O governo Michel Temer tenta aliar a urgência econômica com o tempo político. O prazo é curto: ele tem apenas 100 dias para aprovar as reformas no Congresso
Na praça central do município de Tietê, a pouco mais de 100 quilômetros da capital paulista, uma chapa metálica estampa um desenho tosco de um relógio cuco e um poema encerrado assim: “As horas batiam forte. Estava alegre. Será o relógio? Ou serei eu?” São os versos finais de “O relógio”, escrito por Michel Temer em seus deslocamentos a Brasília e transformados em monumento numa visita do então vice-presidente à sua cidade natal, em 2013, muito antes de o advogado constitucionalista tieteense vislumbrar possibilidades concretas de assumir, de fato, o País.
Foi só na campanha eleitoral do ano seguinte que os aliados conterrâneos aventaram, pela primeira vez, a ideia de “Temer Presidente”, com panfletos e jingles que pouco ou nada mencionavam a cabeça de chapa Dilma Rousseff, reeleita ao seu lado com 54,5 milhões de votos. A pretensiosa profecia local se confirmou na quinta-feira 12, com a aprovação da abertura do processo de impeachment no Senado, por 55 a 22 votos, tornando ainda mais atuais as palavras da placa próxima à igreja matriz.
Num mandato curto em meio à mais profunda crise econômica da história, as horas certamente passarão mais rápido para Temer na Presidência. E o relógio será um de seus piores inimigos. Tanto que, em menos de 24 horas de governo, a nova equipe começou a divulgar as diretrizes centrais para os próximos meses. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, apresentou, na sexta-feira 13, a proposta de criar um sistema de metas para evitar o crescimento dos gastos públicos e confirmou a reforma da previdência como prioridade.
Não descartou, no entanto, uma eventual alta “temporária” de impostos. Citando o que chamou de “bolsa empresário” (subsídios e desonerações concedidos ao setor privado), indicou espaço para cortar privilégios. Quase simultaneamente, Romero Jucá (Planejamento) anunciava um corte de 4.000 postos comissionados e repetia a necessidade de revisão nas regras de aposentadoria. Embora a intenção fosse transparecer um ritmo acelerado de trabalhos, ambos buscaram reforçar a ideia da ampla negociação, num diálogo aberto para garantir a aprovação, de fato, das medidas.
Trata-se de um aceno aos parlamentares de que o tempo político será respeitado. “É importante que as medidas anunciadas sejam implementadas com sucesso”, diz Meirelles. “O importante é: vamos devagar que estou com pressa.” Ao sair pela lateral do Palácio do Planalto, na quinta-feira 12, Dilma Rousseff encerrou cinco anos e cinco meses no comando do País. Temer, o terceiro peemedebista a assumir um mandato presidencial iniciado por outro político, terá muito menos tempo para concretizar ações.
Pelo cronograma oficial, são até seis meses (180 dias) de afastamento temporário, e mais dois anos, caso aprovado, em definitivo, o impeachment. Mas a ânsia geral de integrantes do mercado financeiro, empresários e consumidores é por respostas bem mais velozes. Não mais do que em 100 dias, estimam os mais otimistas. “Normalmente há uma lua-de-mel com governos recém-eleitos e a de Temer será mais curta”, afirma Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados. “Ele terá de um a três meses para mostrar serviço.”
Com a experiência política de mais de 30 anos, o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD), prevê um espaço ainda menor. “Todos os projetos precisam ser elaborados, discutidos e apresentados em 30 dias.” (leia entrevista aqui). Como herança, a antecessora petista deixa uma recessão de 3,8%, em 2015, e mais 4% neste ano, um rombo nas contas públicas de quase 2% do PIB e uma dívida em trajetória explosiva. Quando se elegeu, em 2010, o País crescia 7,5%, conseguia economizar 2,6% do PIB e a relação da dívida pública caía.
“Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes”, afirmou Dilma na última cerimônia no Palácio do Planalto. “Estou sendo julgada injustamente por ter feito tudo o que a lei me autorizava a fazer.” O processo de impeachment tem como justificativa decretos de crédito suplementares abertos pelo Executivo sem autorização do Congresso e o uso de recursos públicos para o pagamento de programas sociais, as chamadas pedaladas fiscais, que foram consideradas como operações de crédito, proibidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Enquanto estiver afastada, Dilma ficará no Palácio do Alvorada com direito a carro, avião e o salário de cerca de R$ 30 mil. Na breve janela de oportunidade do novo governo, importa mais a sinalização do que o resultado. Não há expectativa de conseguir retomar indicadores como os de 2010 tão brevemente. O foco recairá sobre as decisões do presente que poderão reverter a trajetória de piora. Só assim será possível resgatar a esperança por dias mais alvissareiros. “Minha primeira palavra ao povo brasileiro é confiança”, afirmou Temer no discurso de posse.
“Confiança nos valores que formam o caráter de nossa gente, na vitalidade da nossa democracia, confiança na recuperação da economia nacional, nos potenciais do nosso País.” Empresários e consumidores brasileiros vêm, há meses, nutrindo um sentimento de desconfiança em relação ao governo e à situação da economia. Sem esperança, passaram a temer um descontrole dos gastos públicos e suas consequências (inflação, impostos e desemprego). São os combustíveis que hoje retroalimentam a crise: pouco se consome e quase nada se investe.
O município de Tietê, onde Temer nasceu, com cerca de 40 mil habitantes e renda semelhante a de capitais do País, pouco ajudará o novo presidente a enxergar profundidade dos problemas. Lá, ainda estão sendo criados empregos neste ano, enquanto o Brasil já perdeu cerca de 300 mil vagas formais e contabiliza mais de 11 milhões de desempregados. “É imprescindível reconstruirmos os fundamentos da economia brasileira e melhorarmos o ambiente de negócios para o setor privado, de forma que ele possa retomar sua rotação natural de investir, de produzir e gerar emprego”, afirmou Temer.
SETOR PRIVADO O primeiro passo de uma reaproximação maior com o setor privado foi dado no mesmo dia da posse, com a criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que coordenará as concessões e privatizações. As articulações da área começaram até antes. Meirelles, agora oficialmente na Fazenda (leia a equipe ao final da reportagem), prometeu anunciar a sua equipe econômica na segunda-feira 16. Ele passou a se encontrar com Temer com frequência desde que aceitou o desafio de integrar a equipe de transição. Antes mesmo da votação do impeachment, reuniu-se, por exemplo, com governadores para discutir a renegociação das dívidas dos Estados, em curso pelo ex-ministro Nelson Barbosa.
Assuntos pendentes da gestão anterior, aliás, compõem o rol das medidas mais urgentes da nova equipe econômica e incluem ainda a aprovação do projeto de Desvinculação das Receitas da União (DRU) e da meta fiscal. Pelos cálculos da nova equipe neste ano, o rombo das contas públicas será maior do que os R$ 96 bilhões previsto pela equipe de Dilma, que superestimou a arrecadação. A previsão é aprovar um novo número no Congresso nos próximos dias. “É importante que se estabeleça uma meta realista, que seja cumprida e que sirva de base para a melhora das contas públicas”, afirmou Meirelles.
“É necessário que se estabeleça a confiabilidade de que o Estado estará solvente no futuro. A partir daí, volta o investimento.” Uma das primeiras reformas com a marca Temer será a da previdência. Trata-se da mudança mais esperada por especialistas, pelo impacto fiscal que terá caso não haja alterações. O Ministro da Fazenda antecipou a intenção de estabelecer uma idade mínima, mas a decisão final dependerá de uma avaliação dos estudos já disponíveis sobre o tema.
Segundo DINHEIRO apurou com auxiliares do presidente, Temer pretende tornar as regras mais rígidas aumentando a exigência do tempo de serviço, sem necessariamente apresentar a ideia de uma idade mínima, que teria um grande desgaste político. “É a reforma-mãe”, afirma o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Bernard Appy, que foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda no governo Lula (leia entrevista ao final da reportagem). Medidas impopulares como a revisão das regras de aposentadoria dependem de um amplo apoio no Congresso.
Aí entra a experiência política de mais de 30 anos do novo presidente. Em seu currículo, estão três presidências da Câmara, seis anos de vice-presidência da República e mais de dez anos no comando do PMDB. A difícil interlocução com os parlamentares é apontada como uma das causas centrais da derrocada que levou ao afastamento de Dilma. Basta olhar o ministério do novo governo para perceber o esforço para privilegiar o Parlamento, com a absoluta maioria de políticos. A dificuldade de acomodar aliados foi tanta que o peemedebista quase teve de abandonar sua pretensão de reduzir o número de pastas.
No final, acabou prevalecendo um ministério mais enxuto. A equipe reduzida é o primeiro cartão de visita da ideia de um Estado menor, ressaltada no discurso de posse. Deve ser seguida pelo corte de servidores e pela revisão de programas ineficientes. São medidas que não dependem do Congresso e devem contribuir para sinalizar à sociedade o esforço da União. “O governo Temer tem muitas pequenas vitórias para conseguir”, afirma André Leite, da TAG investimentos.
“Tem de ganhar o jogo das expectativas, porque aí o consumidor volta a consumir, o empresário a investir e sai desse ciclo vicioso que o governo anterior deixou.” Para empresários dos mais variados setores, o mais importante é por um fim à crise política e retomar a governabilidade, acelerando os investimentos que hoje estão represados (leia reportagem aqui). A onda otimista pode ser vista nas últimas semanas com o avanço da bolsa, a queda no dólar e a melhora nas previsões de PIB para 2017.
Nos 100 primeiros dias de governo, a agenda deve trazer ainda itens como uma desvinculação mais ampla do Orçamento, o fim da obrigatoriedade da Petrobras no pré-sal e o fortalecimento das agências reguladoras. Um destaque especial será reservado ao fortalecimento da política externa do País. Não por acaso, o Itamaraty foi dado ao senador José Serra (PSDB-SP), considerado um político de peso com capacidade para coordenar a recuperação do prestígio no exterior. “A primeira tarefa é organizar a estrutura de política externa, que hoje está desarticulada”, afirma Marcos Troyjo, diplomata e diretor do BRIClab, da Universidade Columbia.
“Assim como nas reformas tributária e trabalhista, não vamos atingir o paraíso nos próximos anos, mas é preciso começar esse processo.” A equipe econômica espera contar com uma lenha a mais para a chama da lua-de-mel inicial: a redução nos juros. Com o arrefecimento da inflação, economistas enxergam espaço para diminuir a taxa básica, um estímulo natural para a retomada da atividade. O entusiasmo inicial sobre as mudanças não esconde os riscos que rondarão o novo governo. Além das manifestações dos movimentos sociais e do desafio no Congresso, Temer se sustentará num frágil índice de popularidade e pode ter surpresas da Operação Lava Jato.
Ao menos sete dos 24 ministros foram citados na investigação, sem contar o próprio Temer, o que de antemão já vem sendo encarado com ressalvas. “Ainda é um momento de muita instabilidade, o cenário econômico é grave e com o agravante da Lava Jato”, diz Patrícia Krause, da Coface. Segundo ela, a transição não deve alterar a avaliação de rating dada pela empresa ao Brasil, hoje estável em C, só à frente da Venezuela. Do hino de Tietê pode vir mais uma inspiração ao novo mandatário: “Tua indústria, teu porto-promessa, bem depressa hão de se realizar.” A pressa da economia com o tempo da política. Eis o relógio perfeito.
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Time enxuto
O presidente Michel temer reduziu o número de ministérios para 24. Alguns dos novos titulares fizeram parte dos governos dilma e Lula:
• Advocacia-Geral da União: Fabio Medina Osório
• Agricultura: Blairo Maggi, PP-MT
• Casa Civil: Eliseu Padilha, ex-ministro da aviação Civil
• Cidades: Bruno Araújo, PSDB-PE
• Ciência, Tecnologia e Comunicações: Gilberto Kassab, ex-ministro Cidades
• Defesa: Raul Jungman PPS-PE
• Desenvolvimento Social: Osmar Terra, PMDB-RS
• Educação e Cultura: Mendonça Filho, DEM-PE
• Esportes: Leonardo Picciani, deputado PMDB-RJ
• Fazenda: Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central
• Fiscalização, Transparência e Controle: Fabiano Silveira
• Gabinete de Segurança Institucional: Sérgio Etchegoyen
• Indústria e Comércio: Marcos Pereira, PRB
• Integração Nacional: Helder Barbalho, PMDB-PA
• Justiça e Cidadania: Alexandre de Moraes, secretario de Justiça de São Paulo
• Meio Ambiente: Sarney Filho, senador PV
• Minas e Energia: Fernando Coelho Filho, PSB-PE
• Planejamento: Romero Jucá, senador PMDB- RR
• Relações Exteriores: José Serra, senador PSDB-SP
• Saúde: Ricardo Barros, deputado PP-PR
• Secretaria de Governo: Geddel Lima PMDB-BA
• Trabalho: Ronaldo Nogueira, PTB-RS
• Transportes: Maurício Quintella, deputado PR-AL
• Turismo: Henrique Eduardo Alves, PMDB-RN
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Entrevista: “Temos de ir além da Lei de Responsabilidade Fiscal”
Bernard Appy, diretor do centro de cidadania fiscal e ex-secretário-executivo do ministério da fazenda
Qual é a reforma mais importante para o novo governo?
Se tivesse de escolher uma única iniciativa para melhorar as contas fiscais, seria a Previdência. É a reforma-mãe. Embora seja impopular, não é socialmente injusta.
A ideia é racionalizar o Estado. Como fazer isso?
Há vários itens. Primeiro, pegar os programas públicos e fazer uma avaliação de custos e benefícios. Segundo, identificar onde há servidores ociosos, reaproveitá-los ou demiti-los. Seria interessante voltar o regime no qual os que não são de carreiras de Estado fossem celetistas. Não faz sentido ter estabilidade ou tratamento diferenciado.
O argumento usado para relaxar o fiscal até então era o de manutenção de programas sociais. É válido?
As decisões de política fiscal hoje são fragmentadas. Aprova-se uma medida que tem um custo muito alto e ninguém discute como vai ser financiado. É fundamental trazer agora uma visão de sustentabilidade fiscal de longo prazo. A falta disso foi extremamente danosa ao Brasil.
Dilma foi afastada por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso ajudará a sensibilizar os sucessores?
Talvez gere mais preocupações, mas acho que teremos de ir além da Lei de Responsabilidade Fiscal. Hoje, ela não é suficiente para resultar numa trajetória sustentável dos gastos públicos. O que não se pode é deixar em aberto o risco do setor público caminhar para a insolvência.
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