Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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A ‘pandemia das bets’: como as plataformas impactam a economia e a saúde mental

Com milhões de novos jogadores e uma regulação ainda em construção, o mercado de apostas esportivas no Brasil cresce à sombra de endividamento e vício.

Dra. Patrícia Peck, especialista em direito digital e Thiago Tanaka, diretor de cibersegurança da TIVIT para o Brasil e América Latina. Imagens: divulgação

Nos primeiros sete meses de 2024, aproximadamente 25 milhões de brasileiros começaram a fazer apostas esportivas em plataformas eletrônicas, o que representa uma média de 3,5 milhões de novos jogadores por mês. Esse crescimento acelerado levou à popularização do termo “pandemia das bets”, uma referência à velocidade com que o hábito de apostar se espalhou pelo País, semelhante à progressão de uma doença.

Para se ter uma ideia do impacto, o Instituto Locomotiva aponta que, ao longo dos últimos cinco anos, o número de brasileiros que apostam em plataformas digitais chegou a 52 milhões, o que equivale a quase um quarto da população do País. Destes, 48% começaram a apostar apenas em 2024.

O fenômeno das apostas, no entanto, não se limita a um simples entretenimento. A pesquisa do Instituto Locomotiva também revelou que 86% dos apostadores estão endividados, o que os impede de acessar crédito. A prática, antes vista como um passatempo, rapidamente se tornou uma armadilha financeira para milhões de brasileiros. “Quando pessoas já endividadas recorrem às apostas na esperança de resolver seus problemas financeiros, isso sinaliza um problema mais profundo”, explica a Dra. Patrícia Peck, especialista em direito digital e CEO do escritório Peck Advogados.

O cenário de endividamento massivo e vício crescente transformou as apostas esportivas em uma questão de segurança, saúde pública e financeira.

Segurança e o risco do endividamento

O rápido crescimento desse setor foi acompanhado por uma regulamentação ainda em fase de ajustes. Para Patricia, o Brasil ainda está “aprendendo a caminhar” nesse novo mercado. “O Brasil é um mercado muito grande e atrativo, mas ainda estamos lidando com uma regulamentação recente, que claramente precisa de aprimoramentos”, destaca.

Um dos principais desafios enfrentados pelo consumidor é a dificuldade em diferenciar quais plataformas estão devidamente regularizadas e quais operam de maneira irregular. “Hoje, há uma verdadeira confusão na cabeça do consumidor sobre quais apostas estão devidamente reguladas e quais não estão. Isso se deve ao crescimento acelerado do mercado e à ausência de uma comunicação clara por parte do governo e das próprias plataformas”, comenta a advogada.

Essa falta de clareza tem consequências diretas na segurança do consumidor. Como explica Thiago Tanaka, diretor de cibersegurança da TIVIT para o Brasil e América Latina, muitas plataformas de apostas, especialmente as que operam sem regulação adequada, apresentam sérias vulnerabilidades de segurança. “Há muitos usuários que são mal instruídos e acabam utilizando plataformas sem a devida proteção, como a autenticação em duas etapas. Isso os torna alvos fáceis para golpes e fraudes”, afirma.

Além dos ataques direcionados aos usuários finais, como phishing, há também a questão das plataformas falsas, que muitas vezes desaparecem com o dinheiro dos jogadores. “Do lado das plataformas, algumas possuem bons níveis de segurança, mas outras foram desenvolvidas com objetivos fraudulentos”, alerta Tanaka.

Essa combinação de desinformação e vulnerabilidades tecnológicas contribui para que consumidores façam apostas em plataformas sem o conhecimento adequado de seus riscos e da própria legitimidade do serviço. “A promessa de ‘dinheiro fácil’ é o principal atrativo para 53% dos apostadores, e quando consideramos que muitos desses apostadores são das classes C, D e E, o risco de superendividamento é ainda maior”, pontua Patrícia. A especialista reforça que, sem campanhas educativas efetivas e uma fiscalização rigorosa, os riscos de endividamento e fraude se amplificam​.

Tanaka complementa a visão da advogada ao destacar que os algoritmos por trás das plataformas de apostas são desenhados para maximizar o lucro da empresa, muitas vezes criando uma experiência viciante para os jogadores. “O algoritmo consegue identificar se o apostador é iniciante ou mais experiente. Ele ajusta o grau de risco de acordo com o perfil do jogador. Esse sistema é projetado para garantir que a plataforma nunca perca muito dinheiro”, explica o especialista.

Ele também revela que esses sistemas são altamente sofisticados e que, mesmo antes do advento da inteligência artificial generativa, já eram capazes de personalizar a experiência do usuário para mantê-lo apostando por mais tempo​.

A combinação de algoritmos poderosos e a insegurança das plataformas, somada à falta de clareza regulatória, cria um ambiente onde o consumidor, muitas vezes mal-informado, corre altos riscos financeiros e cibernéticos. “Precisamos, por um lado, de uma fiscalização mais rigorosa para evitar fraudes e proteger os consumidores, e, por outro, de uma conscientização massiva da população sobre os riscos das apostas”, afirma a advogada.

Impactos na saúde mental e vulnerabilidade social

Além do endividamento e dos riscos de segurança, a proliferação das apostas esportivas também acarreta sérios riscos à saúde mental dos usuários. “Estamos lidando com um fenômeno comparável ao vício em drogas, em que a pessoa perde o controle sobre suas decisões financeiras e passa a apostar de forma compulsiva”, afirma Patrícia. A pesquisa do Instituto Locomotiva aponta que 67% dos brasileiros conhecem alguém viciado em apostas. “O problema não é apenas a perda financeira. É o impacto psicológico que isso gera, afetando relacionamentos pessoais e até a saúde mental do apostador”, explica.

Patrícia também chama a atenção para o fato de que a legislação atual ainda não prevê mecanismos robustos para proteger os mais vulneráveis. “Em outros países, como França e Alemanha, existem sistemas de autoexclusão, onde o próprio apostador pode se cadastrar para ser barrado de fazer apostas. No Brasil, esse mecanismo ainda é muito limitado, sendo feito ‘bet por bet’, ou seja, individualmente em cada plataforma, o que torna difícil uma exclusão eficaz”, critica​.

Outro aspecto relevante é a falta de uma política pública voltada para o tratamento do vício em apostas. “O Brasil abriu o mercado, mas não se preparou para os efeitos colaterais. Ainda não temos uma frente clara no Ministério da Saúde para tratar o vício em jogos. Isso é algo que precisa ser trabalhado urgentemente”, adverte. Ela sugere que o governo deveria criar uma política específica para o tratamento de pessoas viciadas em apostas.

A corrida pela regulamentação e os desafios legais

No aspecto regulatório, o Brasil tem enfrentado uma série de desafios. A Lei n.º 14.790, que regula o mercado de apostas esportivas no país, já está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que questiona sua constitucionalidade. O ministro Luiz Fux convocou uma audiência pública para discutir os impactos sociais e econômicos dessa legislação, o que demonstra a complexidade do tema.

Um dos pontos mais controversos é a publicidade. Atualmente, o Brasil permite uma ampla divulgação das plataformas de apostas, muitas vezes vinculada ao futebol, o que, segundo a Dra. Patrícia, pode agravar a situação de vulnerabilidade dos jogadores. “A publicidade massiva, especialmente em eventos esportivos, cria uma pressão constante sobre o consumidor, que é bombardeado com mensagens de promessas de ganhos fáceis”, afirma. Ela também alerta para o impacto sobre os mais jovens: “Temos visto casos de adolescentes envolvidos com apostas, mesmo com a idade mínima sendo 18 anos. Isso ocorre porque as plataformas não estão cumprindo rigorosamente as regras, e há uma falha de fiscalização.”

Para 2025, o governo federal planeja implementar um sistema de identificação padronizada nos anúncios publicitários das empresas de apostas, o que incluirá a exibição do número de outorga, uma medida que visa aumentar a transparência e combater a publicidade irregular. Além disso, novas regras publicitárias serão introduzidas para evitar promessas enganosas de ganhos certos, uma prática comum atualmente​.

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