adulto. Mas a lição principal foi o resgate da nossa essência, da conversa, do ouvir, do prestar atenção no outro.
Para Chalita, é preciso trabalhar no campo educacional em como elevar a autonomia no uso da tecnologia, sobretudo em crianças e jovens, em vez de simplesmente martelar na proibição. Esse trabalho serve até para que a pessoa desenvolva um entendimento sobre os efeitos do uso excessivo de determinada ferramenta.
Para jovens adultos e profissionais que temem a automação acelerada, ele entende que o desafio da educação está em ajudar as pessoas que sofrerão (e sabemos que serão muitas) com a automação a buscarem sua realização (sim, o trabalho é importante para a sensação de realização do ser humano) em outras atividades, ou seja, entender como o sistema educacional prepara jovens para o futuro e, ao mesmo tempo, auxilia adultos a promoverem uma transição de carreira, sem prescindir de habilidade adquiridas. Por fim, Chalita lembra que aceitar e compreender a beleza da efemeridade é fundamental, sempre foi, mas sobretudo agora em tempos de grandes e aceleradas transformações.
É impressionante como ainda é preciso discutir em grandes eventos o básico da diversidade e inclusão. As empresas precisam entender que não é uma opção, mas uma necessidade para sobreviver o investimento em uma cultura mais diversa e inclusiva. O tema fez parte de uma conversa que contou com as participações de Kelly Burton, CEO da Black Innovation Alliance, e Paula Englert, CEO da Box 1824.
Kelly, que com a BIA já apoiou mais de 400 mil empreendedores, afirma que é importante que as pessoas se sintam seguras para serem elas mesmas no ambiente de trabalho e ela proporciona isso na organização, frisando que ainda é preciso lutar para acabar com estereótipos que ainda resistem a profissionais pretos e organizações criadas e lideradas por pessoas pretas. Em um dos momentos, ela que vive na terra da meritocracia, fez uma crítica ao endeusamento do termo, uma vez que, mesmo lá, as condições de competições não são iguais e nem sempre as portas estão abertas para todos.
Já Paula, cuja empresa foca em jovens de 18 a 24 anos, lembra que se a cultura da empresa não está alinhada com a cultura social de onde a organização atua, o princípio já está errado. A executiva ensina que precisamos estar a par dos problemas e desafios a serem enfrentados. Ao ter consciência do problema (de diversidade e inclusão), a próxima etapa é entender o tamanho do desafio e partir para desenhar a jornada para o futuro.
O trabalho precisa ser de dentro pra fora e de fora pra dentro, num sentido de trabalhar as complexidades dentro da organização e, quando atrair profissionais para tornar o ambiente mais inclusivo, ter as ações necessárias para que essas pessoas se sintam seguras e apoiadas para construir uma jornada. Paula também afirmou que o trabalho focado em jovens tem motivo claro: entendê-los é entender o futuro. “Observamos como eles aprendem a escrever e a interagir. São ativistas por natureza, possuem fluidez digital, além disso, navegam melhor pelas esferas sociais e se comunicam mais. A maneira como eles consomem produtos, marcas, empresas, vai moldar o futuro.”
Pode falar o que quiser, mas a América Latina tem muita oportunidade a ser explorada e existe um terreno fértil para isso, pese todos os desafios sociais, de infraestrutura e de instabilidades político-econômicas. A fala vem de Roger Laughlin, venezuelano e fundador e CEO da unidade brasileira da Kavak, startup fundada no México e que ganhou a região facilitando o processo de compra e venda de automóveis seminovos.
Ele entende quando os fundos e grandes corporações falam sobre os riscos e olham meio de lado para a região, mas ressalta que temos a combinação perfeita para criação de startups de sucesso já que possuímos problemas bastantes complexos, que demandam soluções complexas e temos um grande mercado consumidor.
O venezuelano lembra que precisamos utilizar a complexidade para agregar valor aos potenciais clientes, dizendo que, ao elaborar a ideia da Kavak também passou por desafios, seja por não ser um negócio tão “sexy”, por estar na região ou mesmo por tentar facilitar algo que envolvia trabalhar diretamente com a burocracia latente nos países latinos. A Kavak é apenas um dos casos de sucesso da região, mostrando que é possível criar um ambiente propício a geração de negócio, inclusão e redução de pobreza a partir da tecnologia, tendo como principal objetivo resolver os problemas mais complexos da região em todas as suas esferas.
Do Onlyfans, a lição vem sobre formação de comunidade e confiança nas plataformas e tecnologias que facilitam criação de conteúdo. A atual CEO da plataforma, Amrapali Gan, que assumiu há 1 ano e meio, fala com entusiasmo sobre o crescimento da rede, os diferentes formatos de remunerar os criadores de conteúdo, mas, sobretudo, pela maneira como se trabalha comunidade e a confiança que esses criadores têm com a plataforma, ou mesmo que usuários sentem, seja pela segurança ou pela moderação de conteúdo que, com toda automação disponível, ainda conta com crivo final de pessoas.
Do lado dos criadores e do que ela chama de comunidade em torno deles (os fãs), ela afirma que o legal é que no Onlyfans essas pessoas podem postar conteúdos que realmente mostram sua identidade sem restrições, uma vez que é uma rede voltada para pessoas com mais de 18 anos. “Somos comunidade e isso não se replica, se cria em torno de pessoas e queremos seguir sendo esse espaço seguro para as pessoas com mais de 18 anos expressarem suas identidades e ganharem com isso”, compartilhou a executiva.
Embora a rede seja mais conhecida por conteúdo pornô, a CEO ressalta que o objetivo é que o espaço seja para monetizar qualquer tipo de conteúdo e que já existem criadores por lá que exploram outras frentes como esportes, vídeos de comédia, entre outros.
Vitor Cavalcanti
https://itforum.com.br/noticias/5-licoes-do-web-summit-rio/
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