Vinte e oito de abril de 2011. Naquele dia de outono, o Magazine Luiza fazia história ao realizar seu IPO (oferta inicial de ações) na BM&F Bovespa (atual B3) com captação de quase R$ 926 milhões, uma das maiores daquele ano no mercado financeiro. Tão importante quanto a transação em si, o que ficou marcado para muita gente foi a mensagem passada, já naquela época, pela presidente do Conselho de Administração, Luiza Helena Trajano. O que importava para ela era reforçar o propósito do Magazine Luiza, baseado em valores mais importantes do que a geração de lucro. Entre os princípios que movem a empresa está a igualdade. Assim, Luiza se tornou responsável por transformar em uma gigante do varejo brasileiro a rede criada a partir de uma loja em Franca, no interior de São Paulo, aberta em 1957 por seus tios Luiza Trajano Donato e Pelegrino José Donato. “Eu sabia que aquilo não me daria um real a mais, mas falei porque sempre acreditei nisso. Tinha convicção de que depois de algum tempo todo mundo ia querer saber mais sobre isso”, disse Luiza Helena à DINHEIRO. Ela estava certa. “Hoje, acelerado pela pandemia, todos os fundos querem saber de diversidade, de propósito, porque o consumidor quer saber disso.”
Na prática, a gestão de Luiza Helena adotou políticas de ESG (ambiental, social e governança, em português) muito antes de o termo ter ganhado relevância. Desde 1991 à frente da companhia, que hoje tem 35 mil colaboradores e mais de 1,2 mil lojas físicas, Luiza Helena saiu em defesa do programa de trainee exclusivo para negros, anunciado em setembro, após críticas nas redes sociais. “O primeiro fim de semana foi muito agressivo, mas depois recebemos muito carinho”, disse. Os escolhidos para as 20 vagas sairão no mês que vem. Outra ação importante foi dar espaço na plataforma digital da companhia para que pequenas empresas, impactadas diretamente pelo isolamento social da pandemia de Covid-19, pudessem continuar vendendo. Também esteve entre os líderes que encamparam a campanha Não Demita.
Se esse conjunto de ações gera resultados financeiros positivos, ele também se traduz em ótima reputação. Segundo o ranking Marcas Brasileiras Mais Valiosas 2020, realizado pela consultoria Interbrand, o Magazine Luiza, que ocupa a nona posição, foi a que mais cresceu entre os 25 primeiros, com alta de 62% sobre o índice do ano passado. No pregão da B3 do dia 5 de novembro, a companhia ficou na sexta posição entre as mais valiosas, com R$ 178,4 bilhões, à frente do Bradesco (R$ 177,3 bilhões).
O modelo adotado pela empresária é elogiado por executivos. Para o empresário Roberto Justus, que atuou por 36 anos na publicidade e hoje está no mercado financeiro, o sucesso do negócio está ligado à gestão da executiva em delegar as ações com a equipe. “A valorização da empresa é diretamente proporcional a essa visão que a Luiza Helena teve de preparar a empresa para o mundo de hoje. Ela fez uma revolução no varejo”, disse Justus.
O consultor e especialista em varejo Alberto Serrentino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), lembrou do pioneirismo da empresária em criar lojas eletrônicas ainda na década de 1990, muito antes da venda pela internet. “A Luiza Helena sempre imprimiu uma gestão muito orientada ao cliente. Ela assumiu o Magazine Luiza como uma empresa regional, com atuação limitada, mas que sempre pensou grande”, afirmou.
O Magazine Luiza é um dos exemplos mais sólidos de empresa familiar com gestão profissional. E eficiente. Tanto é que Luiza faz questão de afirmar que não partiu dela qualquer decisão para que seu filho Frederico assumisse o cargo de CEO da companhia, em 2016. Frederico intensificou o modelo multiplataforma, dando ao consumidor a opção da compra na loja ou pela internet. Os resultados mostram que tem dado certo. O Magazine Luiza fechou o terceiro trimestre com R$ 12,4 bilhões em vendas totais, alta de 81% sobre o mesmo período de 2019. Com 66% da fatia, o comércio eletrônico registrou R$ 8,2 bilhões. Em novembro, impulsionado pela Black Friday, a empresa mais que dobrou suas vendas. Segundo a consultoria Nielsen, nos quatro dias de evento, o e-commerce ganhou 10 pontos percentuais de participação no mercado.
Em uma década, o Magazine Luiza fez 17 aquisições que trouxeram sinergia e eficiência à operação. A mais relevante foi a compra da Netshoes, em 2019, por US$ 115 milhões. Desde o IPO, os papéis da empresa tiveram alta de 5.234%. Para o analista de varejo do banco Itaú BBA, Thiago Macruz, a empresária conseguiu criar uma empresa multicanal, com capacidade de atrair talentos. “Por trás do crescimento no e-commerce da companhia está o objetivo maior de digitalizar o varejo brasileiro. Esse tipo de visão faz com que a empresa sonhe grande e consiga alcançar os objetivos.”
Além de Frederico, Luiza Helena é mãe de Ana Luiza, chef de cozinha e responsável pelo Instituto Brasil a Gosto, e de Luciana, a caçula, que mora em Portugal e dirige uma empresa de comunicação. “Nunca tive expectativa de que fossem melhores alunos, mas que sempre tratassem a todos de igual para igual”, afirmou.
Única mulher entre as maiores fortunas do País (ela está na oitava posição do ranking da revista Forbes) Luiza Helena sempre se considerou, acima de tudo, uma vendedora. “O que sou aqui, sou em casa, sou batendo papo. Não tenho papéis.” Ela sabe do seu tamanho e da sua importância para a empresa, mas faz de tudo para não personificar o sucesso do Magazine Luiza. “Líder é aquele que leva as pessoas mais longe do que elas acham que podem. Fiquei muito satisfeita com a equipe, que me deu condição de desempenhar o papel de líder-cidadã para ajudar pequenas empresas”, afirmou. “Fizeram melhor do que eu faria.” Quando a professora é eficiente, os alunos aprendem.
Desde a escola, sempre fui questionadora, sempre quis lutar pelas conquistas. Venho de uma família empreendedora, uma família onde minha mãe e minha tia já eram empreendedoras. Na época, tive essa vantagem. Nunca tive vergonha da minha essência, de meu jeito do interior. Isso me ajudou muito hoje. Eu queria ser eu mesma. Nunca fiz nenhum papel.
Significa que eu sempre achei que o dinheiro era importante, mas não era minha espinha dorsal, nem de minha família. Claro que temos que sobreviver. Ninguém está dizendo que minha empresa é uma ONG, mas sempre quis fazer da companhia uma empresa que tivesse propósito e que gerasse emprego. Minha família é muito voltada à geração de emprego. Muitas vezes abri mão do lucro a curto prazo por conta de algo que não estava alinhado ao meu propósito. A princípio, poderia até perder, mas não poderia mudar nosso propósito. Tenho muito cuidado para entender a verdade de cada um. Queremos ter lucro, mas com nossos propósitos como espinha dorsal.
São valores inegociáveis há muitos anos e um deles é que não aceitamos qualquer tipo de discriminação na empresa. Fiz muito por saber que a diversidade teria de ser uma missão, que todos têm o direito à oportunidade. Fui criada com solução. Minha mãe, sempre que eu levava um problema, perguntava o que eu poderia fazer para mudar. Então, ela não punha culpa no outro. Eu era responsável por mudar. Sempre que acontece alguma coisa no Brasil, penso o que poderia fazer para ajudar, não como culpa, mas como solução.
Nosso programa já estava pronto, não fui eu que criei. Sempre levei muita gente para falar de negro na empresa. Já há quatro, cinco anos que falo de igualdade racial em nossos eventos. Em todos os nossos programas de trainees, falava para nossa diretora: põe mais três vagas por minha conta, mas eu quero mais negros. E não apareciam. Neste ano, partiu do Frederico. Não foi algo de repente. Mostraram para o conselho, para o comitê de pessoas, levaram todos os funcionários negros para ajudar a montar o programa, convidaram o grupo de comitê de igualdade racial do Mulheres do Brasil, convidaram o pessoal da Faculdade Zumbi dos Palmares para ver o programa. E a gente lançou. Eu trabalho com o movimento negro há mais de quatro anos e confrontei meu racismo estrutural com uma dessas reuniões do comitê, e isso ainda me emociona.
Até então, nos meus aniversários não tinha nenhuma pessoa negra, apesar de eu achar que não era racista. Até que eu fui em uma reunião do comitê da igualdade racial da empresa e vi uma menina de alto cargo que disse que se ela não for convidada para um happy hour não vai, porque ela foi criada acreditando que aquele não era lugar para ela. Ainda me emociono com aquele momento e ali entendi o que era racismo estrutural. Quando um negro vai a um shopping, acha que pensam quem ele é segurança ou presidente do shopping? Mesmo que não fale, você pensa. Esse é o racismo estrutural.
Eu o preparei para ser gente. Quando ele conquistou o primeiro emprego, escrevi uma carta para ele, para que fosse ele mesmo, acreditar que as pessoas pudessem mudar, para ele ter tempo para tudo e fazer tudo com muito amor. Na minha casa, nunca ninguém saiu da mesa sem dizer ‘muito obrigado’ e nunca se escutou ‘eu estou te pagando, você faça’. Lógico que tem alguma influência porque ele vem de um lar de mãe empreendedora, de família empreendedora, mas desde pequeno ele se programou, buscou seu próprio caminho.
Todo título que recebo, tenho muita gratidão e responsabilidade. Fui eleita três vezes a líder de melhor reputação do Brasil. Se eu fui eleita, é porque eu mereço. Reputação é algo importante para a liderança. Ganhar esse prêmio da DINHEIRO como personalidade de 2020 em um ano em que não estou diretamente no comando da operação tem muita importância. Sei que tenho que continuar fazendo, porque ninguém é, a gente está. Precisamos fazer muito bem feito para continuar merecendo reconhecimento.
Fonte: Istoé Dinheiro
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